sexta-feira, 23 de maio de 2014

A PEC do privilégio e da injustiça

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou Proposta de Emenda à Constituição (PEC), versando sobre a concessão de adicional por tempo de serviço para integrantes da magistratura e do Ministério Público. A medida também permite a extrapolação do limite do teto constitucional, atualmente no valor de R$ 29,4 mil, que é o equivalente ao subsídio percebido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal. Em nota, o presidente da Excelsa Corte de Justiça ressaltou que apoia a valorização salarial de juízes, mas, inexplicavelmente, manifestou "reticências" sobre o teor da PEC em causa. Ele disse também que não participou da redação do documento nem tampouco foi autor do seu envio ao Congresso. Está mais do que evidente que o magistrado se esforça para se eximir de responsabilidade pela iniciativa dessa indecente e esdrúxula proposta, não pelo merecimento dos beneficiários visados da medida, mas, sobretudo, pelo que ela representa de discriminação e de injustiça no que diz respeito aos demais servidores dos outros dois poderes da República. Não há a menor razão a justificar tal pretensão de valorizar somente uma categoria de servidores públicos, em desprezo dos demais servidores, conquanto as demais categorias sejam igualmente merecedoras de idêntica valorização, sob pena de haver cometimento de monumental e histórica injustiça. Esse episódio se torna ainda mais esdrúxulo pela perplexidade de a proposta ter origem no poder que tem a incumbência privativa de zelar pelos princípios insculpidos na Carta Magna e de operar, em seu nome, somente a justiça, não permitindo que seus atos possam suscitar questionamentos, como nesse caso, em que a sua consecução certamente operará sensível injustiça para os servidores dos outros poderes da República. Ressalte-se que o governo federal se posicionou contra o adicional em causa, não especificamente pela injustiça de tratamento aos servidores públicos, mas pelo fato de a sua aprovação causar aumento de gastos públicos, possivelmente no percentual mínimo, embora o presidente da CCJ e o relator da proposta integrem a base de sustentação do governo. É evidente que o projeto em apreço foi aprovado ainda no âmbito de comissão do Senado Federal, mas nem por isso deixa de demonstrar o tamanho da capacidade e da formação dos senadores quanto ao domínio do princípio constitucional da isonomia, que tem como finalidade precípua a igualdade de tratamento para todos, no caso, para os servidores públicos, porque, ao contrário disso, há odioso estabelecimento de privilégio em benefício de determinada categoria de servidores públicos, em completo ferimento dos preceitos constitucionais da imparcialidade e da impessoalidade. Não se pode desconhecer que os magistrados e os membros do Ministério Público são regidos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, mas nem por isso ela pode conter vantagem que não possa ser estendida para os servidores regidos pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais. Em termos de mérito, moralidade e constitucionalidade, é inadmissível, no Estado Democrático de Direito, a aprovação de qualquer benefício ou vantagem exclusivamente para homenagear determinada categoria de servidores públicos, por mais especial que ela se considere, porque as demais categorias também têm sua importância capital para a estrutura e o funcionamento da administração pública, porquanto somente mediante a integração das categorias é possível o Estado cumprir suas funções constitucionais e legais. A criação de vantagem para categoria diferenciada não condiz, em absoluto, com país o mínimo desenvolvido, cujo Parlamento deve ter a exata compreensão sobre a imperiosa necessidade da observância dos princípios constitucionais, notadamente no que diz respeito à isonomia quanto à concessão de vantagens e benefícios, que não podem ser objeto de questionamento e muito menos de injustiça. Não há dúvida de que o país precisa evoluir muito, em especial no que diz respeito ao aperfeiçoamento e à modernidade das atividades legislativas, que sequer deveriam cogitar da apreciado de matéria nitidamente inconstitucional, quanto mais pela aprovação logo pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que, em tese, não poderia ser conivente com proposta flagrantemente inconstitucional. A sociedade deve repudiar e não aceitar, à vista da sua responsabilidade cívica, a criação de injustificáveis e inadmissíveis privilégios para determinada categoria de servidores, em evidente detrimento de outras carreiras do serviço público, por haver nítido ferimento dos princípios constitucionais da impessoalidade, imparcialidade e isonomia, e monstruosa injustiça oriunda do poder incumbido exatamente de ser o guardião da Justiça. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 22 de maio de 2014

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