domingo, 28 de julho de 2024

Excrescência

 

O Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal de Minas Gerais considerou irregular o aumento de 300% concedido às remunerações do governador, do vice-governador e dos secretários estaduais, ainda no ano passado, por entender que o ato pertinente descumpre as regras previstas no programa de renegociação da dívida dos estados com a União.

 Os representantes do Ministério da Fazenda e do Tribunal de Contas da União consideraram que o governador descumpriu a proibição de conceder "aumento, reajuste ou adequação de remuneração", enquanto o representante do governo mineiro se absteve.

A lei que trata do Regime de Recuperação Fiscal estabelece como exceção a concessão de recomposição salarial para corrigir perdas inflacionárias.

Importa frisar que a inflação foi de 6,34% e 4,62%, respectivamente nos anos de 2022 e 2023, mas, por meio da lei sancionada em maio do ano passado, o reajuste salarial foi muito além dos índices oficiais, como visto, extrapolando em muito o critério de racionalidade, em nada mais, nada menos, em 300%.

Em resposta a questionamento em ação que tramita na corte maior do país, o mencionado governador tentou justificar o seu ato, ao alegar que a medida era necessária, para se corrigir algo que ele considera inconstitucional, ou seja, o seu salário deveria servir como teto do funcionalismo mineiro, mas havia servidores que ganhavam mais do que o governador.

Aqui, diante da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, também era necessário observar os termo, mesmo que tivessem outras prioridades, de vem que não se pode quebrar as regras pactuadas, unilateralmente, ainda mais em circunstâncias que não encontra justificativa, à vista da criação de despesas extraordinárias e absurdas.

Não obstante, conspira contra a medida adotada pelo governador, que ainda tentou justificar o mal-estar diante desse infeliz episódio, ao afirmar que, antes do questionado aumento, a sua remuneração era de apenas exatos R$ 10,5 mil, valor que não era reajustado desde 2007.

Acontece que o principal problema de Minas Gerais é a extraordinária  dívida do valor de R$ 164 bilhões com o Tesouro Nacional, cujas parcelas referentes ao débito não estão sendo pagas, por força de decisão judicial, desde o final de 2018.

Inicialmente, o governador defendia, a todo custo, a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, que permite a renegociação da dívida do Estado em troca de medidas destinadas à contenção referente a aumentos das despesas públicas.

Com dificuldades para convencer os deputados estaduais, o governador conseguiu, junto à corte maior do país, autorização para usufruir os benefícios do programa em causa, especificamente no que diz respeito ao refinanciamento da dívida do Estado, desde que ele cumprisse as contrapartidas obrigatórias, entre elas, não concessão de aumentos acima da inflação.

Diante desse imbróglio, o governo de Minas Gerais tentou justificar que o reajuste de 300% para o governador e a cúpula do governo mineiro não modifica a situação atual, uma vez que, "Por orientação do próprio Conselho de Supervisão, o reajuste indicado foi devidamente ressalvado no Plano de Recuperação revisado. Dessa forma, não coloca em risco a permanência no RRF nem o processo de homologação da adesão ao regime".

Não obstante, o Ministério da Fazenda tem entendimento contrário, tendo afirmado que o questionado aumento pode, sim, ser empecilho para homologar a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal.

À toda evidência, está muito flagrante que o aumento absurdo de 300% não se compadece com os termos previstos no Regime de Recuperação Fiscal, que estabelece a necessidade de contenção de gastos, principalmente como essa excrescência de majoração salarial, mesmo que os salários envolvidos estivessem defasados, como realmente estavam, mas é preciso respeitar as regras firmadas no acordo.

É importante frisar que está em jogo o interesse maior do Estado, enquanto a remuneração salarial tem repercussão em situação personalista, que não pode interferir nem prejudicar as medidas destinadas à recuperação financeira do Estado.

Ou seja, caso o governador tivesse o mínimo de racionalidade, essa questão de reajuste salarial deveria ter sido ressaltada no acordo negociado com vistas à recuperação financeira do Estado, fato que, não o fazendo, é evidente que o aumento somente poderia ser feito nos moldes e nos limites dos índices oficiais, não cabendo qualquer interpretação para excepcionar o vergonhoso e imoral reajuste de 300%, porque isso é visivelmente inconcebível com o acordo ajustado, à luz dos termos do Regime de Recuperação Fiscal, que precisam ser respeitados, para o bem das finanças do Estado.

Independentemente do regime especial de recuperação financeira do Estado, não tem como justificar aumento salarial escandaloso como esse de 300%, porque isso tem o condão de denunciar as escancaradas insensibilidade e irresponsabilidade perante o erário, que merece respeito, em termos de cuidado com o princípio da economicidade.

É evidente que é preciso se atentar para a valorização salarial dos servidores, em especial, no que diz com a remuneração compatível com a capacidade empreendedora deles, mas não tem como justificar disparatado reajuste de uma vez só, porque isso só expõe a imagem do governante, que mostra desprezo à austeridade orçamentária. 

Em que pese a defasagem salarial da cúpula dos servidores do Estado de Minas Gerais, o governador jamais poderia ignorar tão rudemente os termos fundamentais ajustados no Regime de Recuperação Fiscal, que nem prevê aumentos salariais.

Brasília, em 27 de julho de 2024

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