quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O sistema do caos

Como de costume, alguma atenção do governo e muito remotamente da sociedade somente acontece com relação ao falido sistema penitenciário quando situações extremas mostram o ápice das precariedades, como forma inevitável de se jogar luzes momentâneas sobre questões inadiáveis que precisam, com urgência, dos cuidados do Estado, em que pesem elas estarem vinculadas diretamente aos direitos humanos.
Os casos recentes das rebeliões em presídios superlotados, comandados por sanguinárias facções criminosas, refletem a grandiosidade dos problemas potencialmente com poder de explosão e de graves crises internas, consistentes na matança de presos por grupos adversários, decorrente da demonstração de força para a demarcação de poder e de liderança nos presídios.
As rebeliões deflagradas em presídios do Norte e Nordeste sinalizam também para a falência da autoridade e da ordem pública, tanto interna como externamente nos presídios, e os assassinatos dentro dos presídios e nas cidades são a evidência da força das facções que, de maneira inexplicável, controlam presídios e agem nas ruas, mesmo sob o comando de chefões presos, como se os gabinetes das lideranças existissem legalmente instalados dentro dos presídios.
Isso mostra a falta de controle e de responsabilidade das administrações prisionais, que são incapazes e impotentes para impedir que delitos sejam executados sob as ordens emanadas dos comandantes de facções cumprindo pena, em clara demonstração da esculhambação reinante nos presídios.
Não é de agora que as autoridades públicas reconhecem que os presídios brasileiros são verdadeiras “masmorras medievais”, assim cognominadas até mesmo por então ministro da Justiça, que, diante da constatação, simplesmente nada fez para alterar esse quadro deplorável de indignidade e de irresponsabilidade, quando era de se esperar que ele, consciente do estado falimentar e precário do sistema carcerário, houvesse dispensado o mínimo de atenção para a situação deprimente e inaceitável, por se tratar do suposto complexo correcional brasileiro, que tem por finalidade, em princípio, transformar criminosos em homens dignos de se reintegrar à sociedade em condições normais de restabelecimento social.
A complexidade do tema relacionado às prisões precisa transcender, com urgência, a simples cara de espanto das autoridades quando fatos mais graves acontecem, como no caso das mortes acontecidas nos presídios acima aludidos, que deixaram o rastro de rios de sangue e mortes, em atos de extrema desumanidade, para a efetiva materialização de medidas e ações consistentes na adoção de políticas sérias de investimentos nas melhorias das condições físicas das dependências dos presídios e também na aplicação das normas disciplinares quanto ao seu funcionamento, com a urgente eliminação das facções e dos comandos agindo livremente dentro dos presídios, como se eles fossem extensão segura para  serem ordenadas as execuções dos delitos, sob as barbas das autoridades públicas, que, nas circunstâncias, são cúmplices com a criminalidade.
O certo é que, diante do quadro de gravíssimo desrespeito aos direitos dos presos, que somente vem piorando com o passar do tempo, por força do aumento exponencial da população carcerária, os presídios já deveriam ter sido motivo de priorização e de permanente preocupação do Estado, por meio de políticas objetivando o fomento de programas eficientes e sérios de melhorias e de adequação física ao princípio correcional da aplicação de penas tendentes à reparação social pela transgressão do ordenamento jurídico do país.
Já se sabe, de longa data, que as reconhecidas masmorras tupiniquins antes de contribuir para a recuperação de presos, se prestam para o agravamento das condições física e moral dos apenados, diante do seu confinamento em sistema banalizado pela superlotação das celas (em face do absurdo déficit de vagas, pela superação de mais 600 mil detentos), pelos maus-tratos, pela violência e pelo desrespeito aos direitos humanos, tudo isso já sendo do reconhecimento de organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, inclusive da Organização das Nações Unidas.
Não há a menor dúvida de que o tratamento (mais apropriadamente a forma desumana dispensada aos detentos) se consubstancia em uma política bastante eficiente e eficaz de degeneração humana e de transformação dos presídios em verdadeiras universidades do crime, em que os presos não precisam se esforçar para a aprendizagem da pior qualidade do submundo do crime.
É evidente que a gravidade dos problemas no sistema carcerário, além de imensuráveis, estão relacionados com o baixo índice correcional, que corresponde diretamente com as altas taxas de reincidência em crimes de apenados que voltam à liberdade, fato este que também se soma à falta de controle que deve existir nos presídios, a exemplo da total liberdade concedida, inexplicavelmente, às facções criminosas, que podem exercer livremente o domínio de seus liderados, o que evidencia total falta de seriedade e de competência de autoridades públicas.
A soma do conjunto das precariedades ajuda a explicar a razão pela qual o sistema penitenciário, que é essencial ao sistema penal, se revela tão inepta no cumprimento de suas funções, que se junta e se integra em deficiência com os outros elementos desse importante complexo, como a legislação penal, a execução de penas, a política correcional, entre outros que precisam urgentemente de aperfeiçoamento e de atualização com a realidade do desenvolvimento humanitário.
Urge que os governos federal e estaduais decidam pela adoção de políticas públicas, sob a forma de mutirão abrangendo várias setores, em consonância com as suas incumbência constitucional e responsabilidade de Estado, no sentido de cuidar, de forma prioritária, das questões pertinentes ao sistema carcerário e de outros a ele interligados, de modo que se busquem as devidas soluções para os problemas pertinentes, em razão da seriedade presente no caso, ante o envolvimento de vidas humanas, graves desrespeitos à sua dignidade e menosprezo aos sagrados direitos dos cidadãos encarcerados. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 16 de fevereiro de 2017

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