sexta-feira, 30 de maio de 2014

Aspiração de proficiência

No momento que o presidente do Supremo Tribunal Federal anuncia ao país que está saindo do principal palco jurídico brasileiro, vêm à tona não somente as suas realizações benfazejas, mas também os casos relacionados com suas polêmicas e seus bate-bocas com seus pares e demais colegas juristas, durante os 11 anos do trabalho como ministro. Com notório destaque, figuram os entreveros travados com colegas em plenário, no intuito de defender posições consideradas fundamentais para o julgamento com correção e justiça do clamoroso processo do mensalão. As discussões mais tórridas acontecerem com o revisor desse processo, que tinha opiniões quase sempre divergentes às dele sobre os fatos irregulares, quase que em assumida declaração de defesa de réus, cujos embates acalorados se tornaram célebres e ganharam enorme repercussão porque eles tinham por objetivo desqualificar o trabalho do relator, que foi baseado em profundamente e profícuo estudo sobre o volumoso processo de quase sessenta mil páginas, recheadas dos resultados das apurações que levaram anos e exigiram a participação de importantes órgãos de controle e de fiscalização. O anúncio da saída do ministro causou sentimento de preocupação para os brasileiros que primam pelos princípios da moralidade, do decoro e da honorabilidade, mas certamente agradou em cheio o mundo jurídico contrário à sua atuação e as pessoas que discordavam do seu desempenho profissional, a exemplo dos mensaleiros condenados no processo do mensalão, seus defensores e daqueles que acreditam na sua inocência. É evidente que neste país dos aproveitadores das benesses provenientes do Estado, a pessoa que contribui para travar os mecanismos facilitadores dos caminhos do crime não pode ter tratamento à altura da verdadeira dignidade merecida, justamente por contrariar os padrões de desonestidade que ainda prevalecem no âmbito de determinadas agremiações, cujos filiados fazem exaltação aos heróis condenados pela prática de vários crimes, entre os quais o de corrupção contra os recursos públicos. Trata de ministro valoroso, no sentido patriótico e zeloso no cumprimento do seu dever profissional, que soube honrar com destemor e empenho o cargo de relator do processo do mensalão. Nesse mister, ele se tornou destaque entre seus pares, não por exponencial saber jurídico em relação a eles, mas, sobretudo, por ter se preparado suficientemente para discutir e deliberar sobre as pletoras questões do processo do mensalão tão somente como preconizam a legislação aplicável ao caso e o rito adequado ao julgamento pertinente à importância que lhe foi atribuída. Em razão disso, ele foi inflexível às ingerências políticas e às influências dos poderosos, mostrando exatamente como, enfim, as leis penais do país devem ser aplicadas também sobre os criminosos de colarinho branco. É evidente que a sua atuação os desagradou bastante, exatamente por se tratar de algo inusitado no mundo jurídico, à luz dos padrões tupiniquins, onde os poderosos sempre encontram facilidades para se livrar das condenações, embora tenham praticado graves crimes contra o erário, mas sempre permaneciam impávidos e altaneiros no mundo da delinquência e da impunidade. Veja-se, a propósito, que o tesoureiro do mensalão chegou a declarar, em tom de deboche, ainda na fase das apurações dos fatos denunciados, que o mensalão não daria em nada, fazendo pouco caso sobre o seu resultado, porque ele tinha a garantia da cúpula do partido governista que tudo não passava de encenação para justificar os procedimentos até então adotados. Não se pode dizer que o ministro aposentando seja sumidade, que não é, mas a sua conduta de magistrado correspondeu exatamente ao que todo servidor público tem obrigação de fazer, em estrito cumprimento de servir à pátria com desprendimento de profissionalismo e responsabilidade na execução da sua incumbência constitucional e legal, e isso ele procurou fazer com exação, obviamente para assombro daqueles que estavam placidamente acostumados com a mesmice dos julgados, vendo a Justiça mandar prender os ladrões de galinha e liberar da prisão, de maneira injustificável, os famosos larápios dos cofres públicos. Não há a menor dúvida de que a passagem do aposentando pela Excelsa Corte de Justiça teve expressivo significado para mostrar que o país tem jeito e pode mudar de rumos para melhor, desde que haja interesse de quem tem o dever constitucional e legal de promover as medidas e os atos pertinentes à sua atribuição em estrita harmonia com os preceitos de regência, não se curvando às manobras e ao jeitinho brasileiro próprios da desmoralização que ainda impera no Brasil, com muito vigor. Com certeza, a saída do cenário jurídico público do ministro que conquistou a confiança dos brasileiros honrados e honestos contribui para pôr em sobressalto o pouco da esperança depositada pelo povo no trabalho do Poder Judiciário, por ele ter desempenhado sua função com proficiência e qualificação na forma que se esperam do serviço público, que tem por finalidade justamente satisfazer os anseios da sociedade com eficiência e presteza, à vista dos altos tributos que lhe são impingidos. Conviria que a lição do ministro aposentando servisse de inspiração não somente para os magistrados, mas também para os demais servidores públicos do país, de modo que as funções públicas pudessem ser exercidas com a dignidade e a grandeza do Brasil. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 29 de maio de 2014

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