sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Ingerência indevida?


O presidente da República respondeu a um internauta que lhe pediu para cuidar bem do ministro da Justiça e Segurança Pública, à vista da interferência dele nas políticas dessa pasta.
O pedido do internauta foi escrito nos seguinte termos: "Jair Messias Bolsonaro, cuide bem do ministro Moro. Você sabe que votamos em um governo composto por você, ele e o Paulo Guedes.".
A resposta do presidente não menciona explicitamente o nome do ministro da Justiça, tendo sido redigido assim: "Com todo respeito a ele, mas o mesmo não esteve comigo durante a campanha, até que, como juiz, não poderia.".
Sem dúvida, por ocasião da campanha eleitoral presidencial, o atual ministro da Justiça ainda era juiz federal, em Curitiba (PR), responsável pela Operação Lava-Jato.
Somente depois de ser convidado para assumir o Ministério da Justiça é que ele se afastou da magistratura, por força da sua exoneração do cargo de juiz, exatamente sob a garantia de ter “carta branca” para trabalhar, o que vale dizer que ele teria “liberdade plena” para dirigir o citado órgão, que tem competência institucional de combater a corrupção e ao crime organizado.
Em que pesem as notórias ingerências presidenciais, principalmente aos reiterados ataques à sua prometida autonomia, o ministro da Justiça tem se mantido em silêncio, em franciscana obediência às decisões superiores, mesmo porque de nada adiantaria reclamação, porque certo ou errado, o mandatário sempre tem razão, de nada adianta estrebuchar, salvo se o ministro quisesse deixar o cargo.
Ocorre que, ultimamente, o presidente da República resolveu intervir diretamente na Polícia Federal, que é subordinada ao Ministério da Justiça, quebrando o entendimento sobre a garantia de plena autonomia do ex-juiz, com relação à indicação dos dirigentes dos órgãos vinculados ao ministério sob a sua direção.
O presidente brasileiro indicou cinco nomes para integrar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que é legalmente ligado ao Ministério da Justiça, cujo titular não foi sequer consultado e não teve influência em nenhuma das indicações.
Em conversa com os jornalistas, ao ser indagado se o ministro da Justiça teria “carta branca” para atuar, diante desses acontecimentos, o presidente da República disse que "todos os ministros têm ingerência minha" e que ele foi "eleito para mudar". 
A resposta do presidente, que alega ter o poder de ingerência sobre os ministros, não responde exatamente ao que os jornalistas gostariam de saber sobre o verdadeiro sentido da “carta branca” dada ao então juiz sobre a atuação dele à frente do Ministério da Justiça, em razão das decisões que ele vem adotando, por conta própria, sem ao menos consultá-lo, a exemplo das nomeações de dirigentes que, em princípio, deveriam caber ao próprio ministro, como nesse caso do Cade e também de outras nas superintendências da Polícia Federal e da Receita Federal.
O certo é que as ingerências presidenciais, com relação ao Ministro da Justiça, estão muito além da garantia da “carta branca” assegurada ao então juiz, quando ele foi convidado para assumir tão importante ministério, que, inicialmente, ganhou a estrutura de superministério, com a junção de órgãos indispensáveis ao combate à corrupção e à criminalidade, a exemplo do Coaf, que acaba de ser simplesmente extinto.
Ou seja, o que se percebe, com clareza meridiana, é que a autoridade do ex-juiz da Lava-Jato vem sendo progressivamente desgastada, diante das efetivas ações do presidente, que tem atraído para si atribuições que são da estrita competência do ministro da Justiça, na forma do entendimento de que ele teria “carta branca” para comandar a sua pasta e isso implicaria que as nomeações dos órgãos e entidades subordinados a ela seriam da exclusiva indicação dele, não cabendo, agora, nenhuma interferência ou ingerência presidencial, porque isso significa quebra de acordo, que precisa ser respeitado, como forma da preservação do princípio institucionalizado.
À toda evidência, o desgaste da autoridade do ministro da Justiça, que é considerado patrimônio nacional pelo presidente do país, representa a completa desmoralização de tudo aquilo que se espera sobre a construção de mudanças positivas e afirmativas, principalmente no que tange ao cumprimento da palavra, não importando as circunstâncias.
Nesse sentido, a preocupação não é somente do mencionado internauta, mas sim dos brasileiros que acreditaram que o presidente da República precisa ser leal aos seus compromissos dados perante a nação, sob pena de perder a credibilidade de suma importância do seu governo, especialmente no que tange ao ministro que tem expressivo apoio da opinião pública, em razão do seu riquíssimo legado inerente ao implacável combate à corrupção e à impunidade.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 30 de agosto de 2019

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