sábado, 28 de dezembro de 2013

Palavras infrutíferas

Enquanto a reação unissonante da sociedade é de repúdio e de rechaço ao abusivo uso de aviões oficiais para fins particulares, o presidente do Senado responde à indignação popular com a maior indiferença e tranquilidade, sem o menor pudor, dizendo apenas que irá consultar o Comando da Aeronáutica para se informar se a utilização de aeronave oficial para frequentar o seu cabeleireiro de luxo contraria as normas aplicáveis à espécie. Trata-se de mera tentativa de tapear, mais uma vez, a boa vontade, a ingenuidade e a paciência do povo brasileiro, que ainda acredita na recuperação dos homens públicos, que não se satisfazem em trair a sua confiança uma, duas e tantas vezes quantas quiserem. É justamente por falta de rigorosos controle e fiscalização sobre o uso de bens do povo estritamente no serviço público, satisfazendo o interesse do cidadão, e pela inexistência de punições exemplares que as autoridades da República se acham no pleno direito de abusar dos bens e até de recursos públicos, como se eles não tivessem obrigação de se submeter às comezinhas regras de austeridade e de zelo e de preservação da res publica. O país não tem condição de se desenvolver político-administrativo se permitir que práticas deletérias ocorram livremente e os culpados fiquem impunes. É espantosa a passividade do Poder Executivo nesse episódio da farra aérea, por ele ser o responsável pelo controle sobre o uso de aeronaves oficiais por autoridades da República, mas é incapaz de impedir que a indignidade continue normalmente, sem que ninguém seja responsabilizado, em especial quanto à obrigação do imediato ressarcimento dos valores realmente correspondentes aos danos causados ao erário e à aplicação de penalidade exemplar aos culpados pela infringência às normas de regência, como forma de impedir a continuidade dessa pouca-vergonha. Apesar da notória e escrachada desmoralização dos consagrados princípios constitucionais e da administração pública, em especial do decoro parlamentar, que prescreve como configuração de crime o uso indevido de bens públicos em proveito próprio, como no caso da utilização de aeronaves para fins particulares, os políticos não gostam quando a imprensa e a sociedade clamam por dignidade no exercício de cargos públicos eletivos, como se a regra no serviço público fosse ser indecoroso. Compete exclusivamente ao povo se conscientizar de que alguns homens públicos não devem ter o direito de tornar as atividades políticas indignas e desmoralizadas pela contumácia de atos contrários aos princípios da probidade e do decoro. Mesmo já tendo sido desmascarado por diversas vezes, renunciado ao cargo de presidente do Senado e ainda responder a processo na Justiça, em virtude da prática de corrupção com recursos públicos, o senador alagoano continua demonstrando que não tem o menor pudor em usar bens públicos em seu benefício, como se eles integrassem seu patrimônio. Isso evidencia pleno escárnio à liturgia do importante cargo que exerce de presidente do Senado, em explícita desmoralização dos princípios do decoro parlamentar, da ética e da moralidade. Nos países desenvolvidos, é absolutamente intolerável que cargo de suma relevância como o de presidente do Parlamento continue sendo exercido por quem é capaz de cometer seguidos atos de indignidade, incompatíveis com a atuação dos homens públicos. Nesses países, a importância dos poderes se mede justamente pela honradez e pela dignidade dos seus dirigentes, que jamais ousam maculá-la com o menor deslize, sob pena de serem sumariamente afastados deles, por incapacidade moral e pela demonstração da pequenez sobre a real representação política. O uso indevido de aviões públicos não condiz com o que o presidente do Senado profetizou, quando tomou posse nesse cargo, ao ter afirmado que seria drástico e austero na gestão dos recursos públicos. Suas notórias estripulias são incompatíveis com o que disse e ainda mais com o exercício de tão importante função, da qual já havia renunciado, em passado recente, para evitar a cassado, em virtude da prática de improbidade administrativa. Essa argumentação destituída de conteúdo faz lembrar célebre pensamento de Dhammapada, segundo o qual “Semelhante a uma flor que parece linda, mas não tem nenhum perfume, assim são as palavras infrutíferas do homem que as fala e não coloca em prática”. O povo tem o dever cívico de evitar ser representado por quem demonstra, de forma contumaz, vocação para proceder em contrariedade aos princípios do decoro, da moral e da probidade, sob pena de se permitir que a promiscuidade prevaleça como regra deletéria e nefasta nas instituições públicas. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 27 de dezembro de 2013

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