Ainda como presidente do país,
tratando, em reunião com auxiliares, de questão de interesse do filho envolvido
com questões alusivas a “rachadinhas”, que buscavam estratégias para livrá-lo do
inquérito, que caminhava a passos largos, externou seu receio de eventual
gravação das artimanhas que ele e seus assessores procuravam lançar para desorientação
das investigações.
Na ocasião, cuja reunião foi ocorrida
em agosto de 2020, o então mandatário jamais sabia que estava sendo gravado e
muito menos que o áudio em causa seria acessado logo por sua algoz, a Polícia
Federal, no celular de um de seus principais aliados, o então chefe da Abin,
motivo de alvoroço nos dias atuais.
Ele disse que sabia sobre a
possibilidade de gravação ambiental logo após sugerir "conversas" com
o então secretário da Receita Federal, tendo recebido sugestão de manter sob
sigilo as conversas havidas, com o que ele concorda, à vista dessa declaração:
"Tá certo. E deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando
alguma coisa, que não estamos procurando favorecimento de ninguém.".
Embora contraditório, posto que se
discutia “estratégia” para influenciar no inquérito envolvendo um filho do
presidente do país, o assessor e advogado do pai, aqui trabalhando para o
filho, entendeu de defender o mandatário, ao afirmar a conversa "só
reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo", por ter pinçado
precisamente o trecho do áudio em que o presidente disse que “não estaria
procurando o favorecimento de ninguém.”.
Agora, o ex-chefe da Abin disse
que o presidente sabia que estava sendo gravado e que havia o aval dele,
conforme essa afirmação: "Essa gravação não foi clandestina. O
presidente sempre se manifestou que não queria jeitinho. Muito menos tráfico de
influência.".
O certo é que, em que pese o
então presidente ter se esforçado para mostrar isenção nesse caso, uma gravação
de vídeo desmente tudo, quando ele questionou a defesa do filho, nestes termos:
"Vocês querem falar com quem amanhã? Canuto?", no que a
advogada do filho responde: "O senhor que determina". Então presidente
sentencia: "A quem interessa pra gente resolver esse assunto? Eu
falo com o Canuto. Agora isso aí eu falo com o Flávio então. Qualquer hora do
dia amanhã. Ninguém gosta de tráfico de influência", dando a entender
que ele estaria, sim, se metendo em assunto de interesse do filho e procurando
alternativa para ajudá-lo, conforme a ilação que se pode fazer com base no que
foi discutido nesse reunião.
Não obstante, a advogada do filho,
demonstrando preocupação com o vazamento da operação ali planejada, conforme o
vídeo, sentencia: "Que tudo que a gente tá falando (inaudível) que
eu não quero meu nome no jornal".
O fato de não querer o nome no
jornal pode indicar que o assunto tratado não é próprio do cargo presidencial,
em que pese envolver filho do mandatário, o que aconselharia que o assunto
fosse tratado a distância do Palácio do Planalto, por questão de ética e
respeito à decência no exercício do principal cargo público do país.
A gravação mostra ainda que a
defesa do filho queria que a “manobra” ali engendrada – com foco nos auditores
da receita que enquadraram o filho - não beneficiasse somente este, à vista da mensagem
a seguir.
"A grande questão é
quando falar o seguinte. Ah, que o presidente da República está querendo se
utilizar da estrutura da presidência para defender o filho, só que esse caso
aqui, isso que a gente descobriu. Pode beneficiar, de uma forma ou de outra,
todas as pessoas que foram atacadas. Então não dá para dizer que é uma coisa
partidária, ideológica. Então com isso a gente consegue anular a Furna da Onça
de um modo geral".
Essas afirmações têm o condão de
confirmar o uso da máquina pública e principalmente do próprio presidente do
país, quando a advogada do filho diz que “o presidente da República está
querendo se utilizar da estrutura da presidência para defender o filho,”,
caso em que fica patente que foi utilizada a estrutura do Estado para a defesa
de assunto de interesse visivelmente particular, caracterizando claro desvio da
finalidade pública, com infringência das normas jurídicas aplicáveis à ética
republicana.
As conversas gravadas na reunião entre
o então presidente do país com a advogada de um dos filhos dele e assessores
palacianos são extremamente comprometedoras, por colocá-lo no epicentro de
discussões totalmente estranhas ao interesse do governo e do Estado, mostrando
com bastante clareza que ele se imiscuiu indevidamente em assuntos de interesse
pessoal do filho, que devia ter o escrúpulo de cuidar pessoalmente das questões
que diziam respeito exclusivamente a ele, totalmente estranho às funções presidenciais.
Em que pesem os cuidados para não
parecer que o presidente do país estivesse tratando de matéria de interesse do
filho, as conversas gravadas conspiram em denúncia substancial sobre o
envolvimento direto dele onde jamais deveria ter entrado, por mostrar claro
desvio da finalidade pública, que é proibido diante da lisura exigida no âmbito
da legislação aplicável à liturgia funcional do presidente do país.
Mesmo que tudo tivesse sido conduzido
por debaixo do tapete, como de fato foi, como denunciam as conversas gravadas,
sim, por conveniência palaciana, esse caso referente à “rachadinha” respingou
bem além dessa condenável reunião, uma vez que é do conhecimento geral que um
ministro pediu exoneração do cargo depois que o presidente do pais se
intrometeu na tentativa de mudar a chefia da Polícia Federal, para possibilitar
a troca do delegado que cuidava do inquérito envolvimento o filho dele.
As conversas gravadas confirmam a
indevida e recriminável tentativa de influência do então presidente do país no
andamento ou do encerramento do inquérito envolvendo o filho dele, por
iniciativa de conversa com o chefe da Receita Federal, que jamais poderia
permitir que o pai se intrometesse nisso, por força das exigências constitucionais
de estrita observância ao decoro presidencial.
Em termos de reputação republicana,
estadista nenhum que se preze fica se intrometendo em senão nos assuntos de
interesse estritamente nacionais, evidentemente apenas naqueles que se harmonizam
com as causas da população em geral, sendo rigorosamente proibido o presidente
do país cuidar de interesses familiares nem particulares.
À vista do exposto, por haver gravações
comprometedoras, nesse episódio, fica bastante evidente que o então presidente
da República praticou desvio de atividade funcional, por colocar o seu governo,
ele e estrutura dele, a serviço de causa indiscutivelmente particular,
competindo à sociedade se manifestar com menção de censura pública, mostrando o
seu inconformismo com o desprezo ao decoro presidencial.
Brasília, em 16 de julho de 2024
Nenhum comentário:
Postar um comentário