quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A chaga nordestina

Embora esteja chovendo em algumas regiões nordestinas, as precipitações pluviométricas ainda são insuficientes, mesmo no mês de maior incidência de chuvas, para encher os açudes e reservatórios que normalmente são usados para o abastecimento de água da população, tudo evidenciando que é preciso chover com maior intensidade, para que a tragédia da seca seja afastada este ano.   
Ao que tudo indica, o inverno está chegando somente de mansinho no Nordeste, onde as chuvas aparecem em determinadas localidades, deixando os sertanejos em um misto de animação e preocupação, com a expectativa da armazenagem de água e a plantação para a sua subsistência.
Enquanto a seca não for tratada com a devida responsabilidade, no âmbito da incumbência do Estado, que tem a missão constitucional de adotar medidas de tal efetividade que jamais as agruras causadas pela falta de água poderiam ainda estar prejudicando milhões de pessoas, a economia do Nordeste, o meio ambiente e o ecossistema, que são degradados e depauperados em escala progressiva, por exclusiva culpa do descaso e da falta de políticas próprias para sanar em definitivo essa grave questão.
É injustificável que não haja prioridade por parte dos governos para cuidar de situação de suma importância para o desenvolvimento da região, que não pode continuar sob o descaso das autoridades públicas, que se omitem quanto à sua responsabilidade de zelar pelos interesses dos nordestinos, calejados e sacrificados diante da constante necessidade do enfrentamento das secas seguidas, sem que nada de efetivo seja feito, de forma preventiva, quando se sabe que a calamidade da seca é alimentada justamente pela falta de interesse político para a solução definitiva de tão grave problema.
Causa perplexidade que a região visivelmente abandonada fique à mercê das migalhas governamentais, sempre à espera do seu costumeiro socorro por meio de escassos recursos, que normalmente aparece nos momentos cruciais, cujas verbas são suficientes apenas para remediar e resolver, de forma precária, situações emergencial, paliativa e esporádica, sem nenhum compromisso com a solução definitiva da causa da seca.
Caso houvesse interesse e vontade políticos para solucionar os problemas da seca, bastaria o governo se espelhar em regiões mundiais que são castigadas pela aridez e escassez de água, a exemplo de localidades desérticas como Califórnia, Arizona e Israel, onde há projetos sérios e eficientes de abastecimento permanente de água, plantação e produção de alimentos em plenos desertos.
No Nordeste, ainda tem a vantagem do aproveitamento do lençol freático, que é considerado o maior do mundo, mas, apesar disso, ainda há dizimação da vida humana e de animais, além da devastação do meio ambiente, que poderiam ser evitados se houvesse vontade e responsabilidade políticas.
Até parece que a indústria da seca é realidade nua e crua, onde os políticos inescrupulosos se beneficiam da situação e tudo fazem para que não haja solução em definitivo, sob pena de prejudicar seus interesses e suas fontes mantenedoras da pouca-vergonha e do descaso, que têm sido a causa do empobrecimento da região nordestina, em benefício de alguns poucos aproveitadores.
O certo é que as montanhas de dinheiro que já foram gastas com os esquemas inescrupulosos e criminosos certamente seriam suficientes para a construção de reservatórios perenes nas terras e propriedades do Nordeste e acabariam com o eterno sofrimento dos sertanejos.
A maior prova da incompetência administrativa é a transposição do Rio São Francisco, inicialmente orçado em dois bilhões de reais, seus gastos podem superar o quíntuplo desse valor, em um empreendimento demoradíssimo e com todas feições de superfaturamentos, contratos suspeitos de irregulares e muitos gastos desnecessários e abusivos, que somente contribuem para onerar o Tesouro.
O mais grave de tudo isso é que o altíssimo sacrifício dos contribuintes pela realização de obras caríssimas não vai atender à generalizada escassez de água, haja vista que sua abrangência apenas pode beneficiar determinada região, ficando a maior parte do Nordeste bem distante dos canais em construção, que dificilmente será acudida pelo astronômico esforço da transposição valiosíssima e de pouquíssima efetividade e eficiência, em termos de custo-benefício.
O descaso contra os nordestinos vem de longíssima data e, desde então, os especialistas sempre afirmaram que há solução para o grave problema da falta de água, mas nunca houve conscientização e vontade políticas para a priorização de ações voltadas para o específico saneamento dessa terrível situação, que martiriza, de forma permanente, a vida de milhões de pessoas castigadas e indefesas.
Enquanto isso acontece, recentemente, o Brasil jogou nos ralos do desperdício bilhões de reais, sem que os insensatos mentores tivessem sido responsabilizados pelos danos causados aos necessitados, com a realização de dois megaeventos – a Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíada do Rio de Janeiro - absolutamente incompatíveis com a realidade de lamúria dos sertanejos, cujos custos desses empreendimentos não resultaram senão em sacrifício social e mais despesas para a manutenção de estádios e instalações inúteis e inservíveis para a satisfação do interesse público.
Enquanto houver tolerância e magnanimidade com a forma irresponsável de assistencialismo e de insensibilidade para o martírio de povo sofrido, em razão das constantes secas, os bravos nordestinos vão continuar submetidos à eterna acomodação e aos maus-tratos dos governantes e homens públicos, que se satisfazem, em termos políticos, com calamitosa situação da seca, que tem sido vantajosa para os seus interesses e suas conveniências.
          Na verdade, a solução da falta de água depende, na essência, da sensibilidade dos governantes e dos homens públicos, que precisam se comprometer com a causa dos nordestinos, que não podem mais continuar à mercê do perverso e paliativo assistencialismo do Estado, que, ao contrário, tem obrigação de solucionar em definitivo esse gravíssimo problema social e humanitário, a depender também da iniciativa do povo do Nordeste de exigir, com veemência, das autoridades públicas prioridade e mais prioridade de políticas públicas para tratar, com exclusividade, dessa finalidade de suma importância para os sertanejos. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 23 de fevereiro de 2017

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