Segundo se noticia, um argumento apresentado pela defesa
da Advocacia Geral da União, no escandaloso episódio das “pedaladas fiscais”, gerou bastante mal-estar entre ministros do
Tribunal de Contas da União e resposta dura do Ministério Público junto à Corte
de Contas.
Nos argumentos e seus anexos, a AGU afirmou que a
rejeição da contabilidade do governo, que já foi denominada de criativa, viola a “segurança” e a “estabilidade” das "relações jurídicas” no país.
Conforme pessoas ligadas ao TCU, a aludida frase soou muito
mal, porque houve comparação do exercício de 2014 com anos anteriores, como se
a prática sempre tivesse sido a mesma, e o comportamento da Corte de Contas
permissivo com as práticas irregulares.
Um procurador do Ministério Público junto ao TCU
respondeu as ousadas alegações do governo, afirmando: “o que violou a segurança jurídica foram os gravíssimos
descumprimentos da lei orçamentária, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da
Constituição ocorridos em 2014. A rejeição das contas é o caminho de resgate da
confiança nas instituições e da credibilidade do país”.
Na forma da competência constitucional e legal do Ministério
Público, os procuradores vão apreciar as questões jurídicas ínsitas na defesa
do governo e se manifestar, de forma estratégica, quanto ao cabimento ou não
dos argumentos oferecidos contra as “pedaladas fiscais”, lembrando que, na última
passagem dos autos pelo citado órgão, o seu parecer foi pela rejeição das
contas do governo, ante as graves irregularidades patenteadas nelas.
Há previsão que as contas do governo petista,
referentes a ano de 2014, devam ser julgadas em agosto próximo vindouro, tendo
como cerne a avaliação sobre a regularidade ou não dos atrasos nas
transferências do Tesouro Nacional a bancos públicos para o pagamento de
programas sociais, como o Bolsa Família, à vista da possibilidade do ferimento
dos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Carta Magna.
É de se estranhar que a Advocacia Geral da União não
tenha a dignidade e a competência para defender o governo com argumentos
estritamente com fundamentos jurídicos, preferindo apelar para o reconhecimento
das irregularidades apenas para igualá-las a outras similares, mesmo que
igualmente injustificáveis e inadmissíveis, olvidando que a administração do
país não tem direito de menosprezar, em hipótese alguma, o regramento jurídico
do país.
Na verdade, não faz parte da cultura dos países
desenvolvimentos, a defesa contraditar fazendo uso de descorteses ataques, por
não condizerem com os princípios da razoabilidade e da civilidade, notadamente
porque não se concebe que agressão verbal tenha o condão de mostrar o
descabimento dos fatos nitidamente inquinados de irregulares.
À primeira vista, pode-se
inferir que a dura alegação do AGU tenciona destilar intimidação e ameaçar a atuação
do TCU, ao lembrar que ele não pode quebrar seu pensamento com relação aos
julgamentos precedentes, nos quais ele teria sido menos draconiano, havendo aí
crasso equívoco por parte do órgão jurídico do governo, que não deve ter
atentado que cada julgamento tem suas peculiaridades, inclusive quanto à
composição do plenário, que pode mudar de entendimento, de uma hora para outra,
sobre a interpretação quanto á legitimidade dos atos da administração.
Veja-se caso típico do
Supremo Tribunal Federal, que, julgando o famigerado mensalão, acabara de
enquadrar alguns mensaleiros no crime de formação de quadrilha, mas bastou o
governo mandar novo ministro para compor o plenário daquela Corte e, logo em
seguida, esse importante desiderato cair por terra e os quadrilheiros ficarem simplesmente
isentados da culpa de tão grave crime.
Naquela ocasião, o governo
não se insurgiu contra o desiderato final sobre a formação de quadrilha,
notadamente porque os beneficiados pela rápida mudança de entendimento da
Excelsa Corte de Justiça estavam ao lado dele, que, ao contrário, se tornaram,
na concepção petista, verdadeiros heróis nacionais.
Não tem o menor cabimento, porque
nem mesmo nas republiquetas isso acontece, o governo tentar justificar as
gravíssimas irregularidades, inclusive inobservância de princípios
constitucionais, sob o argumento de que casos semelhantes foram praticados no
passado, como se erros de outrem servissem de fundamento para respaldar práticas
que jamais deveriam ter sido perpetradas pelo governo, eis que a legislação de
regência é claríssima, não permitindo que os órgãos de controle e fiscalização
sejam condescendentes com os deliberados atos de descumprimento do regramento
jurídico do país.
Impende se atentar para a
importância da missão constitucional e legal atribuída ao TCU, que, diante
disso, não tem direito, em hipótese alguma, de deixar de registrar os abusos e
as ilegitimidades cometidos contra as normas pertinentes à execução
orçamentária e financeira, sob pena de prejudicar irreparavelmente a seriedade e
a respeitabilidade das suas independência e competência institucionais.
Na verdade, o governo poderia ter evitado a
descortesia de lançar suspeita sobre a coerência e a lisura quanto à atuação do
TCU, haja vista que isso pode ter o condão de conspirar contra as pretensões da
presidente do país de se evitar o impeachment, porquanto a sua defesa passa a
ser apreciada sob o prisma bem distanciado da compreensão e da harmonia que
devem imperar no âmbito da administração pública, embora as irregularidades não
deixem margem de dúvida acerca da sua gravidade, que poderia ser minorada caso
houvesse algo de humildade por parte do governo.
Ao contrário do que se poderia esperar, para se salvar
dessa terrível enroscada, o governo demonstra truculência na tentativa de
atropelar não somente o bom senso, mas também os salutares princípios de
respeito e dignidade que devem existir entre os poderes da República, à vista
da independência e da harmonia que devem ser observadas, como forma de se
contribuir para a construção de bons relacionamentos no seio da administração pública.
Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 30 de julho de 2015
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