sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Espúrio foro privilegiado

O presidente da República promoveu imprevista e urgente minirreforma ministerial, tendo concedido, no seu bojo, o status de ministro ao anterior secretário-executivo do Programa de Parcerias em Investimentos, que passa a comandar a Secretaria Geral da Presidência da República, criada com o status de ministério.
Diante disso, o titular do citado órgão passa a ter foro privilegiado, para o fim de ser julgado, em caso de crime, pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que ele poderá se tornar réu, depois de ter sido citado 34 vezes na delação premiada do ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht, embora ele negue a pratica de irregularidades.
A bancada do PT na Câmara dos Deputados anunciou que entrará com ação no Supremo contra a nomeação de peemedebista para o recém-criado cargo de secretário-geral da Presidência da República, com status de ministro.
Acontece que o agora titular do referido cargo foi citado em delação premiada da Odebrecht, sendo urgido ao prêmio do tão sonhado foro privilegiado, com direito a ser julgado não mais pela Justiça Federal do Paraná, caso se confirme o seu envolvimento com as irregularidades objeto das investigações da Lava-Jato, sob a batuta do juiz de Curitiba.
Os deputados petistas concluíram existir analogia entre a nomeação do peemedebista e a do ex-presidente da República petista para a Casa Civil, em março de 2016, quando a designação foi questionada no Supremo, que o impediu de assumir o cargo, sob o entendimento de que a escolha teria característica de “desvio de finalidade”, em tentativa de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato.
Os petistas argumentam que esse mesmo entendimento deve ser aplicado agora à nomeação do peemedebista, que foi citado, por dezenas de vezes, na delação de um ex-executivo da Odebrecht, que teria dito que o novo ministro pediu dinheiro para campanha eleitoral.
Os parlamentares petistas vão pedir ao Supremo que a ação seja apreciada, por questão de isonomia, pelo mesmo relator que decidiu no caso do petista.
Diante da celeuma em torno da questionada nomeação, o presidente do país se antecipou para esclarecer que a posse do peemedebista se trata de mera formalização, considerando que, como secretário executivo do Programa de Parceria para Investimentos, ele já exercia funções de ministro, ao afirmar que “Moreira sempre foi chamado de ministro. Ele sempre chefiava delegações de ministros e, digamos assim, agora se trata apenas de uma formalização. Moreira já era ministro desde então e tenho absoluta confiança continuará a fazer um belíssimo trabalho”.
À toda evidência, o recurso dos petistas tem o condão admitir, agora, que a então presidente teria realmente cometido “desvio de finalidade”, que se caracteriza como crime contra a administração pública.
Desta feita, o presidente comete duplo erro, ao criar órgão para depois nomear alguém suspeito da prática de atos irregulares para comandá-lo, cujo ato tem o propósito de livrá-lo das garras do juiz de Curitiba, que tem sido implacável contra criminosos, aproveitadores e contumazes desviadores de recursos públicos.
Ao contrário do que foi feito, o presidente do país tem o dever de dar belos exemplos de dignidade no comando da nação, promovendo a exoneração dos cargos de seus assessores que sejam citados em delações devidamente comprovadas da participação deles em falcatruas, cujo afastamento tem a finalidade de provar a inculpabilidade deles nas denúncias.
No caso em referência, há fortes motivos para ser questionada na Justiça nomeação com ranço de acinte à dignidade dos brasileiros, pela demonstração do cristalino desprezo aos salutares princípios da regularidade e da moralidade, ante a firme convicção de interferência nos trabalhos da Justiça, com deliberado uso do instrumento privilegiado do foro diferenciado, com a proposital blindagem de potencial envolvido nas traquinagens objeto das investigações da Lava-Jato.
Se o Supremo Tribunal Federal, que é o órgão máximo da Justiça brasileira, tivesse o mesmo desempenho, em termos de celeridade nos julgamentos que tem a outra Justiça da primeira instância, jamais haveria manobras governamentais para proteger quem quer que seja do juiz de Curitiba, porque o dito protegido seria punido do mesmo modo ou até mesmo com maior dureza, por ser o grau superior do Judiciário.
Mas o famigerado foro privilegiado contribui para gritante distorção de tratamento que certamente não existe nas nações sérias, civilizadas e evoluídas democraticamente, porque lá o poderoso braço da Justiça alcança igualmente a todos e não existe privilégio nem benefício para ninguém, nem mesmo para aqueles que estão encastelados no poder sob a proteção que jamais deveria existir, ante o princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei, inclusive quanto ao julgamento de seus crimes, porque eles são absolutamente iguais e devem ser julgados igualmente na primeira instância.
Os brasileiros precisam lutar para que esse estapafúrdio foro privilegiado seja extinto o mais rapidamente possível, para acabar com as indecentes regalias na administração pública, que se assentam essencialmente, entre outros, no princípio constitucional da isonomia, em que todos devem ter tratamento com base na mesma regra do ordenamento jurídico pátrio, sob pena de ainda existir esse pensamento ultrapassado de visível tratamento diferenciado para alguns apaniguados da República. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 3 de fevereiro de 2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário