sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

A apatia do presidente

 

Desde a proclamação do resultado das eleições, os apoiadores do presidente da República esperam o aparecimento triunfante e energético de quem sempre foi capaz de mobilizar e atrair as atenções com declarações inflamadas de esperanças, motivadas pelo otimismo quanto aos objetivos pretendidos de sucesso no seu governo.

Não obstante, diante da vitória da oposição, anunciada pelo Superior Tribunal Eleitoral, com a possibilidade do retorno ao poder da esquerda, o presidente do país se mostra criatura em estado de transe, em verdadeira apatia de extrema preocupação, precisamente porque, na reta final do governo, ele evidencia distanciado dos fatos políticos e administrativos, como se já tivesse jogado a toalha e abandonado todos os seus objetivos pessoais, dando a entender que realmente teria chegado ao fim da linha, tamanho tem sido o seu momento de indefinição política, que apenas se lamenta pelos cantos e tem dito palavras ao vento, sem nexo algum, cujo comportamento tem sido motivo de preocupação, exatamente por destoar da pessoa altruísta, com enorme capacidade de liderança que se mostra diluída aos cantos do Palácio da Alvorada.

Essa assertiva se comprova com a falta de apetite para o trabalho que, a partir do último turno das eleições, o presidente do país pouco se interessa pelas atividades presidenciais, contabilizando pouco mais de uma hora de trabalho por dia, conforme mostra a sua agenda oficial.

A maior evidência do seu desânimo se comprova nas raras aparições públicas, em que há sinais de instabilidade, quando se mostra praticamente alheio à gravidade do momento político.

O semblante de tristeza do presidente do país fica claro com a sua reclusão à residência oficial, preferindo ficar isolado, às portas fechadas no Palácio do Alvorada, em que ele se esconde atrás dos próprios pensamentos e dá sinais de poucos amigos às pessoas que ainda o visitam.

Em que pese esse estado de visível apatia, o presidente do país sinaliza sobre possível flerte ao golpismo, por  acreditar em reviravolta milagrosa que lhe renda a permanência no poder, mas ainda não há nada consubstanciado nessa direção, salvo se tudo estiver sendo urdido na absoluta surdina.

A verdade é que o choque de realidade já chegou à sua presença, ao perceber que a base de apoio político já vem negociando cargos no novo governo, enquanto aliados que se elegeram usando o seu prestígio, a exemplo do vice-presidente e o governador eleito de São Paulo ganharam nova estatura política e abandonam as trincheiras comandas por ele.

Os devaneios aparecem visíveis, como na forma do tom enigmático do presidente do país, em que ele repetiu que é a população quem decide “para onde vão as Forças Armadas. Eu me responsabilizo pelos meus erros, mas peço a vocês: não critiquem sem ter certeza absoluta do que está acontecendo”, ou seja, tratam de frases enigmáticas jogados ao vento, por que sem nenhuma objetividade.  

Na verdade, a paralisia do presidente do país contribui para aumentar e aprofundar a irritação de apoiadores dele, que fazem ataques ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Congresso Nacional, certamente na esperança de que alguma medida intervencionista seja adotada por ele, com a finalidade de reverter o traumático resultado das urnas.  

Um parlamentar da intimidade dele chegou a criticá-lo pela falta de atitude, ao afirmar, in verbis: “O silêncio do presidente chega a beirar uma covardia. Serei chamado de traidor pelos que acham que Bolsonaro vai agir, e eu, olhando na sua câmera, digo: não vai. Não se iludam. Saiam das portas dos quartéis, vocês serão presos e não haverá ninguém que os defenda”.

A verdade é que o distanciamento da realidade pelo presidente do país, por ter se trancado e pondo ao distanciamento até mesmo para antigos e íntimos frequentadores do Palácio do Alvorada, vem causando enorme decepção para seus fiéis apoiadores.

As pessoas que estão na rua fazendo as manifestações esperam, há algum bom tempo, muito ávidas, pela adoção de medidas realmente enérgicas e expressivas, como forma a corresponder ao sentimento do líder sempre combativo aos desmandos e à desorganização na vida pública, como ele sempre demonstrou, com relação às atitudes erráticas dos outros poderes da República, quanto mais no que se refere ao resultado das urnas, diante das fortes suspeitas de irregularidades capazes de causar enormes prejuízos à reeleição dele.  

É compreensível que o presidente do país nunca tivesse experimentado derrota na vida pública, mas isso faz parte do jogo, cuja situação precisa ser enfrentada com a cabeça erguida em demonstração de que o combatente nunca se dá por vencido, mesmo que os planos estratégicos não tenham sido alcançados na forma como objetivados e pretendidos, sobrelevando-se as questões imponderáveis, que podem também acontecer.

Em qualquer disputa, há o ditado que diz que o campeão também se mostra impoluto diante da derrota, exatamente porque a moeda tem duas faces e somente uma delas se expõe, que é o lado vitorioso, mesmo que possa haver suspeita de fraudes, que devem ser motivo de luta para a continuidade das atividades inerentes aos objetivos políticos.

A verdade é que não se pode desprezar as dores do presidente da República, porque isso é mais do que natural, em se tratando de ser humano, mas há importante ingrediente que não ficou ainda esclarecido, que diz com a avalanche de revelações, verdadeiras ou não, dando conta da possiblidade de irregularidades no processamento da votação e isso não pode ficar no esquecimento, uma vez que a legislação brasileira garante a transparência dos atos da administração pública, ex-vi do disposto no art. 37 da Lei Maior do país.

Como ficar calado diante da falta de esclarecimentos e aceitar absurdo como esse em silêncio, como se isso fosse normal em país que transpira, a luz da Constituição, os ares da pura democracia, onde o certo é mostrar a regularidade do funcionamento dos instrumentos eleitorais, de modo que não restem quaisquer dúvidas sobre nada e que o vitorioso tenha o devido respaldo da legitimidade dos procedimentos adotados como válidos, em consonância com os princípios democráticos e civilizados.

Convém que o presidente do país desperte do transe e da apatia que o dominam, até mesmo por sentimento pessoal justificável, mas o verdadeiro estadista precisa se superar diante de seus apoiadores, à vista do vínculo de lealdade recíproco que foi construído ao longa da sua história política e principalmente porque a vida pública não tem como se encerrar por causa de eleição que exige muitos esclarecimentos por parte da Justiça eleitoral, conforme os fatos suspeitos veiculados pela mídia.

O certo é que, como estadista, não há justificativa para o silêncio do presidente do país, porque ele tem a obrigação funcional de exercer as atividades presidenciais normais, em sintonia com a cartilha inerente ao cargo, pouco importando os antagonismos próprios decorrentes do seu exercício.

Por fim, fala-se que o presidente estaria preparando medidas destinadas a obrigar a recontagem dos votos, com vistas aos devidos esclarecimentos sobre a regularidade da votação, mas nada passa de pura especulação, uma vez que cada minuto a menos do governo dele somente conspira contra a busca dos acertos desejados, o que vale dizer que medidas nesse sentido já deveriam ter sido adotadas bem antes do término do seu mandato.

Os brasileiros esperam que o presidente da República amadureça bastante as consequências das possíveis medidas a serem adotadas, ainda no seu governo, de modo que elas sejam realmente em consonância com os objetivos que satisfaçam aos interesse da sociedade.


Brasília, em 23 de dezembro de 2022

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