segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Ausência de princípios

O velório da ex-primeira-dama transcorreu em clima tenso e concorrido por populares, militantes e principalmente lideranças políticas, quando, alguns dos quais, aproveitaram o ensejo para politizá-lo, como forma de extravasar seus rancores e ódios contra aqueles que não comungam da cartilha petista, notadamente a força tarefa da Lava-Jato, principal alvo do líder-mor e de seus seguidores e simpatizantes.
Antes de o político discursar, o presidente do Partido dos Trabalhadores, a par de mostrar pesar pela morte da ex-primeira-dama, afirmou, criticando indiretamente a Lava-Jato, que ela foi “uma das maiores vítimas dos cruéis ataques da elite brasileira”, porque “rasgaram princípios caros ao Estado Democrático de Direito, como o da necessidade de provas em uma acusação. Quebraram sigilos pessoais de sua vida e de sua família, sem sequer uma prova”.
Já um senador do PT-RJ afirmou que a ex-primeira-dama foi “vítima de perseguição”, o que teria contribuído para agravar seu estado de saúde, e acrescentou que “Estou engasgado com isso. Ela foi vítima de uma perseguição gigantesca e não aguentou”.
Não obstante, o momento mais contundente aconteceu com o discurso do ex-presidente, tendo dito, no auge da emoção, que “Na verdade, Marisa morreu triste. Porque a canalhice que fizeram com ela, e a imbecilidade e a maldade que fizeram com ela, eu vou dedicar (o ex-presidente não encerrou a frase). Eu tenho 71 anos, não sei quando Deus me levará. Acho que vou viver muito, porque eu quero provar que os facínoras que levantaram leviandade com a Marisa tenham, um dia, a humildade de pedir desculpas a ela”. A ex-primeira-dama era ré junto com ex-presidente em duas ações penais, no âmbito da Lava-Jato.
O petista, encerrando seu discurso político no velório, afirmou que não tem medo de ser preso, esclarecendo que “Se alguém tem medo de ser preso, este que está aqui, enterrando sua mulher hoje, não tem. Não tenho que provar que sou inocente. Eles que precisam dizer que as mentiras que estão contando são verdadeiras”.  
Não há a menor dúvida de que o momento era do maior pesar pelo desaparecimento de pessoa querida, mas são por demais inadmissíveis os absurdos, idiotices e ignomínias que saíram na mídia sobre a triste e lamentável perda, ante a insensibilidade por parte de pessoas inescrupulosas que teceram considerações e se manifestaram alheias ao devido senso humanitário, mas também são absolutamente sem noção os discursos inflamados de políticos, que aproveitaram do evento de tristeza, desolação e sofrimento para expor formas rancorosa de estupidez e de repúdio a fatos que até podem ser plausíveis, porém a ocasião era absolutamente incompatível com os desabafos.
Em se tratando da despedida de ser humano, em especial por sua importante representatividade para os presentes, não caberia a presença do corpo como palanque e palco para discursos políticos inflamados, justamente porque isso não condiz com os sentimentos cristão e humanitário.
É lamentável que em momento de muita tristeza e dor, com a perda de pessoa importante para o partido, suas lideranças aproveitassem o ensejo para fazer acusações à elite, como se a cúpula do partido fosse constituída de pobres coitados.
O momento era somente de muito pesar, por se tratar da perda de pessoa importante para a história política do país, não sendo o caso de acusações despropositadas e inadequadas à situação de sentimentos e dor.
Por seu turno, jamais o PT vai conquistar a simpatia da elite, por ser permanentemente atacada até mesmo em ocasião especial como a do velório, que caberia, à luz do bom senso, tão somente de se lamentar a precoce ida de pessoa querida de seus familiares e amigos, que merece sim partir em paz com tudo e com todos, porque, para ela, o passado são aproveitáveis apenas os bons acontecimentos...
Na verdade, não se sabe o que é mais doloroso, se a dor da morte ou a dor da insensatez de pessoa que aproveita a intensidade do sofrimento do velório para demonstrar rancor e ódio contra investigadores e membros da Justiça, com relação aos fatos ainda em fase de apreciação, cujo desfecho depende muito da apresentação da defesa, por meio da qualidade das provas materiais capazes de anular as suspeitas que já resultaram em denúncias aceitas pela Justiça.
Por mais que seja doloroso o envolvimento de ex-presidente da República e de sua esposa em processos sob suspeita da prática de irregularidades, quando eles têm obrigação moral, à vista do relevante cargo por ele ocupado, de ser espelhos da ética, moralidade e honradez, nada justifica tamanho desabafo em local absolutamente inadequado.
É de se lamentar que isso tenha acontecido na vida deles, mas o momento de velório não condiz com essa forma destemperada de desabafo, por extrapolar o verdadeiro sentimento da sublime dor da morte, que precisa ser respeitado sobre quaisquer outros sentimentos, por mais razoáveis que sejam, até mesmo nesse caso da Operação Lava-Jato, que deve ser cuidado na esfera própria, mesmo por que o desabafo rancoroso não tem o condão de modificar os resultados das investigações já concluídas, que precisam ser contestadas na esfera adequada, como acontece com os demais brasileiros envolvidos em casos de suspeitas da prática de irregularidades.
Embora se trate de episódio estranho, essa forma de repúdio apenas guarda coerência com a personalidade estrambótica do político considerado o mais poderoso do país, que reluta em não ser julgado pela Justiça, mesmo que haja indícios sobre a materialização dos fatos denunciados contra ele e já aceitos pela Justiça, lembrando que os juízes incorrem em crime de prevaricação em caso da aceitação de denúncia que não esteja devidamente formalizada com os elementos exigidos pela lei de regência.
Diante disso, convém que o político se digne a provar a sua inculpabilidade, por meio de elementos juridicamente válidos, como forma capaz de se livrar das garras da Justiça, que precisa cumprir a sua missão institucional de julgar igualmente todos os casos chegados à sua presença, não importando a relevância da autoridade que, perante a lei, não faz a menor diferença, em termos de julgamento.
À luz do sentimento humano, o político perdeu excelente oportunidade, em homenagem às pessoas de bom senso, de ter ficado calado por ocasião do velório de sua ex-esposa, no que se refere à lembrança sem sentido de fatos da Lava-Jato, ante a sua incompatibilidade com a situação de imensurável dor da despedida derradeira de ente querido, quando se aconselha o máximo de respeito para com quem parte, à vista dos salutares princípios cristão, humanitário e de civilidade.
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 6 de fevereiro de 2017

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