sexta-feira, 17 de março de 2017

Ausência de dignidade

Um político potiguar, que já foi ministro do Turismo e presidente da Câmara dos Deputados, com bagagem de suspeita de envolvimento no esquema criminoso investigado pela Operação Lava-Jato, afirmou tranquilamente, em defesa apresentada à Justiça Federal de Brasília, que, pasmem, terceiros depositaram e movimentaram, em sua conta bancária aberta na Suíça, sem o seu conhecimento, a bagatela de US$ 832.975,98, que corresponde a R$ 2,5 milhões.
O político admite que é sim "beneficiário" da referida conta, ou seja, ele é o titular dela, fato que confirma a suspeita do Ministério Público de que o político é realmente o responsável pela movimentação da conta em apreço.
A força-tarefa da Lava-Jato já sabia, em razão das investigações levadas a efeito por ela, que o dinheiro foi depositado em três datas, entre outubro e dezembro de 2011.
O político disse que utilizou escritório de advocacia do Uruguai para abrir a questionada conta bancária na Suíça, em 2008.
Como se sabe, o político pediu demissão do Ministério do Turismo em junho do ano passado, após ter sido citado no acordo de delação premiada do ex-presidente da Transpetro como beneficiário de propina, tendo se antecipado aos acontecimentos.
Desta feita, o ex-presidente da Câmara foi denunciado pela Procuradoria Geral da República, pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em razão da existência de conta atribuída a ele, na Suíça, sem a devida declaração à Receita Federal, que seria o procedimento correto, na forma da legislação vigente no país.
Com base nas investigações, a Procuradoria Geral da República concluiu que a mencionada quantia tem origem no suborno recebido da empreiteira Carioca Engenharia, como pagamento pelo tráfico de influência na liberação de recursos públicos.
As alegações dos advogados do ex-ministro do Turismo, apresentadas como defesa por conta da denúncia, não passam de artifícios bisonhos e risíveis, ante a infantilidade de que seria absolutamente impossível alguém movimentar livremente conta bancária sem que o titular sequer disso tivesse tomado conhecimento, conforme alegado no recurso, no sentido de que "a utilização indevida da citada conta bancária e os depósitos mencionados jamais foram de conhecimento do acusado".
É evidente que declaração mentirosa, absurda e indecente como essa, dada por homem pública, somente tem o condão de desmoralizar ainda mais o pouco de dignidade que têm os políticos, que não se envergonham e muito menos coram a cara para proferir inverdades, com absoluto fundo de inverossimilhança, a demonstrar a pequenez da mentalidade de muitas pessoas públicas.
É até bem provável que a Justiça não engula muito fácil essa "bem bolada" desculpa, para negar o óbvio que não tem como ser disfarçado, mas certamente ele continuará sendo acreditado por seus fiéis eleitores, por ele já ter sido eleito por dez vezes para o mesmo cargo de deputado federal, certamente sempre empregando junto a seus eleitores argumentos deturpados semelhantes aos agora oferecidos à Justiça, em sua defesa em processo de pura fraude de conduta como homem público.
Na verdade, a justificativa apresentada agora como linha de defesa somente confirma o nível do caráter de muitos políticos tupiniquins, que não assumem suas falhas e seus deslizes, porque eles imaginam que são poderosos e estão acima quaisquer suspeitas, podendo enganar a ingenuidade dos brasileiros, que já se acostumaram a ser passados para trás por aqueles que são escolhidos para representar o povo com, pelo menos, o mínimo de dignidade, mas o que se verifica cada vez mais é a prática da torpeza e da indignidade com a finalidade de encobertar as falcatruas e as ilicitudes no exercício de atividades públicas.  
A Justiça precisa cumprir, com o máximo de zelo e integridade, sua missão institucional de coibir os abusos que são cometidos exatamente por aqueles que têm o dever moral e legal de evitá-los, julgando com imparcialidade e firmeza os homens públicos descaracterizados dos princípios da ética, moralidade, dignidade e demais condutas que devem imperar nas atividades públicas, como forma de dar exemplo disciplinar àqueles que ainda desprezam o decoro público. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 17 de março de 2017

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