sábado, 4 de fevereiro de 2017

Anseio por moralização

O novo presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional era conhecido entre os executivos da Odebrecht como o “índio”, que foi o apelido atribuído a ele pelo conhecido departamento de propinas da empreiteira, para se referir ao senador cearense.
O ex-diretor de Relações Institucionais da citada construtora afirmou em sua delação premiada que o presidente do Senado, segunda pessoa na linha sucessória da Presidência da República, teria recebido o montante de R$ 2,1 milhões em propinas, no período entre outubro de 2013 e janeiro de 2014.
O referido valor, segundo o delator, teria sido servido para garantir o apoio do senador à Medida Provisória nº 613, aprovada em agosto de 2013 pelo Senado e que versava sobre a desoneração da cadeia de produção do etanol, em benefício da Odebrecht.
Conforme o ex-executivo, o pedido de propina para garantir a aprovação da medida partiu do senador líder do governo no Senado, formalizado em um encontro em seu gabinete, embora este negue a conduta ilícita.
Consta da delação em tela o seguinte relato: “Pelo que me foi relatado pelo senador Romero Jucá, confirmando a sua posição de centralizador do recebimento de pagamentos e organizador dos repasses internos do PMDB, os pagamentos seriam destinados a membros do PMDB no Senado Federal, especificamente a ele e aos senadores Eunício de Oliveira e Renan Calheiros”.
O delator disse que o presidente do Senado faz parte do “trio que efetivamente era o dono do PMDB do Senado”, em referência também ao líder do governo no Senado e ao anterior presidente do Senado.
Também são da delação, os termos seguintes: “Desde que assumiu mandato de senador, em 2011, o senador Eunício também passou a ser representado pelo senador Romero Jucá. Percebia isso quando eu tratava com Romero Jucá, que deixava claro que seus pedidos e alinhamentos representavam também a vontade do senador Eunício Oliveira”.
Consta que o delator entregou aos investigadores a planilha do “departamento de propinas” da Odebrecht, que armazenava sistema de contabilidade próprio, com as indicações dos pagamentos efetuados ao “índio” e detalhava como eles teriam sido repassados.
O executivo juntou à delação comprovantes das trocas de e-mails da cúpula da Odebrecht, nos quais eles relatam a pressão do senador cearense para receber dinheiro durante a tramitação da citada MP, sendo que, em uma mensagem para o então presidente do grupo, no dia 28 de agosto de 2013, o delator diz que o senador cearense havia obstruído a votação da proposta.
Diante disso, o presidente da Odebrecht expressa sua surpresa, assim: “Que maluquice! O que ele ganha com isto?”, tendo obtido a responsa do delator, nestes termos: “O de sempre”.
O presidente do Senado, figura poderosa da República, também aparece em delação premiada do ex-diretor de relações institucionais da Hypermarcas, que cita repasses de R$ 5 milhões para a campanha do senador cearense ao governo do Ceará em 2014, que acabou sendo derrotado naquele pleito.
Consta da delação que, mediante contratos fictícios, o ex-diretor da Hypermarcas teria pago despesas de empresas que prestavam serviços à campanha do peemedebista, no valor total estimado em R$ 5 milhões.
O senador informou que os recursos da campanha dele ao Senado foram recebidos e declarados de acordo com a lei e aprovados pela Justiça Eleitoral e que nunca autorizou ninguém a negociar em seu nome recursos para favorecer empresas públicas ou privadas.
Os políticos brasileiros precisam entender que a contabilização e a provação pela Justiça Eleitoral de recursos recebidos na campanha eleitoral não são justificativas plausíveis e capazes de transformar dinheiro de propina em recursos lícitos, porque a irregularidade originária não tem poder de regularizar dinheiro sujo por meio de processo na Justiça que faz às vezes de lavagem de dinheiro.
Ou seja, o que os políticos insinuam é a mesma prática da criminalidade, que aplicar o resultado da venda de drogas na aquisição de imóvel, que é registrado na forma da lei, cujo procedimento cartorial está respaldado pela normal legal, mas a origem dos recursos continua sendo irregular.
Nesse caso, há absoluta irregularidade no recebimento de propina destinada ao custeio de campanha eleitoral, porque não são a contabilização e o registro pertinentes na Justiça Eleitoral que vão transformar operações maculadas em fatos regulares.
Só o fato de haver delações premiadas detalhando o envolvimento do novel presidente do Senado em recebimento de propina já é motivo mais que suficiente para impedir que ele ocupe cargo tão relevante da República, que pode ser exercido por político suspeito da prática de traquinagem contra os princípios ético e moral.
Nos termos da Constituição, os ocupantes de cargos públicos eletivos precisam provar conduta ilibada e ficha limpa, tendo em vista a sua responsabilidade pela execução orçamentária de bilhões de reais, que não pode ficar à mercê de pessoa suspeita da prática de corrupção.
Embora o acusado negue a irregularidade, os documentos apresentados pelos delatores indicam a origem da propina, que é fruto de superfaturamento em contratos celebrados entre o Estado e as empresas repassadoras do financiamento de campanha, constituindo fundo absolutamente irregular e reprovável, à luz da legislação eleitoral e das demais normas constitucional e legal.
          Certamente que nos países sérios e cônscios da sua responsabilidade quanto à regularidade nas atividades político-partidárias, a simples suspeita ou indício de irregularidade implica o afastamento do envolvido de qualquer ocupação de cargos públicos, enquanto não houver o devido esclarecimento à sociedade, por meio da prestação de contas sobre as suas atividades públicas.
Os brasileiros precisam se conscientizar de que não se pode mais permitir que políticos continuem exercendo cargos públicos, inclusive como o de comandante de uma casa do Parlamento, estando sob suspeita do recebimento de propinas, o que se exige, antes de tudo, que os acusados, preliminarmente, limpem seus nomes, por meio da devida comprovação da sua inculpabilidade, como forma de contribuir para a efetivação da tão ansiada moralização do país, que vem há anos sendo massacrado com essa terrível onda de corrupção endêmica e sistêmica, como se essa pouca-vergonha fosse normal e fizesse parte da cultura de um povo que, ao contrário, luta por urgente moralização. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 4 de fevereiro de 2017

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