Enquanto a reação
unissonante da sociedade é de repúdio e de rechaço ao abusivo uso de aviões
oficiais para fins particulares, o presidente do Senado responde à indignação
popular com a maior indiferença e tranquilidade, sem o menor pudor, dizendo
apenas que irá consultar o Comando da Aeronáutica para se informar se a
utilização de aeronave oficial para frequentar o seu cabeleireiro de luxo
contraria as normas aplicáveis à espécie. Trata-se de mera tentativa de tapear,
mais uma vez, a boa vontade, a ingenuidade e a paciência do povo brasileiro,
que ainda acredita na recuperação dos homens públicos, que não se satisfazem em
trair a sua confiança uma, duas e tantas vezes quantas quiserem. É justamente
por falta de rigorosos controle e fiscalização sobre o uso de bens do povo
estritamente no serviço público, satisfazendo o interesse do cidadão, e pela
inexistência de punições exemplares que as autoridades da República se acham no
pleno direito de abusar dos bens e até de recursos públicos, como se eles não
tivessem obrigação de se submeter às comezinhas regras de austeridade e de zelo
e de preservação da res publica. O
país não tem condição de se desenvolver político-administrativo se permitir que
práticas deletérias ocorram livremente e os culpados fiquem impunes. É espantosa
a passividade do Poder Executivo nesse episódio da farra aérea, por ele ser o
responsável pelo controle sobre o uso de aeronaves oficiais por autoridades da
República, mas é incapaz de impedir que a indignidade continue normalmente, sem
que ninguém seja responsabilizado, em especial quanto à obrigação do imediato ressarcimento
dos valores realmente correspondentes aos danos causados ao erário e à
aplicação de penalidade exemplar aos culpados pela infringência às normas de
regência, como forma de impedir a continuidade dessa pouca-vergonha. Apesar da
notória e escrachada desmoralização dos consagrados princípios constitucionais
e da administração pública, em especial do decoro parlamentar, que prescreve como
configuração de crime o uso indevido de bens públicos em proveito próprio, como
no caso da utilização de aeronaves para fins particulares, os políticos não
gostam quando a imprensa e a sociedade clamam por dignidade no exercício de
cargos públicos eletivos, como se a regra no serviço público fosse ser
indecoroso. Compete exclusivamente ao povo se conscientizar de que alguns homens
públicos não devem ter o direito de tornar as atividades políticas indignas e
desmoralizadas pela contumácia de atos contrários aos princípios da probidade e
do decoro. Mesmo já tendo sido desmascarado por diversas vezes, renunciado ao
cargo de presidente do Senado e ainda responder a processo na Justiça, em
virtude da prática de corrupção com recursos públicos, o senador alagoano
continua demonstrando que não tem o menor pudor em usar bens públicos em seu
benefício, como se eles integrassem seu patrimônio. Isso evidencia pleno escárnio
à liturgia do importante cargo que exerce de presidente do Senado, em explícita
desmoralização dos princípios do decoro parlamentar, da ética e da moralidade. Nos
países desenvolvidos, é absolutamente intolerável que cargo de suma relevância
como o de presidente do Parlamento continue sendo exercido por quem é capaz de
cometer seguidos atos de indignidade, incompatíveis com a atuação dos homens
públicos. Nesses países, a importância dos poderes se mede justamente pela
honradez e pela dignidade dos seus dirigentes, que jamais ousam maculá-la com o
menor deslize, sob pena de serem sumariamente afastados deles, por incapacidade
moral e pela demonstração da pequenez sobre a real representação política. O uso
indevido de aviões públicos não condiz com o que o presidente do Senado
profetizou, quando tomou posse nesse cargo, ao ter afirmado que seria drástico
e austero na gestão dos recursos públicos. Suas notórias estripulias são incompatíveis
com o que disse e ainda mais com o exercício de tão importante função, da qual
já havia renunciado, em passado recente, para evitar a cassado, em virtude da
prática de improbidade administrativa. Essa argumentação destituída de conteúdo
faz lembrar célebre pensamento de Dhammapada, segundo o qual “Semelhante a uma flor que parece linda, mas
não tem nenhum perfume, assim são as palavras infrutíferas do homem que as fala
e não coloca em prática”. O povo tem o dever cívico de evitar ser
representado por quem demonstra, de forma contumaz, vocação para proceder em
contrariedade aos princípios do decoro, da moral e da probidade, sob pena de se
permitir que a promiscuidade prevaleça como regra deletéria e nefasta nas
instituições públicas. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR
FERNANDES
Brasília, em 27 de
dezembro de 2013
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