Por ocasião do
balanço de um ano de trabalho da Comissão Nacional da Verdade, uma integrante do
colegiado se antecipou para anunciar que a conclusão dos trabalhos deverá recomendar
que agentes do Estado respondam judicialmente por crimes cometidos durante o
regime militar, sob o argumento de que crimes contra a humanidade não
prescrevem e não são alcançados por anistia. Ela foi enfática em afirmar que “Crimes de lesa-humanidade são
imprescritíveis. Se temos esse conhecimento, temos que recomendar que esses
casos sejam judicializados internamente”. Segundo essa integrante, ao final
dos trabalhos, será enviada "recomendação" para punição dos agentes
aos chefes dos três poderes, tendo por base que a comissão foi criada para
fazer narrativa sobre violações de direitos humanos, inclusive no regime militar,
não tendo poderes para adotar medidas. Ela reconhece que há recente
interpretação pelo Supremo Tribunal Federal reafirmando que a Lei da Anistia
não permite punição a torturadores, pois existem normativos legais que impedem medida
nesse sentido contra colaboradores do regime militar e pessoas que participaram
da luta armada durante o regime militar. A sua esperança é de que, no futuro, o
Supremo volte a analisar a lei e, com nova composição de ministros, tenha interpretação
diferente sobre abrangência e constitucionalidade da norma. Ela afirmou que a
comissão não vai enviar projeto ao Congresso Nacional com o objetivo de revogar
a Lei de Anistia: “Não vamos fazer um
projeto de lei, porque, enquanto comissão, não vamos tomar parte num movimento
social”. O coordenador da comissão ressaltou que "Nós vamos nomear os autores. Temos que indicar as autorias, mas vamos
indicar as autorias na medida em que nos sintamos sólidos para isso. Alguns
nomes só vão ser comentados no final". Na forma como foi conduzido o
balanço, a comissão permite que se tire a absurda ilação segundo a qual crimes
cometidos por terroristas e guerrilheiros não são contra a humanidade, mas
prescrevem e são alcançados por anistia, tanto que eles não serão objeto de
apuração, esclarecimento nem de menção no seu trabalho. A primeira impressão
causada pelos membros da comissão é de que existe forte e escancarado propósito
de revide apontado para os agentes do Estado, à vista da garantia de se indicar
somente nomes de torturadores, na tentativa de possíveis punições, em que pese
se tratar de medida de plena inocuidade, à luz da Lei de Anistia, que teve por
finalidade apaziguar os ânimos dos militares opressores e dos terroristas, estes,
em grande quantidade, vivendo, à época, no exterior ou na clandestinidade. Impende
lembrar que a aprovação da anistia, que agora se pretendem ignorá-la e invalidá-la,
após se beneficiarem dela, teve por objetivo selar armistício definitivo entre
os brasileiros com filosofias antagônicas, contribuir para aproximação de ideias
nacionalistas e fortalecer a união de todos em prol da construção e do
desenvolvimento do país. Não obstante, no entendimento da comissão, somente os agentes
do Estado violaram direitos humanos, como se os crimes bárbaros perpetrados
pelos terroristas e guerrilheiros não passassem de brincadeirinha, sem
consequência, e, como tal, não estão sujeitos às censuras a serem aplicadas somente
àqueles agentes. A esperança de haver revisão da leitura sobre a aplicação da
Lei de Anistia pela Excelsa Corte de Justiça talvez esteja relacionada com a
nomeação de juristas com o idêntico idealismo e filosofia da comissão, que é da
mesma linha do governo, como se a jurisprudência do Supremo pudesse ser
alterada ao sabor dos ventos e da vontade revanchista. A lei instituidora da
comissão é de solar clareza, ao dizer, no seu art. 1º, que “É
criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão
Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações
de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória
e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.”. O aludido art. 8º estabelece que “É concedida anistia aos que, no período de
18 de setembro de 1946 até a data de promulgação da Constituição, foram
atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de
exceção institucionais ou complementares,...”. Não há dúvida de que a
comissão exorbita da competência legal que lhe foi atribuída, quando ela, de
forma inexplicável, se desvia do exame e dos esclarecimentos sobre os fatos
atinentes à violação dos direitos humanos ocorridos no período de 18/09/1946
até 05/10/1988, tendo por meta restaurar o direito à memória e à verdade
histórica e promover a reconciliação dos brasileiros. A sua finalidade é
apurar a verdade plena e não parcial sobre os crimes que violaram os direitos
humanos, sem a esdrúxula e ilícita exclusão dos crimes igualmente indignos protagonizados
pelos terroristas e guerrilheiros. A comissão decidiu violar a vontade legal,
ao resolver apenas tratar dos crimes dos agentes do Estado e enquadrá-los como
torturadores, na esperança de possível punição, por desrespeito aos direitos
humanos, como se os atos dos terroristas, de igual recriminação e perversidade,
pelas mortes de inocentes e sórdidas espécies de maldades e barbaridades, não
merecessem, na estapafúrdia visão míope, censura sob a ótica da grave ofensa
aos direitos humanos, cujos autores sequer serão objeto de indicação aos chefes
dos três poderes, certamente por serem, na atualidade, os verdadeiros “heróis”
da pátria, ocupantes de cargos públicos relevantes e beneficiários de suntuosas
indenizações. Não há dúvida de que os fatos históricos são imutáveis, sendo
impossível a sua reconstrução para modificá-los ou para atender mero interesse
de conveniência pessoal, mas a sua versão, infelizmente, pode ser contada de
diversas maneiras: a verdadeira, a mentirosa ou a imparcial, a depender do
prisma da fidedignidade ou não imprimida pelos historiadores, segundo a
finalidade política objetivada, a intenção presumida ou outra pretensão que a
verdadeira história não possa contribuir para os fins colimados. A versão da
história, que nunca pode se afastar da verdadeira, somente deveria ser
levantada e contada por historiadores capacitados, experientes e possuidores de
idoneidade ilibada e comprovada, imunes à interferência do Estado ou de
interesses escusos, sob pena de padecer de credibilidade, cujo resultado
suspeito e impreciso não tem como contribuir para certificar a veracidade sobre
os fatos e acontecimentos da humanidade. Expressiva parcela da população
brasileira, representada pelas pessoas democráticas e desejosas de conhecer a
verdade sobre os fatos históricos, sente-se incomodada com os gritos
ensurdecedores da omissão quanto à verdade sobre a atuação também dos
terroristas e guerrilheiros, porque eles fizeram parte desse passado negro que
a comissão não tem o direito de negar à sociedade o seu integral esclarecimento,
por constituir afronta flagrante à dignidade e aos princípios patriótico e
humanitário. A maior perplexidade, diante da parcialidade dos exames, decorre
em razão de a comissão ser mantida à custa dos tolos dos contribuintes, que entendem
que, se há realmente necessidade de se efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional,
haja dignidade para o pleno esclarecimento das violações aos direitos
humanos. Também é absolutamente paradoxal o fato de a presidente da República
se vangloriar de ter sido militante pela causa nobre da “redemocratização” do país
e ainda demonstrar revolta pelos maltratos nos porões das prisões do regime de então,
justamente devido à sua ativa e intensa participação nas organizações
criminosas, mas as suas “gloriosas” atividades não serão objeto de registros e
esclarecimentos. Por tudo isso, compete aos órgãos de controle, como a Ordem
dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Tribunal de Contas da União etc.,
responsáveis pelo zelo e pela correta aplicação das normas jurídicas e dos
recursos públicos, exigirem que a CNV realize seus trabalhos em consonância com
a competência indicada na lei que a instituiu, observados a abrangência e os
limites dos fins ali colimados, em respeito aos princípios éticos, sob pena de
o seu resultado não merecer respaldo legal nem credibilidade pelos dignos
juristas e homens de bem deste país. A
sociedade tem o dever cívico de exigir que a chamada comissão da verdade
observe fielmente os termos do art. 1º da lei que a instituiu, em harmonia com os
consagrados princípios constitucional, legal e jurídico, de modo que os fatos
revelados correspondam exatamente à vontade legal e às finalidades preconizadas
de “... efetivar o direito à memória e à
verdade histórica e promover a reconciliação nacional.”, sob pena de o seu
resultado vir a padecer da credibilidade jurídica e do respaldo das justas
críticas da imprensa e da população, por não refletirem a verdade plena.
Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 25 de maio de 2013
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