segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O mérito como modelo

Após mais de onze horas de sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ministro licenciado da Justiça indicado pelo presidente da República para o Supremo Tribunal Federal foi obrigado a ouvir provocações de senadores.
Um senador por Espírito Santo chegou a perguntar ao referido sabatinado, conforme publicado na mídia, se ele “não tem vergonha” de ter feito lobby para ser aprovado ministro do Supremo, considerando que “O sr. que está servindo um governo, o sr. não tem vergonha de ter feito um lobby de gabinete em gabinete (no Senado)? É hipocrisia demais”.
O senador ressaltou que o candidato do presidente do país era filiado ao PSDB até dias atrás, quando foi indicado para o Supremo, tendo acrescentado que “Vou fazer dezesseis anos que estou aqui (no Senado) e todos os ministros (do Supremo) que aqui foram indicados foram no meu gabinete. Alguns acompanhados pelos seus respectivos senadores (do estado do indicado), e muitos estão sentados aqui. Se isso é lobby, o indivíduo foi lá levar o seu currículo que é o que menos interessa. Porque o indivíduo, quando chega na condição de ser indicado para um tribunal superior, é porque currículo ele tem. Eu quero saber o posicionamento do indivíduo, eu quero que ele fale, que ele faça reverberar para a sociedade as suas crenças para que nós possamos saber quem está indo para o Supremo.”.
O senador chegou a ser extremamente deselegante com o indicado, ao afirmar que “Alguns chegam aqui e vendem a mãe. Porque mente tanto e, quando põe a toga, chega lá no Supremo é completamente diferente. Ah, mas o sr. é ligado a um partido político. Nisso aí Temer errou, ter indicado você, sinceramente. Ele poderia ter aprendido com Lula.”.
Com bastante ironia, o senador citou o nome de um ministro indicado pelo ex-presidente da República petista, tendo afirmado categoricamente que “Lula indicou um rapaz que ninguém sabia quem era, o PT não o conhecia, jovem, nem o Brasil. Eles não sabiam. Ele (o ex-presidente) indicou assim, para mostrar que não é igual aos outros. Indicou um rapaz chamado Toffoli, você o conhece? Ele não era do PT. Ele não tinha ficha assinada no PT. Ele não trabalhou na liderança do PT, na Câmara. Ele não foi advogado do PT. Ele não foi da Advocacia-Geral da União.”.
O parlamentar concluiu seu desconfortado discurso, dizendo que “Ah, brincadeira tem hora. A gente fica perdendo tempo com hipocrisia. Eu quero relembrar à Nação, exatamente porque há uma amnésia coletiva.”.
É até bem possível que um pouco da deselegância absolutamente inoportuna do senador tenha fundo de verdade, pela contundência como ele se refere aos fatos, mas, à toda evidência, ele poderia ter se comportado - se é que ele tenha dito tudo o que foi transcrito acima pela imprensa – com a compostura de dignidade que se exige de parlamentar que precisa cumprir seu mandato com o devido respeito à pessoa do sabatinado, deixando para mostrar a sua insatisfação com o modelo de indicação de nomes para os tribunais superiores em proposição específica, com a finalidade de aperfeiçoá-lo, para o fim de escoimar as imperfeições e as inadequações contrárias ao atendimento do interesse público.
Não há a menor dúvida de que o simples fato de o presidente do país ter a incumbência de indicar o nome para exercer o cargo de ministro do Supremo já constitui verdadeira excrescência, porque isso significa que se trata de pessoa da sua estrita confiança, o que dá a entender implicitamente, que o fato, por si só, não corresponde exatamente aos desideratos dos princípios da impessoalidade e da imparcialidade.
Essa forma esdrúxula de escolha de nome não atende ao princípio fundamental do interesse público, que precisa ser operado de modo que o nome indicado tenha surgido de processo derivado e sob o balizamento da sapiência constitucional, ao estabelecer que o indicado precisa ter conduta ilibada e notórios conhecimento jurídicos, o que significa que o resultado da escolha decorreu da comprovação do exclusivo mérito, em consonância com a disposição de regência, que não faz referência ao esquisito e injustificável critério de confiança do presidente, como é o que tem prevalecido nos últimos governos, evidentemente com a finalidade de atender às suas conveniências.
          As críticas do senador poderiam ser transformadas em medidas que levem às alterações do inaceitável modelo de escolha de ministro dos tribunais superiores, uma vez que ele tem competência para legislar em matéria que leve ao aperfeiçoamento do ordenamento jurídico do país.
Já ultrapassou às raias do ridículo esse modelo de indicação de nome para o cargo de ministro dos tribunais superiores pelo critério exclusivamente da aproximação de quem indica, como ficou muito claro no caso do nome do futuro ministro do Supremo, mesmo que ele demonstre ser possuidor de qualificação técnico-especializada, mas juristas em melhores condições que ele, sem apadrinhamento, existem centenas no Brasil, que jamais serão lembrados, exatamente por falta de padrinho forte e influente perante o Palácio do Planalto.
Trata-se de verdadeira excrescência esse modelo de se colocar no Supremo pessoa amoldada e apropriada às conveniências de quem indica, certamente na certeza de que ela poderá servir de facilitação nas decisões importantes para o governo, a exemplo de alguns ministros que lá estão, que são citados amiudamente pela imprensa, por terem seus nomes ligados aos padrinhos, cujas posições jurídicas normalmente estão em sintonia com a vontade predominante da origem, conforme a imprensa não se cansa de enaltecer os feitos desses magistrados, muitos dos quais em completa dissonância com os interesses públicos.
Urge que esse questionável modelo extravagante de indicação seja substituído por outro que possa atender rigorosamente aos termos da Constituição Federal, que põe em destaque a necessidade da notoriedade do saber jurídico e omite o termo em moda de confiança do mandatário do país, que precisa ser implicitamente substituído pelo sentimento mais próximo da realização que tenha por princípio o emprego do mérito pessoal, com embargo do apadrinhamento, tráfico de influência ou outros abomináveis métodos assemelhados, em razão da relevância do cargo a ser exercido com desvinculação de qualquer forma de gratidão pela indicação. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 27 de fevereiro de 2017

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