segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A imoralidade sobre as contas públicas


Como já aconteceu no ano passado, o Congresso Nacional será instado pelo governo a autorizar o Executivo a contabilizar, nas contas públicas, novo déficit primário - que é o resultado de gastos maiores que as receitas, sem contar o pagamento dos juros da dívida - de até R$ 117,9 bilhões este ano, que corresponde a 2,05% do Produto Interno Bruto - PIB.
A proposta do governo era de fechar as contas com o déficit de 0,9% do PIB, no valor equivalente a R$ 51,8 bilhões, mas o balanço leva em conta outros gastos que podem chegar aos 2,05% do PIB. Nestes dispendidos, estão sendo considerados o abatimento de até R$ 55 bilhões (que poderão se reduzir para R$ 50 bilhões, conforme o relator do orçamento no Congresso) com o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais” - que são atrasos deliberados nos pagamentos feitos pelo governo para melhorar a aparência das contas públicas - ao longo deste ano, a depender da apreciação do Tribunal de Contas da União, e o valor de R$ 11,05 bilhões referentes à frustração com a arrecadação prevista com o leilão de outorgas de usinas hidrelétricas, marcado para este mês.
A terrível prova da falta de responsabilidade e de compromisso com a legalidade ínsita nos parlamentares, à luz do disposto na Carta Magna, com relação à fiscalização sobre a execução do Orçamento da União, deveria refletir exatamente à realidade dos gastos públicos, levando-se em conta o respeito ao princípio da lealdade das despesas ao consagrado limite dos valores arrecadados.
Não obstante, a aprovação do aludido déficit pelos congressistas, nos termos da proposta oriunda do Executivo, dá carta branca ao governo federal para desconsiderar o rombo nas contas públicas e, pasmem, possibilitar ainda, de forma absurda, injustificável e imoral, que a meta fiscal deste exercício seja considerada como cumprida, o que, aliás, apenas repete-se o pernicioso e recriminável expediente idêntico ao já usado no ano passado, mesmo com o repúdio da sociedade dos especialistas em contas públicas.
Impende se ressaltar que a estrambótica aprovação pelo Congresso da execução irresponsável do Orçamento da União tem o condão de se evitar que a presidente do país deixe de ser incursa no crime de responsabilidade fiscal, que seria o caso do descumprimento das regras insculpidas, entre outras, na Lei de Responsabilidade Fiscal, quanto à necessidade da fiel observância aos princípios inerentes ao limite dos gastos à receita arrecadada.
Causa perplexidade que medida de tamanha importância como essa de se autorizar o desrespeito às regras sobre diretrizes orçamentárias, aprovadas pelo próprio Congresso, demonstre enorme promiscuidade e desmazelo quanto à necessidade de se gastar com parcimônia e austeridade, conquanto o presidente do Senado Federal já garantisse que a proposta terá tramitação rápida, ou seja, a sua importância sequer será objeto de discussão pelos congressistas, demonstrando que o Congresso não tem interesse na eficiência e efetividade da execução do Orçamento da União, que deveria ser sua prioridade de fiscalização, nos termos da Lei Maior do país.
No contexto da execução orçamentária e financeira, não se pode desconhecer nem ignorar as dificuldades econômicas que o país vem enfrentando, porém esse evidente motivo não serve para justificar que o Congresso, de forma simplista e irresponsável, autorize o imoral descumprimento das metas fiscais, pelo fato de haver expressiva queda das receitas públicas, avaliada na cifra aproximada de R$ 197 bilhões, porque compete ao Parlamento não autorizar essa excrescência orçamentária e, antes de tudo, exigir que o governo respeite os limites das diretrizes fiscais e promova drásticas reduções de gastos, para se enquadrar nas metas estabelecidas nas normas vigentes, em atendimentos aos princípios da legalidade, civilidade e razoabilidade que se impõem aos governos responsáveis e conscientes sobre as suas atribuições de estadista.
          Que se dano o governo, pelo fato de que "A frustração de receitas superou as piores expectativas e surpreendeu negativamente os analistas e agentes econômicos", no dizer de parecer do Congresso, haja vista que incumbe ao Executivo prevê o desempenho da economia e trabalhar, planejar, em cima do contexto macroeconômico, de modo a adequar suas políticas à realidade do país e não arranjar desculpas sem plausibilidade para os desacertos das contas públicas, em evidente demonstração de completa falta de compromisso com as diretrizes orçamentárias, decorrentes da Constituição e das Leis de Diretrizes Orçamentárias e de Responsabilidade Fiscal.
Pouco ou nada importa que o governo esteja tentando promover ajuste fiscal, sob o argumento de que ele está sendo feito "a duras penas" e que a arrecadação tem caído com "muita intensidade", em razão da queda das atividades econômicas, porque as medidas anunciadas por ele pouco atingem, como efetivamente deviam, as políticas públicas, mas elas são carregadas com a fortíssima mão de ferro do Estado sobre os contribuintes, que têm a incumbência coercitiva de socorrer a ineficiência administrativa do país, com o ônus de mais tributo, como a abominável CPMF, que é contestada por parcela significativa da sociedade, expressiva representatividade política, empresários e todos que não suportam mais o pesado fardo da escorchante carga tributária.
Urge que os brasileiros se conscientizem sobre a necessidade do veemente repúdio à temerária gastança realizada pelo Executivo, em completo desrespeito às normas sobre administração orçamentária e financeira, e da exigência ao Parlamento de não autorizar que essa forma espúria de gastos públicos se perpetue, porquanto, na forma da Constituição Federal e das Leis de Diretrizes Orçamentárias e de Responsabilidade Fiscal, a execução de dispêndios além das receitas constitui ilegalidade passível de enquadramento no crime de responsabilidade fiscal, nos termos da lei de regência. Acorda, Brasil!  
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 02 de novembro de 2015

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