sábado, 18 de maio de 2013

Munição ao inimigo?

Segundo a coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, as Forças Armadas vêm desafiando as investigações sobre crimes cometidos por agentes públicos, no período do regime militar. Ela insinua que o acesso aos arquivos deverá ser conseguido por novos "caminhos", uma vez que "Tentamos todas as formas de solicitação institucional", inclusive "Procuramos o ministro da Defesa e temos recebido sempre a informação de que os arquivos foram queimados. Mas estamos procurando outros caminhos.". Membros incumbidos da investigação de crimes do Estado foram impedidos pelas Forças Armadas de entrar nas dependências do CISA, CIEX e Cenimar, respectivamente centros de inteligência da Aeronáutica, Exército e Marinha, responsáveis pela organização das operações de repressão às organizações terroristas. O certo é que, decorrido um ano de funcionamento, a comissão não obteve êxito quanto ao acesso a valiosos arquivos sobre os fatos ocorridos no período em apreço. Já houve tentativas de diferentes maneiras no sentido de convencer os comandos militares ao cumprimento da determinação legal, com a disponibilização dos aludidos documentos. O ministro da Defesa chegou a garantir que as Forças Armadas iam liberá-los, uma vez que "A lei diz que nós temos todo o dever de cooperar. Em termos gerais, tudo estará aberto". A coordenadora da comissão acena para o esgotamento das possibilidades das estratégias previstas na lei para ter acesso às salas dos centros de inteligência, apenas recorrerá a pedido legal de busca e apreensão, em último recurso, tendo em vista que, na forma da Lei nº 12.528, que criou a comissão, é "dever dos servidores e dos militares colaborar com a comissão", sob pena de ter que recorrer ao Judiciário o direito de acesso às informações guardadas pelos militares. O desafio de vencer a resistência dos militares, que evitam a liberação de seus documentos, não é o principal problema para a comissão, porquanto há necessidade da análise de bastantes documentos produzidos por aproximadamente noventa instituições brasileiras e estrangeiras. Não há a menor dúvida de que o clima de notória animosidade alimentado com o advento da Comissão da Meia Verdade dificulta sobremaneira qualquer forma de entendimento para o acesso aos arquivos militares, se é que ainda tenha sequer resquício de cinzas de mera papeleta da época. O mais crédulo brasileiro não deve ter esperança de que os militares, competentes e sagazes como sempre foram, seriam tão ingênuos a ponto de guardar e preservar preciosos e importantes documentos para saciar a avidez da desforra, facilitando o robustecimento e a fundamentação do relatório da comissão da inverdade, que será supercarregado de incriminações essencialmente contra as atuações dos militares. Seria verdadeiro contrassenso os militares contribuírem com comissão integrada de sanguessugas que têm a incumbência de buscar provas substanciais e irrefutáveis para mostrar, de forma cabal e a qualquer custo, a culpabilidade dos militares pelos crimes ocorridos nos anos de chumbo. Seria tolice, para não dizer burrice dos militares, entregar a documentação totalmente organizada e selecionada, contando os detalhes dos acontecimentos. É evidente que, não fosse a situação de revanchismo, impregnada nas investigações dos fatos, com nítido rompimento da ordem natural da democracia, em menosprezo à prevalência do respeito recíproco aos direitos e às obrigações das partes envolvidas, talvez não houvesse esse confronto mais do que normal, em que os militares, com total naturalidade, sentem-se desobrigados de fornecer munições aos declarados inimigos. O desvelar da verdade implica respeito aos princípios humanitários da democracia, em harmonia com a imprescindível transparência dos objetivos em benefício da sociedade em geral, com embargo dos sentimentos censuráveis e abomináveis da parcialidade e da vingança, uma vez que o sentimento de despique objetiva apenas recobrar posição perdida e jamais a reconstituição da pureza da história. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 17 de maio de 2013

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