segunda-feira, 12 de agosto de 2019

E o princípio da impessoalidade?


A indicação do deputado federal, filho do presidente da República brasileiro, para embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América, na avaliação de pessoa entendida da matéria, ainda não tem maioria para a sua aprovação no Senado Federal, mas há informação de que o Palácio do Planalto vem trabalhando, com intensidade, para superar os obstáculos e conseguir a aprovação do nome dele, o mais rapidamente possível.
A verdade é que o poder de convencimento do presidente do país é muito grande, notadamente em se tratando do envolvimento de congressistas, que, diante da experiência, sempre são sensíveis à força das argumentações do chefe do Executivo, que tem, ao seu alcance, os mecanismos favoráveis à mudança de opinião e de votos, o que vale dizer que apenas tudo pode se resolver na base da boa conversa.
No momento, tudo indica que o clima se apresenta desfavorável à indicação do filho do presidente, tanto na Comissão de Relações Exteriores como no plenário da Câmara Alta, mas, em se tratando do Congresso Nacional, tudo pode mudar em instante, como as mudanças de posição das nuvens.
Um senador disse que “Mas esse é o cenário de hoje, em que ele teria dificuldades na comissão e minoria no plenário, só que o Palácio do Planalto está trabalhando intensamente para reverter isso”, tendo concluído, de forma reservada, que o governo tem força e poder para mudar o quadro atual, com o simples uso da caneta, dando a entender sobre a espúria tradicional maneira de convencimento por meio do envolvimento de cargos ou emenda parlamentar.
Esse mesmo senador afirmou que o clima é de “constrangimento”, porque o ideal seria que “O presidente não fizesse a indicação de seu filho para ocupar a principal embaixada brasileira no exterior. Mas ele não irá recuar, principalmente depois de receber uma carta escrita de próprio punho do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elogiando a indicação.”.
Como se sabe, os Estados Unidos da América já formalizaram o aval para a indicação do filho do presidente, para ser o embaixador do Brasil, em Washington e isso abre caminho para o envio do nome dele à apreciação e à aprovação pelo Senado.
Como não poderia ser diferente, na avaliação do citado senador, o presidente da Comissão de Relações Exteriores só pautará a sabatina do filho do presidente quando tiver absoluta certeza de que os empecilhos foram afastados e a aprovação dele será conseguida por aclamação e com os mais justos  aplausos.
Certamente que a aprovação de medida absurda como essa não causará qualquer abalo na consciência ou na dignidade dos congressistas, porque, muitos deles, já se desfizeram do decoro parlamentar há bastante tempo, diante de muitas demonstrações de desrespeito aos sentimentos republicano e de civismo.
A verdade é que os brasileiros honrados hão de discordar daqueles que votarem favoravelmente a essa aberração administrativa, porque os novos tempos acenavam para mudanças, como essa de repúdio ao referendo de ato visivelmente contrário aos princípios constitucionais da impessoalidade, ética e moralidade, além de que ninguém, com o mínimo de sensatez, aceita mais essa forma de inominável privilégio na administração pública.
Conforme mencionado acima, ante as avaliações preliminares, os senadores contrários à indicação em referência são maioria, o que, em princípio, demonstra que eles não a apoiariam, por enquanto, possivelmente por entenderem que o Senado não pode se curvar a esse ato escandaloso e completamente afrontoso aos comezinhos princípios republicanos.
Nas condições normais, evidentemente sem que haja justificativas extremamente relevantes e plausíveis para que o presidente da República possa indicar seu filho para embaixador da principal representação diplomática brasileira, isso soa como inominável perversidade à dignidade dos brasileiros, porque, só em fazê-lo e referendada a indicação, não se pode mais falar em decência da parte dele, eis que o rei acaba de ficar irremediável e completamente nu e, o pior, também desmoralizado, por não ter se envergonhado em protagonizar histórica excrescência republicana, ao incorporar, a partir disso, no seu enodoado legado página negra que jamais será esquecida pelos brasileiros que foram traídos pelas promessas de fiel apego à moralidade, à ética, ao decoro e à dignidade no comando da administração pública.
Além de se tratar de nomeação estritamente pessoal, as maiores desfeita e desmoralização perpetradas contra os brasileiros se caracterizam pelo fato de que, à luz do presidente do país, somente o filho dele, entre milhares de notáveis brasileiros com reais capacidades, foi considerado, por ele, em condições de preencher os requisitos exigidos para a ocupação de cargo das maiores relevância e responsabilidade, diante das especificidades naturais da principal embaixada brasileira, quando se sabe, à toda evidência e sob o prisma da seriedade e sinceridade, que o indicado não tem, minimamente que seja, atributos para o preenchimento satisfatório das exigências inerentes ao importante cargo em comento, salvo à luz de magnânimas interpretações.
Convém ressaltar, a propósito, a proibição do uso de cargos públicos para fins pessoais, que é, fora de dúvida, o caso da indicação em tela, em que o presidente-pai, sob a avaliação exclusivamente pessoal, escolhe e poderá nomear seu filho para exercer cargo especial da República, repita-se, não importando qual seja a sua natureza: política, administrativa, técnica ou o que possa representar, porque é preciso se levar em conta não o cargo em si, mas o critério da escolha, que não teria obedecido senão a vontade pessoal.
No nepotismo, o critério do mérito não tem a menor relevância e pouco interessa ao caso, diante da indicação em si, que normalmente se processa ao arrepio do rigoroso critério do recomendado sistema da avaliação dos requisitos próprios exigidos para o exercício do cargo, como manda o manual da administração pública, mas sim tendo por base apenas o capricho pessoal próprio de se agir sob inspiração ditatorial, no sentido definitivo e sem necessidade de mínima justificada ou satisfação nem mesmo à sociedade que elege seus representantes, quando se diz que tem que ser alguém da preferência pessoal, como forma de satisfazer a volúpia de poder, que não pode ser contrariada pelos súditos.
A supramencionada proibição é escrita, de forma patente e cristalina no artigo 37 da Lei Maior brasileira, que estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá, entre outros, ao princípio da impessoalidade, ou seja, deflui-se que esse conceito impede que o governante possa indicar quem ele achar que somente tem condições de exercer o cargo em questão, em evidente detrimento de escolha sob avaliação que melhor e adequadamente satisfaz o interesse da administração do Brasil.
A regra constitucional vigente não admite hipótese diferente de interpretação, senão por imperdoável abuso de poder, diante da cristalina explicitação de que nenhum agente público, no exercício da função, pode agir para satisfazer interesses pessoais e muito menos levar em conta, no ato público, seus sentimentos ou ressentimentos.
Na melhor conceituação sobre a finalidade da administração pública, o governante tem o dever de imprimir, em seus atos, demonstração de fidelidade aos princípios, entre outros, da legalidade e da impessoalidade, além do tratamento respeitoso aos administrados, evitando a prática de favorecimentos, discriminações, perseguições, benefícios ou detrimentos inaceitáveis na gestão pública.
Diante do exposto, espera-se que os senadores não permitam que a dignidade do Brasil seja chafurdada por canetada desequilibrada do mandatário do país, que não tem o ínfimo pudor para reconhecer que a indicação do próprio filho, por ele, representa ato muito ruim e indigno não somente para a imagem dele, mas, em especial, a do Brasil, por ferir, na alma, o sagrado princípio constitucional da impessoalidade, ex-vi do artigo 37 da Carta Magna, não importando trata-se de cargo de natureza política, administrativa, técnica, seja lá a que for, porque a nomeação é personalíssima de pai presidente para filho, em materialização de privilégio inadmissível nas nações sérias, civilizadas e evoluídas, em termos políticos e democráticos, à luz de avaliação isenta e imparcial da medida.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em  de agosto de 2019

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