quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A censura da modernidade

O grupo de artistas que reúne grandes nomes da música popular brasileira, contando inclusive com a participação de um rei, possivelmente incomodado pela pressão da sociedade e da mídia, divulgou vídeo na tentativa de esclarecer sua posição quanto às biografias não autorizadas. O grupo alega que "Quando nos sentimos invadidos, julgamos que temos o direito de nos preservar e, de certa forma, de preservar a todos que de alguma maneira não têm, como nós temos, o acesso à mídia, ao Judiciário e aos formadores de opinião"; "Não é uma decisão fácil, mas ela passa por um juízo íntimo e julgamos ter o direito de saber o que de privado, de particular, existe em cada um de nós nas nossas vidas"; "nunca quis exercer qualquer censura" e, por isso, defende-se a intimidade, para "fortalecer" o direito coletivo; "Se nos sentirmos ultrajados, temos o dever de buscar nossos direitos - sem censura prévia, sem a necessidade de que se autorize por escrito quem quer falar de quem quer que seja" e conclui dizendo que o grupo chegou a tomar posição "radical" quanto às biografias, mas que, devido ao direito de informação, acredita-se que deve haver um "ponto de equilíbrio" entre a liberdade para as obras e a privacidade dos artistas, e que "Não somos censores. Nós estamos onde sempre estivemos. Pregando a liberdade, o direito às ideias, o direito de sermos cidadãos que têm uma vida comum, que têm família e que sofrem e que amam. Às vezes a dois, ou na solidão, sem compartilhar com todos os momentos que são nossos". O que espanta terrivelmente a sensibilidade humana é se perceber que toda essa farsa em defesa da censura prévia sobre as biografias não passa do verdadeiro sentimento do desejo de ganhar fortuna ou de impedir que haja faturamento envolvendo a sua imagem artística, que já é do domínio público, porque nenhum artista, importante ou poderoso, não tem absolutamente nada a esconder, porquanto a sua vida e imagem são acompanhadas, vasculhadas e esmiuçadas diuturnamente e sobre elas nada existe que possa ser escondido. Na verdade, quem é contra as biografias não autorizadas não consegue se justificar, apesar dos enormes esforços argumentativos que não passam de lero-lero sem fundamentos que não convencem nem a si. São esforços infrutíferos que quedam diante do peso da liberdade de expressão, que se engrandece sempre que grupos com pensamentos retrógrados se opõem contra a ela, como agora que até a classe política se associa às fileiras do livre exercício da expressão literária. Na realidade, está faltando dignidade por parte daqueles que proíbem a livre expressão, de puder dizer a verdade dos fatos, respeitando a sua fidelidade, independentemente dos fins comerciais. Não se pode, de nenhuma maneira, é confluir com mentiras e inventivas que não condizem em absoluto com os salutares princípios da liberdade de expressão, que jamais deve ser empregada para a deturpação da verdade. Algo escrito além da verdade sobre a vida do biografado fere o direito da preservação da dignidade e da fidelidade dos fatos, que passa a ser motivo de censura, condenação e reparação, na forma prevista constitucional e legalmente, à vista do contido claramente na Carta Magna e no Código Civil, que estabelecem a forma de reparação pelo abuso da extrapolação da verdade. Agora, não é justo que o biografado se ache no direito de ser ressarcido pelo fato de apenas ter a sua história de vida contada, quando o trabalho intelectual pertence ao escritor, que teve o trabalho de narrar os fatos sobre alguém importante, que, na verdade, cuja história, em termos literários, não difere dos demais casos passíveis de serem contados, a exemplo da história da imigração japonesa, da evolução do automobilismo, do ciclo da borracha etc., porque isso faz parte da história do país, que é narrada por meio da arte literária e ninguém pode se arvorar no direito de ter o domínio sobre a intelectualidade literária, que pertence àquele que teve a iniciativa de escrever os fatos. Na atualidade, tendo em conta, em especial, o avanço da humanidade, haurido por meio das conquistas nos campos das ciências, da tecnologia e da aprendizagem em geral, não há espaço para se tolher a livre iniciativa e a liberdade de expressão. Na realidade, não se discutem, no caso, as questões quanto à necessidade de ser debatido o fato em si, porque o seu cerne se transforma em algo especial do mundo dos negócios, totalmente diferente da realidade literária. Seria interessante que, em prestígio à racionalização e à civilidade, houvesse entendimento entre as partes envolvidas, como forma de contribuir para o respeito mútuo ao escritor, quanto aos seus direitos autorais de se expressar livremente, e ao biografado, para que ele não possa ser prejudicado acerca da verdade dos fatos narrados. Nos países desenvolvidos, a imprensa, as pessoas, os artistas, as autoridades não perdem tempo com discussão inócua de se saber se pode ou não publicar a história sobre algo, não importando a relevância ou não dos fatos, porque a imprensa e a intelectualidade são livres e todos podem escrever à vontade sobre o que bem entender, quanto mais em se tratando de algo que já é do conhecimento público. Constitui verdadeiro atraso cultural essa mania de censurar a imprensa, arte literária, intelectualidade etc., por evidenciar nítido atraso cultural, em contraposição à modernidade e às conquistas da humanidade, que já se habituou a usufruir nível satisfatório de transparência e de liberdade de pensamento e de expressão. Quase sempre, as biografias não autorizadas nada mais são do que a compilação de dados e elementos já publicados, não constituindo nenhuma novidade quanto aos fatos narrados por revistas, jornais, internet etc., todos do conhecimento público, não havendo, no geral, informações novas ou bombásticas, capazes de comprometer ou envergonhar o biografado, salvo se houver inverdades, quando então ele tem o direito de buscar, na via judicial, a reparação do que for escrito que não condiz com a realidade da sua história de vida. Há pura leviandade quando importantes alas de artistas afirmam que são favoráveis à publicação de sua biografia, sem censura, quando, na verdade, elas proíbem, na Justiça, a sua divulgação, talvez por não conseguirem acordo sobre a participação no sucesso comercial. A sociedade deve repudiar a falsidade dos artistas contrários às biografias não autorizadas, por haver nisso dissimulado interesse que não condiz exatamente com a preservação da sua intimidade, mas sim com a sua participação financeira na comercialização das obras literárias, que pertencem exclusivamente aos seus autores. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 29 de outubro de 2013

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