terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Tênue democracia?

 

Os fatos estão evidenciando a nítida degeneração do sistema judiciário brasileiro, diante decisões e procedimentos próprios do estado de exceção, sob o comando do poder de quem se espera apenas a confirmação da segurança jurídica, à vista de medidas arbitrárias e da falta da efetividade de outras visivelmente necessárias, em evidente mudança das regras do jogo, conforme mostram os fatos da vida pública, em destaque o desempenho da Justiça eleitoral.

Na administração pública, inclusive com aplicação obrigatória no Poder Judiciário, aplicam-se os princípios insculpidos no art. 37 da Constituição, que estabelece: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (...).”.

Há de se ressaltar que a observância desse importante dispositivo é de natureza cogente para a administração pública, cuja dissonância dele constitui o arbítrio e a exceção à regra, que tem sido o caso de medidas adotadas, com destaque, pelo Tribunal eleitoral, quando deixa de dar publicidade ou transparência aos seus atos, em especial, no sentido de negar a entrega do código fonte para quem se interessar a fiscalizar a lisura das últimas eleições, no que diz respeito à falta de explicações para pletora quantidade de questionamentos sobre procedimentos relacionados com a votação e o funcionamento das urnas eletrônicas.  

          Além de outras medidas, como a que foi decidido pela antecipação, a pedido do candidato eleito, da data da sua diplomação, com o pleno apoio dos seus parceiros no sistema STF/TSE, o que vale dizer que, antes mesmo de assumir o cargo, as regras vão sendo alteradas.

Na verdade, a aludida antecipação é apenas a materialização natural do processo de degeneração que se permitiu à Justiça eleitoral, em que esse órgão passou a se encarregar diretamente dos interesses do candidato eleito, quando o declarou vencedor, a despeito da diversidade de demandas questionando possíveis irregularidades nos procedimentos de votação, que até possam estar absolutamente regular, mas não basta o próprio órgão descartar as suspeitas de desvios procedimentais, sem se permitir a devida checagem por terceiros, mediante fiscalização no código fonte e nos demais mecanismos passíveis de falhas, tendo por finalidade justamente se permitir a confirmação da garantia de regularidade da votação.

É preciso se reconhecer que a degeneração do sistema vigente começou mesmo com a falência múltipla dos princípios republicano e democrático, a partir da anulação, pelo Supremo, da norma que determinava o cumprimento de pena de prisão para réus condenados em segunda instância, casos padronizados e em vigência em todos os países sérios, evoluídos e civilizados, com relação aos processos penais, que enquadrava o candidato eleito, fato que mostra que se tratava de medida de exceção, feita sob encomenda e justamente implementada por órgão contra quem não cabe recurso.

O Supremo simplesmente assim decidiu, com respaldo apenas na sua soberana interpretação, uma vez que inexiste lei para se permitir tamanha magnanimidade para com criminosos condenados, tendo o entendimento no sentido de que a pena de prisão para condenados em segunda instância não valia mais e não se discute mais o tema.

Esse foi o primeiro passo para a liberdade do candidato eleito, permitindo a sua volta à Presidência da República, segundo o Tribunal eleitoral, mesmo ele sendo autêntico ficha suja, por ter histórico de responder a vários processos penais na Justiça, por conta de suspeita da prática de atos de corrupção, na gestão pública.

Depois veio o caminho livre, palmilhado com a excepcional anulação das quatro ações penais contra o político, inclusive no que se referem às suas condenações à prisão, pela constatação dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, sob o fajuto argumento de erro quanto à verdadeira jurisdição da Justiça para julgá-lo, que representou verdadeiro artificialismo jurídico-processual, em forma magistral da declinação da moralidade ínsita da magistratura, ao mostrar abusivo desmazelo no cumprimento das verdadeiras normas processuais e jurídicas, próprias das violações corriqueiras atribuídas ao Supremo, que pode julgar, de forma monocrática, com ordens para prisão, censura e perdas das liberdades de expressão.

Com isso, sem condenação em segunda instância da Justiça, mesmo sendo autêntico ficha suja, pelo monte de processos penais sobre os seus ombros, o político ficou livre para se candidatar a cargo público, embora tendo vida pública completamente maculada por envolvimento em atos de corrupção, que são incompatíveis com atividades políticas e exercício de funções públicas.

O que se viu na campanha eleitoral foi que o Tribunal eleitoral participou ativamente não somente como juiz, mas, em especial, como aliado aberto e transparente do político, tanto que o resultado da votação vem sendo questionado quanto à falta de licitude e limpeza de procedimentos, cujas contestações têm sido permanentes sobre gravíssimas irregularidades, que são totalmente ignoradas por esse órgão, que despreza os princípios da legalidade, da transparência e do respeito ao ordenamento jurídico, que obrigam a prestação de informações, esclarecimentos e justificativas sobre os questionamentos acerca dos atos da administração pública.

O certo mesmo é que nem o Supremo Tribunal Federal e muito menos o Tribunal Superior Eleitoral não admitem nenhum questionamento acerca de absolutamente nada, sob o entendimento de que tudo que esses órgãos decidem estão sob o pálio da transparência e da regularidade e ainda aproveitam para punir os que ousam reclamar sobre irregularidades praticadas por eles, que também não concordam em investigá-las.

À luz dos fatos, a cara do Justiça brasileira, na atualidade, tem os ares de proibição e censura, mesmo que a Constituição seja cristalina em se permitir protestar, abolição da censura e abundância da livre expressão, mas a corte supremo considera normal o totalitarismo por ela instituído, ao proibir, pasmem, até manifestações públicas para protestar contra o processo eleitoral, além do controle rigoroso das redes sociais, que estão sob vigilante censura.

Todo esse quadro desolador contra os princípios de civismo e cidadania mostra que a democracia brasileira se encontra em momento gravíssimo, sob tênue padronização de qualidade, precisamente diante da descontrolada obsessão ínsita da Poder Judiciário em deliberada afronta aos princípios democráticos e constitucionais, conforme mostram os fatos da vida.

Brasília, em 6 de dezembro de 2022

Nenhum comentário:

Postar um comentário