quinta-feira, 16 de setembro de 2021

A segurança do brasileiro

O presidente da República, há pouco dias, chamou de "idiota" quem diz que precisa comprar feijão, sob o seu entendimento de que "tem que todo mundo comprar fuzil.”, certamente em alusão ao seu projeto prioritário de governo, que beneficia parcela mínima de brasileiros endinheirados ou mais precisamente possuidores de recursos para comprar armas.     

Essa “pérola” de declaração foi dada em conversa com apoiadores, na saída dele do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, onde é reservado para o anúncio de grandes projetos do governo, como essa hilariante ideia de se substituir um dos mais importantes alimentos por arma letal.  

No aludido diálogo, transmitido em redes sociais, um simpatizante questionou se havia novidade para caçadores, atiradores e colecionadores, os conhecidos CACs, quando o presidente do país respondeu: "O CAC está podendo comprar fuzil. O CAC que é fazendeiro compra fuzil 762. Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: 'Ah, tem que comprar é feijão'. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar.".  

Convém sublinhar que o presidente brasileiro foi eleito tendo como uma das principais bandeiras, no seu discurso de campanha, precisamente a facilitação da compra de arma de fogo e munições pela sociedade, prometendo se empenhar de maneira prioritária, logo no início do seu governo e o fez com muito empenho, conforme mostram as medidas adotadas por ele nesse sentido.

Diante disso, o governo tratou de editar uma série de medidas voltadas para a viabilização das promessas de campanha e muitas das quais realmente beneficiaram algumas pessoas, exatamente aquelas que têm condições de pagar para se armar e até se proteger.

Exemplo disso é que, em setembro de 2019, o presidente do país sancionou lei que ampliou a posse de arma dentro da propriedade rural e isso é forma passível de ampla proteção do patrimônio particular, porque, pelas regras anteriores do Estatuto do Desarmamento, o dono de fazenda só poderia manter uma arma dentro da sede da propriedade, mas a nova norma possibilitou que ele possa também andar armado em toda a extensão do imóvel rural.

À toda evidência, a política pública destinada à normatização e aos cuidados sobre a compra e o uso de arma de fogo precisam obedecer a critérios de seriedade, competência e responsabilidade, sem conotação com essa ideia de idiotice, como ingrediente da discussão sobre o tema que é da maior importância nacional e também por envolver os valores da vida, no caso mais amplo da segurança pública nacional, tendo como enfoque a obrigação do Estado de proteger o cidadão e a sua propriedade.

Não há a menor dúvida de que é idiotice se tratar, de forma prioritária de governo, matéria cujo contorno diz com a segurança pública, no seu conjunto, como no caso, em especial, do desarmamento dos criminosos que são proprietários de verdadeiros arsenais de guerra e levam a sua vida de marginais e delatores das leis penais, sem o menor incômodo, justamente porque não há nenhuma preocupação da verdadeira idiotice por parte das autoridades públicas, no sentido da criação de medidas destinadas à retirada da circulação das armas em mãos dos poderosos bandidos, que são livres para manterem seus paióis sempre muito bem abastecidos com sofisticado poderio bélico, não somente em calibre em nível de fuzil, mas sim de metralhadoras de alcance aéreos.

Nesse ponto, se verifica a falta de respeito, a incoerência e a irracionalidade por parte do presidente, que chama de “idiota” quem prefere comprar feijão, ao invés de fuzil, por entender normal que as pessoas se abasteçam de arma de fogo, a todo custo, como se a nação estivesse se preparando para verdadeira guerra e, sobretudo, se o Estado não tivesse nenhuma atribuição constitucional de manter plano estratégico de segurança nacional, para a normal proteção da sociedade, em especial contra a criminalidade, ex-vi do disposto no artigo 144 da Constituição Federal.

O aludido artigo estabelece precisamente que, verbis: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpo de bombeiros militares.”.  

Neste caso, se percebe com clareza que a maioria absoluta dos brasileiros não pode sequer comprar o projétil, quanto mais a arma propriamente dita, no mercado regular, diante do preço mínimo exorbitante de R$ 5.300,00, para revólver Taurus, calibre 22,4, e R$ 6.580,00, para revólver Taurus, calibre 38, o que evidencia que o pobre assalariado jamais terá condições de juntar recursos para comprar a sua arma de fogo, embora seja nessa faixa dos brasileiros onde a violência incide com maior intensidade, exatamente por inexistir segurança pública para a sua proteção.

Isso vale dizer que o governo que sugere se comprar fuzil, em lugar do feijão, demonstra tremenda insensibilidade diante de flagrante ausência de um dos principais serviços públicos de incumbência do Estado, tendo a liderança do presidente do país, que deveria ter priorizado o fomento da segurança pública nessas localidades, em conjunto com as medidas de desarmamento dos criminosos, mas nada disso existe, exatamente porque talvez haja o entendimento segundo o qual, se todo mundo comprar arma, o Estado fica isento de investir em segurança pública, ficando caracterizado o crime de inação, à vista do que dispõe o texto constitucional acima transcrito.

A questão não é encher o “saco”, como diz o presidente, sobre a liberdade inerente à compra de armas, mas sim cobrar do governo o preciso cumprimento da obrigação do Estado, de assegurar segurança pública à população, conquanto é muito cômodo se liberar a aquisição de armas, exatamente para quem somente tem condições de comprar, ficando o resto da população à mercê da bandidagem, armada até os “dentes”, sem que nenhuma preocupação haja por parte do governo para desarmá-la e muito menos para melhorar as políticas de segurança pública para o país, as quais continuam iguais ou até piores do que existiam no governo anterior, onde a criminalidade era bem armada e mantém intocável o seu poderio bélico.

Nada contra o governo liberar a compra de arma de fogo, porque todo cidadão tem direito de se proteger, mas há gritante incoerência dele de não priorizar a segurança pública para quem não pode se proteger por conta própria, por meio da sua arma, e, nesse caso, a obrigação recai por conta do Estado, à vista do disposto no artigo 144, que não pode ser relegado como vem acontecendo, como se a liberação de armas, que é extensiva aos brasileiros, aproveitasse a todos, que não é, devido ao alto custo, mas, por pior, é como se o Estado passasse, por conta disso, imune à obrigação a que se refere esse dispositivo, que se encontra em plena vigência.

Convém que o presidente da República se conscientize de que a segurança pública dos brasileiros exige a priorização das políticas pertinentes, de modo que realmente todo aquele que tiver condições de adquirir a sua arma de fogo que o faça com plena liberdade e que o Estado se encarregue de propiciar a devida proteção aos demais cidadãos, mediante o incremento das medidas apropriadas e pertinentes, inclusive com o efetivo desarmamento das organizações criminosas, porque isso é apenas forma de o governo cumprir o que determina o texto insculpido no art. 144 da Constituição Federal.  

Brasília, em 16 de setembro de 2021


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