sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Apenas pesadelo

 

É do conhecimento popular que a Justiça não socorre aos que dormem.

Sob esse prisma, parece ficar pacificado, em princípio, que somente quem apela à Justiça pode vir a ser socorrido às suas legítimas causas.

Em harmonia com essa regra básica, todos os envolvidos em corrupção, em especial, os criminosos de colarinho branco, que foram condenados pela Justiça, em razão das suas atitudes delituosas contra o erário, recorrem reiteradamente aos juízes e tribunais, com a finalidade de se livrarem das penalidades e isso é fato.

Na atualidade, também não constitui surpresa para a sociedade de bem o fato de que a maioria destes bem arranjados delinquentes da elite política conseguirem, com facilidade, que as suas sentenças sejam revistas ou anuladas, normalmente por força de novas e inteligentes interpretações jurídicas ou simplesmente empurradas para pautas que nunca serão agendadas, perdendo objeto as ações penais, evidentemente em prejuízo da sociedade.

A verdade é que, em face da sua capacidade de recursos financeiros, esses criminosos passam a usufruir, exatamente no exercício de importantes cargos públicos, depois das experiências das delícias e oportunidades do poder, conseguindo bancar, sem sacrifício, os varíssimos  e estrelados escritórios de advocacia, muitos dos quais especializados em porta de cadeia, sempre dispostos a livrar gente poderosa das malhas da Justiça, não importando, evidentemente, a origem dos recursos para o pagamento dos honorários pomposos.

Para esses importantes personagens, que sempre tiveram acesso direto ou indireto aos cofres públicos, sempre há o beneplácito e a compreensão dos tribunais superiores, conquanto, para os brasileiros normais, a aplicação normal da lei, conforme está prescrito nos códigos penais.

Essa característica, bastante peculiar na Justiça brasileira, em que a balança e o equilíbrio das partes há muito têm inclinação para a parte mais abonada, em que, muito dificilmente, o criminoso de colarinho branco seja colocado efetivamente na prisão, conforme mostram os fatos dos tribunais.

Conforme a própria evolução da humanidade, seria normal que o Brasil pudesse estar junto ao primeiro mundo, no que se refere à efetividade e à igualdade perante a Justiça, mas essa realidade ainda está distante.

A verdade é que, pelo visto, o caminho ainda é muito longo e tortuoso a ser percorrido para se conseguir a tão sonhada igualdade, em que ninguém possa ser visto com privilégios, apenas porque tem dinheiro e poder do que os outros, conforme indica a realidade dos tribunais.

A maior dificuldade para a moralização do Brasil já começa no Parlamento, que consegue aprovar, pasmem, normas jurídicas amoldadas às conveniências dos congressistas, a exemplo da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/21), que recentemente foi aperfeiçoada para o atendimento dos interesses deles, por ter sido elaborada sob medida para servir àqueles que sempre se locupletaram com o dinheiro dos contribuintes.  

O termo improbidade, na administração pública, passou a ser palavrão abominável, em especial no meio político, tendo sido banido do seu dicionário exatamente porque ele caiu em desuso, por falta de serventia à causa pública.

Na nova versão da aludida lei, feita bem ao gosto dos criminosos de colarinho branco, fica visível o esdrúxulo jeitinho da prescrição das ações penais, que, de quebra, vem com a possibilidade da descondenação de muitos políticos já julgados, pela prática do crime de improbidade administrativa, com a promoção de benefício contando com a retroatividade da lei, que é algo contrário ao princípio jurídico, mas perfeitamente possível na vergonhosa República tupiniquim.

Todas as manobras engendradas na referida lei permitem a limpeza dos currículos de muitos políticos, que podem voltar ao cenário político, com o mesmo despudor de sempre, mas com a “ficha limpa”, garantida pela lei feita com o propósito abonador de falcatruas.

Essa é a triste realidade do Brasil, em que a Justiça socorre quem tem dinheiro e a lei ajuda a emporcalhar cada vez mais a grossa sujeira dos bastidores da política.

Enfim, aos brasileiros que dormem perante a Justiça, por força da escassez de recursos financeiros, a única alternativa é permanecer dormindo e sonhando que essa triste realidade deixe de ser pesadelo que tanto penaliza a sociedade.    


Brasília, em 9 de dezembro de 2022

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