sábado, 24 de dezembro de 2022

A rejeição

 

O Superior Tribunal Militar houve por bem negar provimento a ação impetrada contra um ministro do Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que ele, na qualidade de presidente Tribunal Superior Eleitoral, estaria incurso no crime de abuso de autoridade.

Consta do aludido recurso que o impetrante pleiteava habeas corpus em favor do presidente da República e do ministro da Defesa, precisamente contra o mencionado ministro, com base no argumento de que ele “teria cometido abuso de autoridade ao cercear o acesso a códigos-fonte do SEV (Sistema Eletrônico de Votação)”.

Na decisão denegatória, o Tribunal militar esclarece que não foi possível ser analisado o mérito da demanda, em razão de que o “pedido veiculado na presente ação constitucional não compõe a competência do Superior Tribunal Militar”.

Aquele tribunal informou que “Está cristalino que o pedido veiculado na presente ação constitucional não compõe a competência do STM, nos termos da Constituição e das leis vigentes, o que impede o conhecimento da liminar pleiteada. Diante do exposto, não conheço do pedido liminar formulado pelo Impetrante, por se tratar de matéria estranha à competência do STM”.

O recurso em tela denuncia que as Forças Armadas não tiveram acesso ao código-fonte das urnas e o mencionado ministro teria sido autor de crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, motivos pelos quais ele teria praticado medida atentatória contra a Constituição Federal e os direitos humanos.

Segundo os termos do recurso em apreço, o citado ministro teria praticado atos que configuram abuso de autoridade, em especial, ao impedir o acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas, fato este que caracteriza crime de desrespeito a dispositivos da Constituição Federal e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto à liberdade de expressão.

Na verdade, o ministro acusado de abuso de autoridade comete, sem a menor dúvida, o gravíssimo crime de desídia funcional, ao ignorar o disposto no art. 37 da Constituição, que obriga a publicidade dos atos da administração pública, onde ali prevê que “A administração pública (...) obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, (...)”.

É evidente que o recurso não teria o menor cabimento, à luz da competência privativa do Superior Tribunal Militar, segundo o disposto no art. 124 da Constituição, que diz, ipsis litteris: “À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”.

Como visto, sob o prisma da inteligência jurídica, seria o maior absurdo o Tribunal militar se imiscuir em assunto que não diz respeito à sua competência privativa, nos termos constitucionais, uma vez que que há o envolvimento das Forças Armadas, mas apenas como interessadas na obtenção de elementos eleitorais.

No caso, poderia haver a tentativa da extensão forçada sobre possível interpretação jurídica ajustada à Lei de Segurança Nacional, que mesmo assim estaria funcionando em usurpação da competência que é própria do Supremo Tribunal Federal.

Ou seja, caso a Justiça militar tivesse examinado o caso em lide, ainda caberia a decisão final, por força de recursos, por parte da Excelsa Corte de Justiça do país, a quem cabe bater o martele sobre as questões envolvendo os seus integrantes, mesmo que ele esteja presidindo a Tribunal eleitoral.

Embora o recurso em causa tenha sido direcionado a tribunal sem a devida competência constitucional para examiná-lo, a matéria objeto do questionamento tem plena pertinência, considerando que está mais do que caracterizada a conduta delituosa da autoridade pública em desrespeito às normas que regem o serviço público.

Trata-se, no caso, da obrigatoriedade da publicidade dos atos da administração, que significa a transparência em se permitir acesso às informações pertinentes aos atos praticados pelo agente público, como no caso do presidente do Superior Tribunal Eleitoral.

Essa autoridade tem o dever de disponibilizar à sociedade em geral os elementos e os mecanismos necessários à checagem sobre a regularidade quanto à votação levada a efeito nas últimas eleições, em especial tendo-se em conta a enxurrada de denúncias acerca de suspeitas de irregularidades em procedimentos referentes à operacionalização das urnas eletrônicas, cujos questionamentos precisam ser esclarecidos antes mesmo da posse dos eleitos, para que não restem dúvidas quanto à regularidade do processo eleitoral.

Ante o exposto, convém que os assuntos questionados à Justiça militar sejam, em caráter de urgência, impetrados, com os mesmos objetivos, na via judiciária apropriada, para que possam ser dirimidas as dúvidas suscitadas em casos suspeitos de irregularidades, à luz da legislação de regência.        

Brasília, em 24 de dezembro de 2022

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