sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Incompatibilidade com o princípio republicano?

O ministro relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal afirmou ter entendimento crítico acerca do foro privilegiado, tendo dito que aquela Corte deve debater o alcance da prerrogativa, nos termos de proposta defendida por outro integrante da Casa.
Acontece que, no momento, discute-se a controvérsia sobre a possibilidade ou não de a Excelsa Corte de Justiça puder mudar a interpretação sobre a Constituição ou se a alteração deve ser promovida por meio do Poder Legislativo, que incumbe aprovar as leis do país.
A norma constitucional estabelece que compete ao Supremo processar e julgar, nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, o procurador-geral da República e os próprios ministros daquela Corte.
O mencionado relator disse que “Eu, já de há muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano, que é o programa normativo que está na base da Constituição brasileira. A questão, todavia, que se coloca é saber se essa alteração pode ser feita por uma mudança de interpretação constitucional ou se ela demanda uma alteração própria do Poder Legislativo”.
O ministro relator mostrou-se indeciso sobre a posição que adotará com relação ao tema, tendo dito apenas que, “Na Corte, de um modo geral, tenho me inclinado por uma posição de maior contenção do tribunal”. Ele entende que o Congresso Nacional deva promover as alterações na lei, e não o Supremo: “Mas nós vamos examinar a proposta e, no momento certo, vamos debater”.
Outro ministro do Supremo ousou sugerir que a Corte limitasse o foro privilegiado com relação aos casos pertinentes às acusações por crimes cometidos durante e em razão do exercício do cargo, tendo afirmado que “o sistema é feito para não funcionar” e que o foro por prerrogativa de função “se tornou uma perversão da Justiça”. Ele decidiu levar a discussão da matéria para o plenário, para o fim de se firmar entendimento sobre ela.
O mencionado ministro, disse, citando uma tese que foi defendida por outro terceiro ministro e que já teria sido esposada, no passado, pelo ministro decano do Supremo, que “Esse é o debate que o Supremo vai enfrentar para saber se há espaço para interpretação, como, por exemplo, na proposta feita no sentido de que o foro compreenderia apenas os eventuais ilícitos praticados no exercício da função e não abrangeria os ilícitos praticados anteriormente”.
O foro especial talvez fizesse sentido se seu alcance se restringisse tão somente aos crimes praticados no exercício da função pública e em razão de tal exercício, mas jamais como foro ilimitado, que tem abrangência nacional para, pasmem, aproximadamente 45 mil privilegiados, como atualmente é aplicado, abrangendo todos os atos praticados pelos beneficiários dele, aí incluídos todos os crimes, inclusive os cometidos anteriormente ao exercício de função pública.
Debate à parte pelo Supremo, com base na atual redação da norma constitucional sobre o foro privilegiado, é óbvio que tal redução da extensão do foro especial exige a aprovação de PEC pelo Congresso e isso é praticamente impossível, por não se acreditar que os congressistas possam legislar contra seus interesses, sobretudo para serem afastados da proteção do Supremo, completamente assoberbado de processos, a exemplo do que vai acontecer com o seu novo ministro, que já chega lá com a herança maldita de 7.200 processos, ficando totalmente impossibilitado de examinar e decidir sobre a pletora de casos penais pertinentes à Operação Lava-Jato, cujos implicados terão todo tempo do mundo para concluir seus mandatos sem serem importunados, tendo ainda grande possibilidade do benefício da incidência da prescrição do crime, por decurso de prazo.
O certo é que nenhuma PEC tratando da redução ou alteração do foro privilegiado será aprovada justamente pelos parlamentares, que jamais iriam legislar contra seus interesses, uma vez que o benefício do foro especial tem maior e potencial usufrutuário os próprios parlamentares, uma vez que parcela expressiva deles se encontra sob suspeita da prática de atos irregulares, à vista dos resultados das investigações da Lava-Jato.
A história mostra que, nas nações sérias e evoluídas democraticamente, como os Estados Unidos da América e outras igualmente com mentalidade política esclarecida, não existe essa tal excrescência de foro privilegiado, que é próprio das republiquetas, cujos políticos fazem questão de ser julgados pela Suprema Corte de Justiça, não somente como forma de onipotência, mas de ostentação de poder e autoridade, em descarada dissonância com o que deveria ser o respeito ao consagrado princípio constitucional da igualdade quanto aos direitos e às obrigações entre os brasileiros.
O certo é que o citado princípio somente funciona na fria letra do ordenamento jurídico, quando precisa valer mesmo na prática, acabando com privilégios inaceitáveis, como esse do foro especial, como se a Excelsa Corte de Justiça não funcionasse na plenitude ou que ela fosse benevolente com aqueles beneficiados pelo julgamento de seus crimes separado dos demais brasileiros, que não têm qualquer forma especial de ser visto pela Justiça.
É induvidoso que o foro privilegiado é mais uma forma de se demonstrar de que o Brasil ainda se mantém bastante distante da evolução da humanidade, que precisa se esforçar muito para eliminar desigualdades e distorções próprias de nações diminutas e atrasadas política e democraticamente. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 24 de fevereiro de 2017

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