terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Excrescência político-eleitoral

Conforme reportagem publicada na mídia, há poucos dias, consta que 16 dos 81 senadores da República, ou seja, 19,75% do Senado Federal, não foram eleitos como titulares para ocupar tão importante cargo e são pessoas absolutamente desconhecidas dos eleitores de seus Estados.
Os referidos parlamentares são denominados suplentes que ascendem ao nobre cargo de senador, em substituição automática, por diversos motivos, como falecimento, eleição para outro cargo, assunção de cargo no Executivo, cassação, renúncia do cargo, licença do titular, entre outras situações legalmente cabíveis.
A situação é tão estrambótica que os suplentes, sem terem tido um único voto, constituiriam, se fosse possível, a segunda maior bancada da Casa, ou seja, a “bancada de suplentes” teria poder para influenciar nas decisões importantes não somente do Senado, mas também do país, repita-se, sem ter recebido nem mesmo o próprio voto e isso não condiz, em termos racionais, com as atividades político-democráticas, porque a representatividade política é derivada exclusivamente do voto popular, conforme prevê a Lei Maior do país.
No sistema político-eleitoral vigente, cada chapa eleita para o Senado é composta por um titular e dois suplentes, que são representados, tradicionalmente, por pessoas normalmente sem traquejo com a política, porém vinculação, via de regra, às atividades empresarias e negociais, possuidoras de grandes fortunas, que se dignam a financiar, de forma magnânima, a campanha do candidato a senador que encabeça a chapa, na expectativa de que a sorte lhes propicie a oportunidade de ocupar nobilitante cargo da República, que seria absolutamente inviável pela via do sufrágio universal.
Também tem sido normal a existência de suplentes vindos do círculo familiar, como esposa, pais, filhos, irmãos etc., como se o Senado servisse de capitania hereditária para determinada casta de políticos, que enxergam as atividades legislativas como mera carreira profissional e particular, em claro detrimento do interesse público, uma vez que o cargo, em muitas situações, tem a serventia para resolver interesses particulares.
É evidente que, quando o suplente assume o mandato, ele passa a ser titular dos direitos e das prerrogativas do senador, como salário de R$ 33,7 mil, motorista particular, apartamento funcional e outros benefícios, vantagens, mordomias inerentes ao cargo.
Além do direito de substituir o titular da chapa, o antes suplente tem a oportunidade de se projetar nas atividades políticas, com possibilidade até mesmo de passar a se profissionalizar como político, a exemplo como fazem as tradicionais famílias de políticos tupiniquins, que tomam gosto pela arte e não largam mais o osso.
Há pouco tempo, diante da pressão popular, foram examinadas, sem sucesso, Propostas de Emenda à Constituição (PECs), que pretendiam diminuir o número de suplentes de dois para um e de proibir que parentes dos titulares da chapa fossem registrados como suplentes.
Não obstante, como não poderia ser diferente na praxe senatorial, ante a poderosa influência corporativista imperante nas Casas do Parlamento brasileiros, as propostas não foram aprovadas por falta do quórum mínimo de 49 senadores, sendo que muitos dos contrários tinham como seus suplentes esposa, pais, filho, irmãos, enfim, parentes, e isso certamente seria golpe fatal para os interesses familiares, em demonstração de cristalino prejuízo para a dignidade das atividades político-legislativas e o verdadeiro sentimento de “amor” à causa própria.  
Essa excrescência de haver representante do povo sem ao menos ser conhecido pelo seu representado, que tem o direito também constitucional de o eleger para representá-lo, significa verdadeiro absurdo que precisa ser corrigido o mais rapidamente possível, principalmente porque se trata de representação popular sem legitimidade, ante o sentido democrático do poder do voto.
Dificilmente o país com seriedade e cônscio de suas responsabilidades cívicas aceitaria tamanha falta de decência e de legitimidade, porque isso desmoraliza e apequena o sistema político do país, diante da ausência do voto popular.
É muito provável que essa forma de representatividade excrescente nem exista nas republiquetas, que respeitam a legitimidade do voto e não aceitam que o sistema político seja permeado por tamanha esculhambação e indignidade, em que o senador possa representar o povo sem ter recebido nem mesmo o voto dele.
Trata-se de situação vexatória e indigna para a relevância do país continente como o Brasil, que precisa urgentemente corrigi-la, sob pena de o Congresso Nacional continuar fragilizado, desacreditado e desmoralizado, eis que parte expressiva da sua composição esteja atuando na contramão da evolução da humanidade, que exige o aperfeiçoamento do sistema político, evitando que um penetra, mesmo com o inaceitável respaldo da Constituição, possa representar o povo, sem que nem ele tenha votado em si, por ser quase sempre ilustre desconhecido dos eleitores.
Os brasileiros anseiam por que a próxima reforma política, que seja implementada com urgência e sem perda de tempo, traga no seu bojo a eliminação dessa monstruosa excrescência político-eleitoral, de modo que o suplente do senador seja político com legitimidade popular, por meio do sufrágio eleitoral, que pode ser aquele imediatamente mais votado logo após ao titular afastado do cargo, na forma da lei. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 21 de fevereiro de 2017

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