sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Carência de sensibilidade jurídica

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu fulminar as pretensões de registro do partido Rede Sustentabilidade, por entender que houve falta de assinaturas de apoio necessárias para a criação da legenda, acabando de vez com o sonho da ex-senadora de se candidatar à Presidência da República, na próxima eleição. O tribunal converteu o pedido de criação da legenda em "diligência", para que seja apresentado o restante das assinaturas para satisfazer a exigência legal mínima de 492 mil. O único ministro a votar a favor da criação do partido alegou descompasso da legislação que rege a espécie com a realidade do momento, considerando atraso o Tribunal depender de certificação de assinaturas para conceder registro de partido. Enquanto isso, os demais ilustrados magistrados se aferraram no espírito da lei, para exigir mais assinaturas, como se as mais de 700 mil já existentes nos autos tivessem caído do céu, por força e obra do divino Espírito Santo. De acordo com o TSE, a Rede somente comprovou apoio de 442 mil eleitores em assinaturas validadas pelos cartórios eleitorais, mas a lei exige 492 mil, que equivalem a 0,5% dos votos dados para os deputados federais nas últimas eleições. Logo em seguida à decisão denegatória, a presidente do partido declarou, dirigindo-se aos apoiadores da Rede, que "Ainda somos um partido. Não temos registro, mas temos o mais importante: temos ética. Vamos ficar mais fortes.". Os organizadores do partido queriam que o TSE validasse 95 mil assinaturas de apoio que foram rejeitadas, sem apresentação de qualquer justificativa, pelos cartórios eleitorais, apenas por elas se referirem a jovens e idosos, cuja participação em eleições anteriores foi facultativa. O tribunal, nesse caso, foi mais do que draconiano, por menosprezar a possibilidade de que muitos tenham votado, sem atinar ainda sobre a possibilidade de que a lei fala em percentual e não em obrigatoriamente que tenham votado nos últimos pleitos. Vê-se que a maioria dos ministros foi inflexível, por somente ter a capacidade de entender que os cartórios têm autonomia para verificar se a ficha de apoio apresentou os requisitos ou não para ser validada, quando poderia ter entendido que o formalismo burocrático é fator importante para “emburrecer” cada vez mais a nação. Um país com o mínimo de desenvolvimento não pode ter por único critério a exigência de assinaturas de eleitores para se criar partido. Isso é sinal de extremo atraso de mentalidade política. Para que o sistema possa funcionar com seriedade e honestidade, os partidos poderiam ser criados com a obrigação de cumprir exclusiva e fielmente o seu ideário programático, sob pena de ser cancelado seu registro se houver desvio dos objetivos estatutários. O partido político se assemelha a uma empresa, que, para ser criada, somente se exige a documentação dos interessados e especificação sobre seus objetivos, sede, responsabilidade empresarial e outras informações essenciais e nada mais. É evidente que compete aos cartórios eleitorais chancelarem a validade das assinaturas, mas também é verdade que compete ao TSE examinar o processo pertinente e, verificando que foram expurgadas 95 mil assinaturas, sem justificativa por parte dos cartórios, chamar a responsabilidade para si, com vistas a sanar a pendência, reconhecendo a validade dessas assinaturas que são suficientes para abonar a exigência mínima legal de 492 mil assinaturas. Não se discute que, quem pode o mais, que é conceder registro, tem competência, com muito mais razão, decidir sobre o menos, que seria aceitar as assinaturas constantes do processo. Resta a dúvida se as 95 mil assinaturas impugnadas teriam sido validadas ou não pela Justiça Eleitoral, caso algum interessado pela Rede fosse algum mensaleiro ou alguém que tivesse apadrinhado a indicação de ministro do TSE, à vista de o julgamento desse escândalo ter tido final bem diferente do encomendado para a criação daquele partido. Esse fato dá nítida percepção de que este é o país dos inexplicáveis contrastes, porquanto, no caso do mensalão, o que era impossível tornou-se possível, bem diferente da situação da Rede, que poderia ter sido possível, mas tornou-se impossível, em demonstração de incompreensível dicotomia de entendimento, fato este que tem o poder de contribuir para fragilizar a confiança da sociedade no Poder Judiciário, que consegue, com suas decisões contraditórias, ampliar o descrédito quanto à sua eficácia. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 04 de outubro de 2013

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