sábado, 25 de fevereiro de 2017

Na contramão da racionalidade

Um ministro do Supremo Tribunal Federal aceitou pedido de habeas corpus feito por goleiro condenado pelo assassinado de uma modelo, que já deixou o presídio onde cumpria pena de 22 anos e 3 meses.
No recurso, a defesa alegou “... o excesso de prazo da constrição cautelar, uma vez transcorridos mais de 3 anos desde o julgamento, sem análise da apelação interposta. Dizem tratar-se de antecipação de pena. Destacam as condições pessoais favoráveis do paciente – primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita”.
Embora a Justiça já tenha levado mais de três anos, conforme ressaltado pela defesa, para decidir sobre o recurso do goleiro, o aludido pedido de soltura foi feito e atendido em tão somente dois dias, em razão de o ministro ter considerado justos os argumentos da defesa.
Em favor do habeas corpus, o ministro decidiu nestes termos: “Expeçam alvará de soltura a ser cumprido com as cautelas próprias: caso o paciente não se encontre recolhido por motivo diverso da preventiva formalizada no processo nº 079.10.035.624-9, do Juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem/MG. Advirtam-no da necessidade de permanecer na residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamamentos judiciais, de informar eventual transferência e de adotar a postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade”.
Com isso, o goleiro pode agora recorrer em liberdade de sua condenação de prisão pelo sequestro, pela morte e ocultação do cadáver da modelo mãe de seu filho.
A propósito, um respeitado jurista se disse indignado com a soltura do goleiro, por considerá-la “um acinte. Estamos realmente diante de um desafio para a ordem social. Soltar um criminoso com esse requinte de perversidade é uma ofensa à sociedade.”.
Ele rechaça a decisão do ministro, que alegou ao jornal O Globo, verbis: “O homicídio geralmente é praticado por um agente episódico, por motivação na base da emoção, da paixão“.
O jurista afirmou: “O que Bruno cometeu não foi crime passional. Crime passional coisa nenhuma. O que Bruno cometeu foi crime de bando. Ele reuniu várias pessoas para matar e depois esconder o cadáver. Não tem nada de passional nisso. Bruno é um criminoso absolutamente perigoso.”.
O episódio em referência parece evidenciar o fiel retrato da Justiça brasileira, que demonstra gigantesca dificuldade para cumprir a sua incumbência constitucional de julgar tempestivamente os casos sob a sua jurisdição, permitindo que o caos se fortaleça no seu seio e contribua para o descrédito do Poder Judiciário, que tem sido também responsável pela terrível situação de precariedade do sistema carcerário.
Não há dúvida de que os magistrados precisam decidir com racionalidade e bom senso, evitando que o seu ato se transforme em péssimo exemplo para o Poder Judiciário, que não pode simplesmente aplicar a lei do menor esforço, diante de homicida de alta periculosidade, como no caso em comento, onde ficou comprovado que o goleiro agiu com crueldade contra um ser humano e agora se beneficia em razão da incompetência da Justiça.
O ministro do Supremo poderia ter decidido, se fosse o caso, pela soltura do criminoso somente depois de consultar à segunda instância, onde corre o recurso do goleiro, pasmem, há mais de três anos, sem ser apreciado, quando então ele poderia decidir, conforme as circunstâncias, não pela liberdade do criminoso, mas sim pela concessão de prazo para que o caso fosse resolvido, quanto ao recurso impetrado, deixando que o criminoso permanecesse na prisão, uma vez que a sua condenação de 22 anos 3 meses está em plena validade e não se trata da possibilidade de se conceder benefício.
No caso em tela, emergem duas situações antagônicas, mostrando a um tempo a inaceitável lentidão e outro a estranha rapidez da Justiça, respectivamente, em deixar de julgar e em decidir sem a devida avaliação sob a gravidade do crime.
          Urge que o Poder Judiciário se esforce, em mutirão, para estudar e encontrar medidas voltadas para o aperfeiçoamento e a modernização de suas estruturas administrativas, de modo que se consiga a tão ansiada convergência funcional, no sentido de que os casos sob a sua jurisdição constitucional possam ser decididos em menor tempo possível e em harmonia com o salutar princípio da racionalidade, sempre em benefício da sociedade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 25 de fevereiro de 2017

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