terça-feira, 12 de maio de 2015

Tentativa de justificar o injustificável

O governo defendeu a legitimidade das chamadas “pedaladas fiscais”, consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas da União, ao afirmar que a oposição teria feito o mesmo no passado, mas agora ela vem acusar o PT dessa prática, dando a entender que um erro justifica outro e que, por esse motivo, não merece censura a falha atual.
O governo afirmou que o atraso nos repasses do Tesouro Nacional começou em 2001, ainda na gestão do ex-presidente tucano: “Os que hoje fazem essa acusação fizeram a mesma coisa no passado”.
Um senador, que preside o PSDB, ressaltou que a confirmação, pelo TCU, de que houve irregularidades com a prática das “pedaladas fiscais” enseja o partido a endossar o pedido de afastamento da presidente.
Já o governo, na pessoa do ministro da Justiça, afirmou que não está “nem um pouco preocupado com acusações infundadas. Mas é meu dever esclarecer a população para que ninguém seja iludido com tentativas de buscas de fato (que motivam impeachment) quando nada existe. Não há como se possa dizer que o governo da presidente Dilma errou”.
A defesa do governo é de que as autoridades agiram em conformidade com o que é praticado desde 2001, cujo procedimento se encontra respaldado em pareceres jurídicos. Por sua vez, o consultor-jurídico da União, em reforço desse entendimento, afirmou que “Nem toda infração à Lei de Responsabilidade Fiscal é crime e que, se o TCU mantiver entendimento de que os atrasos nos repasses são irregulares, que a conduta seja alterada daqui para frente”.
Causa espécie e muita perplexidade a absurda conclusão do assessor jurídico da Presidência da República, de que, apesar da patenteada irregularidade, deve-se ser passada borracha sobre a ilegitimidade praticada até aqui pelo governo e simplesmente exige-se que a norma moralizadora da administração pública, em plena vigência há mais de 15 anos, seja enfim observada somente doravante, dando a entender que a validade do regramento jurídico só funciona se houver denúncia sobre o seu descumprimento, embora se trate de regra cogente, de aplicação que independe da vontade do governo de observá-la segundo a sua conveniência político-administrativa.
A propósito, a norma é clara quanto à proibição sobre a utilização de recursos dos bancos públicos para fins de socorrer o caixa do governo, que não pode se valer de qualquer justificativa para burlá-la senão obedecê-la fielmente, não podendo exclui-la e muito menos modificar a sua aplicação impositiva, sob pena das sanções cabíveis.
O governo, embora demonstre preocupação em se defender de mais uma irregularidade praticada, agora sob o atestado do principal órgão de controle externo da administração federal, tenta amenizar os efeitos das chamadas “pedaladas fiscais”, fazendo crítica com deboche à indicação do PSDB de que o caso pode fundamentar pedido de impeachment, com alegação de a oposição querer criar factoide.
O caso das “pedadas fiscais” se reveste da maior gravidade, em termos da boa e regular aplicação dos recursos públicos, por haver indiscutível descumprimento de norma cogente insculpida na Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe os bancos oficiais de anteciparem pagamento para que o governo contabilize superávit fictível nas suas contas, por haver nisso mascaramento das contas públicas, com a indicação de resultado falseado, fato que não condiz com a realidade do desempenho fiscal.  
Num contexto normal de governo responsável e cumpridor dos princípios da seriedade e da fidedignidade das contas públicas, seria o caso de não somente ele apresentar as devidas justificativas à nação, reconhecendo seu grave erro, por ter infringido as normas de administração financeira e orçamentária, mas de se comprometer a adotar as medidas pertinentes à apuração dos fatos denunciados, com vistas à aplicação das sanções pertinentes e a adoção das medidas preventivas, para que sejam evitados casos semelhantes.
Não fica bem, para governo cônscio de seus deveres constitucionais, acusar administração anterior pela mesma prática de erros cometidos por ele agora, quando as falhas do passado também devem ser atribuídas ao partido oficial, que nada fez para apurar os fatos irregulares praticados pelo governo tucano, uma vez que, na qualidade de oposição, ele tinha o dever institucional de denunciar e promover a investigação das irregularidades na aplicação dos recursos públicos.  
Ao tentar justificar o injustificável, o governo é extremamente lúcido ao reconhecer a irregularidade e afirmar a existência dela desde os idos de 2001, ainda no governo do seu principal adversário, fato que apenas ajuda a abreviar as medidas sobre o reconhecimento e o enquadramento jurídico pertinente à ilegalidade, com vistas à aplicação das sanções cabíveis.
Convém que a sociedade, por força do seu dever cívico, repudie e recrimine as injustificáveis tentativas do governo de se defender de ter cometido irregularidade grave contra as normas de administração financeira e orçamentária sob o desprezível argumento de que falhas semelhantes também foram cometidas no governo de oposição, como se a prática de erro do passado fosse capaz de justificar grave irregularidade do presente, pois isso somente contribui para agravar o crime praticado na atualidade, porque ele deveria não somente ter sido evitado como denunciado antes que ele fosse apontado e questionado pelo órgão de controle externo. Acorda, Brasil!
 
ANOTNIO ADALMIR FERNANDES
 
          Brasília, em 12 de maio de 2015

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