quinta-feira, 30 de julho de 2015

Cadê a cortesia?


Segundo se noticia, um argumento apresentado pela defesa da Advocacia Geral da União, no escandaloso episódio das “pedaladas fiscais”, gerou bastante mal-estar entre ministros do Tribunal de Contas da União e resposta dura do Ministério Público junto à Corte de Contas.
Nos argumentos e seus anexos, a AGU afirmou que a rejeição da contabilidade do governo, que já foi denominada de criativa, viola a “segurança” e a “estabilidade” das "relações jurídicas” no país.
Conforme pessoas ligadas ao TCU, a aludida frase soou muito mal, porque houve comparação do exercício de 2014 com anos anteriores, como se a prática sempre tivesse sido a mesma, e o comportamento da Corte de Contas permissivo com as práticas irregulares.
Um procurador do Ministério Público junto ao TCU respondeu as ousadas alegações do governo, afirmando: “o que  violou a segurança jurídica foram os gravíssimos  descumprimentos da lei orçamentária, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição ocorridos em 2014. A rejeição das contas é o caminho de resgate da confiança nas instituições e da credibilidade do país”.
Na forma da competência constitucional e legal do Ministério Público, os procuradores vão apreciar as questões jurídicas ínsitas na defesa do governo e se manifestar, de forma estratégica, quanto ao cabimento ou não dos argumentos oferecidos contra as “pedaladas fiscais”, lembrando que, na última passagem dos autos pelo citado órgão, o seu parecer foi pela rejeição das contas do governo, ante as graves irregularidades patenteadas nelas.
Há previsão que as contas do governo petista, referentes a ano de 2014, devam ser julgadas em agosto próximo vindouro, tendo como cerne a avaliação sobre a regularidade ou não dos atrasos nas transferências do Tesouro Nacional a bancos públicos para o pagamento de programas sociais, como o Bolsa Família, à vista da possibilidade do ferimento dos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Carta Magna.
É de se estranhar que a Advocacia Geral da União não tenha a dignidade e a competência para defender o governo com argumentos estritamente com fundamentos jurídicos, preferindo apelar para o reconhecimento das irregularidades apenas para igualá-las a outras similares, mesmo que igualmente injustificáveis e inadmissíveis, olvidando que a administração do país não tem direito de menosprezar, em hipótese alguma, o regramento jurídico do país.
Na verdade, não faz parte da cultura dos países desenvolvimentos, a defesa contraditar fazendo uso de descorteses ataques, por não condizerem com os princípios da razoabilidade e da civilidade, notadamente porque não se concebe que agressão verbal tenha o condão de mostrar o descabimento dos fatos nitidamente inquinados de irregulares.
À primeira vista, pode-se inferir que a dura alegação do AGU tenciona destilar intimidação e ameaçar a atuação do TCU, ao lembrar que ele não pode quebrar seu pensamento com relação aos julgamentos precedentes, nos quais ele teria sido menos draconiano, havendo aí crasso equívoco por parte do órgão jurídico do governo, que não deve ter atentado que cada julgamento tem suas peculiaridades, inclusive quanto à composição do plenário, que pode mudar de entendimento, de uma hora para outra, sobre a interpretação quanto á legitimidade dos atos da administração.
Veja-se caso típico do Supremo Tribunal Federal, que, julgando o famigerado mensalão, acabara de enquadrar alguns mensaleiros no crime de formação de quadrilha, mas bastou o governo mandar novo ministro para compor o plenário daquela Corte e, logo em seguida, esse importante desiderato cair por terra e os quadrilheiros ficarem simplesmente isentados da culpa de tão grave crime.
Naquela ocasião, o governo não se insurgiu contra o desiderato final sobre a formação de quadrilha, notadamente porque os beneficiados pela rápida mudança de entendimento da Excelsa Corte de Justiça estavam ao lado dele, que, ao contrário, se tornaram, na concepção petista, verdadeiros heróis nacionais.
Não tem o menor cabimento, porque nem mesmo nas republiquetas isso acontece, o governo tentar justificar as gravíssimas irregularidades, inclusive inobservância de princípios constitucionais, sob o argumento de que casos semelhantes foram praticados no passado, como se erros de outrem servissem de fundamento para respaldar práticas que jamais deveriam ter sido perpetradas pelo governo, eis que a legislação de regência é claríssima, não permitindo que os órgãos de controle e fiscalização sejam condescendentes com os deliberados atos de descumprimento do regramento jurídico do país.
Impende se atentar para a importância da missão constitucional e legal atribuída ao TCU, que, diante disso, não tem direito, em hipótese alguma, de deixar de registrar os abusos e as ilegitimidades cometidos contra as normas pertinentes à execução orçamentária e financeira, sob pena de prejudicar irreparavelmente a seriedade e a respeitabilidade das suas independência e competência institucionais.
Na verdade, o governo poderia ter evitado a descortesia de lançar suspeita sobre a coerência e a lisura quanto à atuação do TCU, haja vista que isso pode ter o condão de conspirar contra as pretensões da presidente do país de se evitar o impeachment, porquanto a sua defesa passa a ser apreciada sob o prisma bem distanciado da compreensão e da harmonia que devem imperar no âmbito da administração pública, embora as irregularidades não deixem margem de dúvida acerca da sua gravidade, que poderia ser minorada caso houvesse algo de humildade por parte do governo.
Ao contrário do que se poderia esperar, para se salvar dessa terrível enroscada, o governo demonstra truculência na tentativa de atropelar não somente o bom senso, mas também os salutares princípios de respeito e dignidade que devem existir entre os poderes da República, à vista da independência e da harmonia que devem ser observadas, como forma de se contribuir para a construção de bons relacionamentos no seio da administração pública. Acorda, Brasil!
 
          ANTONIO ADALMIR FERNANDES
                        
Brasília, em 30 de julho de 2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário