No momento que o
presidente do Supremo Tribunal Federal anuncia ao país que está saindo do
principal palco jurídico brasileiro, vêm à tona não somente as suas realizações
benfazejas, mas também os casos relacionados com suas polêmicas e seus bate-bocas
com seus pares e demais colegas juristas, durante os 11 anos do trabalho como
ministro. Com notório destaque, figuram os entreveros travados com colegas em
plenário, no intuito de defender posições consideradas fundamentais para o julgamento
com correção e justiça do clamoroso processo do mensalão. As discussões mais
tórridas acontecerem com o revisor desse processo, que tinha opiniões quase
sempre divergentes às dele sobre os fatos irregulares, quase que em assumida declaração
de defesa de réus, cujos embates acalorados se tornaram célebres e ganharam enorme
repercussão porque eles tinham por objetivo desqualificar o trabalho do
relator, que foi baseado em profundamente e profícuo estudo sobre o volumoso processo
de quase sessenta mil páginas, recheadas dos resultados das apurações que
levaram anos e exigiram a participação de importantes órgãos de controle e de
fiscalização. O anúncio da saída do ministro causou sentimento de preocupação para
os brasileiros que primam pelos princípios da moralidade, do decoro e da honorabilidade,
mas certamente agradou em cheio o mundo jurídico contrário à sua atuação e as
pessoas que discordavam do seu desempenho profissional, a exemplo dos
mensaleiros condenados no processo do mensalão, seus defensores e daqueles que
acreditam na sua inocência. É evidente que neste país dos aproveitadores das
benesses provenientes do Estado, a pessoa que contribui para travar os
mecanismos facilitadores dos caminhos do crime não pode ter tratamento à altura
da verdadeira dignidade merecida, justamente por contrariar os padrões de
desonestidade que ainda prevalecem no âmbito de determinadas agremiações, cujos
filiados fazem exaltação aos heróis condenados pela prática de vários crimes,
entre os quais o de corrupção contra os recursos públicos. Trata de ministro valoroso,
no sentido patriótico e zeloso no cumprimento do seu dever profissional, que
soube honrar com destemor e empenho o cargo de relator do processo do mensalão.
Nesse mister, ele se tornou destaque entre seus pares, não por exponencial
saber jurídico em relação a eles, mas, sobretudo, por ter se preparado
suficientemente para discutir e deliberar sobre as pletoras questões do processo
do mensalão tão somente como preconizam a legislação aplicável ao caso e o rito
adequado ao julgamento pertinente à importância que lhe foi atribuída. Em razão
disso, ele foi inflexível às ingerências políticas e às influências dos
poderosos, mostrando exatamente como, enfim, as leis penais do país devem ser
aplicadas também sobre os criminosos de colarinho branco. É evidente que a sua
atuação os desagradou bastante, exatamente por se tratar de algo inusitado no
mundo jurídico, à luz dos padrões tupiniquins, onde os poderosos sempre encontram
facilidades para se livrar das condenações, embora tenham praticado graves
crimes contra o erário, mas sempre permaneciam impávidos e altaneiros no mundo
da delinquência e da impunidade. Veja-se, a propósito, que o tesoureiro do
mensalão chegou a declarar, em tom de deboche, ainda na fase das apurações dos
fatos denunciados, que o mensalão não daria em nada, fazendo pouco caso sobre o
seu resultado, porque ele tinha a garantia da cúpula do partido governista que
tudo não passava de encenação para justificar os procedimentos até então
adotados. Não se pode dizer que o ministro aposentando seja sumidade, que não
é, mas a sua conduta de magistrado correspondeu exatamente ao que todo servidor
público tem obrigação de fazer, em estrito cumprimento de servir à pátria com desprendimento
de profissionalismo e responsabilidade na execução da sua incumbência
constitucional e legal, e isso ele procurou fazer com exação, obviamente para
assombro daqueles que estavam placidamente acostumados com a mesmice dos
julgados, vendo a Justiça mandar prender os ladrões de galinha e liberar da
prisão, de maneira injustificável, os famosos larápios dos cofres públicos. Não
há a menor dúvida de que a passagem do aposentando pela Excelsa Corte de
Justiça teve expressivo significado para mostrar que o país tem jeito e pode mudar
de rumos para melhor, desde que haja interesse de quem tem o dever
constitucional e legal de promover as medidas e os atos pertinentes à sua
atribuição em estrita harmonia com os preceitos de regência, não se curvando às
manobras e ao jeitinho brasileiro próprios da desmoralização que ainda impera no
Brasil, com muito vigor. Com certeza, a saída do cenário jurídico público do
ministro que conquistou a confiança dos brasileiros honrados e honestos
contribui para pôr em sobressalto o pouco da esperança depositada pelo povo no trabalho
do Poder Judiciário, por ele ter desempenhado sua função com proficiência e
qualificação na forma que se esperam do serviço público, que tem por finalidade
justamente satisfazer os anseios da sociedade com eficiência e presteza, à
vista dos altos tributos que lhe são impingidos. Conviria que a lição do
ministro aposentando servisse de inspiração não somente para os magistrados,
mas também para os demais servidores públicos do país, de modo que as funções
públicas pudessem ser exercidas com a dignidade e a grandeza do Brasil. Acorda,
Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 29 de maio de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário