quarta-feira, 22 de março de 2017

Sugestões estapafúrdias

Um ministro do Supremo Tribunal Federal, em duro discurso contra a divulgação de conteúdos sigilosos, voltou a defender a anulação pela Justiça de materiais e depoimentos que foram vazados de inquéritos, tendo criticado, em especial, o vazamento por parte de autoridades públicas, a exemplo da Procuradoria Geral da República, um dos integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato.
O ministro disse que “A divulgação de informações sob segredo de Justiça parece ser a regra e não exceção. Não há nenhuma dúvida de que aqui está narrado um crime. A Procuradoria não está acima da lei. E é grande a nossa responsabilidade, sob pena de transformarmos este tribunal num fantoche. Um fantoche da Procuradoria da República. É preciso tratar o Supremo, Doutora Ella (representante da PGR no julgamento), com mais respeito”.
Ele foi enfático, ao dizer, em tom bastante crítico, que “Eu mesmo me manifestei publicamente sobre este lamentável fenômeno em mais de uma oportunidade. Cheguei a propor no final do ano passado o descarte de material vazado, uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente. E acho que nós deveríamos considerar este aspecto”.
O ministro aproveitou o ensejo para criticar o uso de “offs coletivos” – quando informações são passadas, sob a condição de anonimato, a um grupo de repórteres que se comprometem a manter protegida a fonte da informação -, tendo dito que “É importante destacar a fonte da denúncia. A imprensa parece acomodada com este acordo de traslado de informações. Pouca relevância dá ao fato inescapável de que, quando praticado por funcionário público, vazamento é crime. Os procuradores certamente não desconhecem”.
Outro ministro do Supremo endossou as severas críticas de seu par, ressaltando que “Realmente, temos que refletir sobre isso, eminente relator. Temos o cuidado, nas diligências, em determinar, sob pena de nulidade, que o sigilo seja respeitado”.
Até possa, um ou outro caso, ficar sob segredo de Justiça, mas não há a menor justificativa para praticamente se tornar sigiloso todo assunto que não possa ser divulgado, em se tratando que normalmente o crime de que se trata é contra a sociedade e ela precisa conhecer os fatos mediante os quais foi agredida, ou seja, salvo pequenas exceções, tudo na Justiça precisa ser transparente, posta às claras, porque não faz sentido que o criminoso tenha preservado seu histórico de maldades e a verdade, nesses casos, precisa ser ostensiva, em conformidade com a Lei da Informação no serviço público, que obriga a transparência dos atos da administração.
Certamente que uma criancinha, ainda sem cérebro formado, ou mesmo pessoa sem qualquer experiência no mundo jurídico vão entender perfeitamente que essa ideia mirabolante e absurda vinda da relevância do conhecimento e da responsabilidade de defender os princípios insculpidos na Carta Magna, de se anular as provas de crime somente porque houve vazamento de informação não condiz com os princípios da racionalidade e do bom sendo, por não haver o mínimo de consistência jurídica nisso e somente tem o condão de beneficiar o infrator, que tudo faria para que as provas contra seu crime sejam indevidamente divulgadas.
Possivelmente nem mesmo nas cabeças dos ideólogos das piores republiquetas, onde os magistrados de lá, incumbidos de defender a consistência do ordenamento jurídico do país, seriam incapazes de defender questão tão polêmica quanto estapafúrdia como essa, que teria o condão tão somente de beneficiar o criminoso, comprovadamente, por causa de outro crime que não diz respeito à delinquência de que se trata, diante, inclusive, da possibilidade de ter sido praticado justamente com a deliberada intenção de anular as provas.
É razoável, isto sim, que aquele que tenha participado da ilegal quebra do sigilo seja devido e exemplarmente punido, porque ele agiu e contribuiu conscientemente, mesmo conhecedor da ilegalidade, para a divulgação de informações sob a guarda da Justiça e isso merece ser apurado, para o fim de identificar o nome do culpado, que precisa responder por seu crime, que não tem qualquer vinculação com os ilícitos objeto dos fatos tornados públicos, cujos autores também devem responder por eles, na forma da lei, independentemente da sua ilegal divulgação, porque isso apenas se refere ao aspecto burocrático da questão, sem qualquer reflexo nos assuntos infracionais propriamente, com autoria e identificação dos culpados.
É absolutamente incompreensível que jurista de renome e da autoridade de ministro do Supremo Tribunal Federal não perceba que a delicadeza do momento brasileiro, diante de tantas irregularidades, roubalheiras, corrupções, criminalidades potencializadas, que exigem medidas inteligentes e capazes de contribuir para a aplicação de duras penalidades, com vistas à tão ansiada moralização do país, não combina senão com sugestões que tenham como finalidade exatamente o combate à alarmante criminalidade.
A forma absolutamente inconveniente da destemperada crítica do ministro do Supremo aos procuradores, sem ter apresentado prova sobre a autoria dos questionados vazamentos, constitui quebra de decoro ínsita de integrante da mais alta Corte de Justiça do país, em razão de incitação à continuidade da impunidade e à esculhambação no sistema jurídico do país, que, ao contrário, precisa de sugestões que possam contribuir para a firmeza e a consolidação de medidas de combate à delinquência.  
Pensamento em direção contrária disso certamente não tem o respaldo da sociedade, que anseia exatamente com a adoção de medidas no sentido de mostrar, de vez, que o país precisa urgentemente de limpeza e de expurgo de tudo que é ruim e foi e é capaz de destruir a dignidade dos brasileiros e que esse divisor de águas, passando a se cuidar da criação de bons pensamentos e boas ideias, parta exatamente dos brasileiros que têm responsabilidade cívica e amor à pátria, que se encontra maltratada e patinando no lamaçal das irregularidades graças às ideias e sugestões contrárias às assepsias indispensáveis à moralização do país. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 22 de março de 2017

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