domingo, 26 de setembro de 2021

Promessa é dívida?

 

Circula nas redes sociais carta dirigida ao presidente da República, fazendo veemente apelo para que ele se digne a se transformar em salvador da pátria, ao fazer o que for possível para livrar o Brasil do “sistema político falido e contaminado pela corrupção”.

Os termos da carta garantem que os brasileiros “Estamos ao seu lado e queremos ver você a frente desta grande transformação, pois há muito esta nação não confia em uma pessoa como nós hoje confiamos. Já estamos em guerra, antes velada, hoje escancarada e no momento estagnado com ambos os lados esperando pela próxima jogada para seu contra-ataque. (...) Iremos ter novamente as rédeas da nação. Somos soberanos e queremos isso, não tenha mais dúvidas ‘FAÇA O QUE TEM QUE SER FEITO.’. Estamos ao seu lado e dispostos a lutar esta luta por um país próspero, justo, livre, onde novamente os criminosos sejam tratados como devem ser tratados, ondem nossos filhos tenham uma educação decente e que façam ser homens e mulheres de bem e com a grande oportunidade de serem prósperos no futuro. Sem ideologias, mas sim sabendo respeitar e serem respeitados pelas suas diferenças e terem amor a sua família aos próximos e amor a este país. Estamos ao seu lado e vamos à luta com você, acredite em seu povo, pois seu povo já mostrou em 7 de setembro que acredita em você.”.

          Infelizmente, os brasileiros não passam de eternos iludidos e ingênuos nos seus patrióticos propósitos, sempre sustentados em lindos argumentos, tendo por base especialmente a vontade que o presidente do país se torne verdadeiro herói nacional, no sentido de consertar, da noite para o dia, as mazelas que grassam no Brasil e infernizam a vida da população, cada vez mais carente da prestação de serviços públicos de qualidade.

O presidente brasileiro deixou muito claro, nesse fatídico episódio de 7 de setembro, que ele somente enxerga seus projetos políticos, tendo agora declarado que será candidato à reeleição, embora ainda nem sequer se apoderou do trono destinado à chefia do Executivo, para o qual foi eleito pela vontade soberana do povo, que não perde a esperança de que ele resolva cair na real e descubra, finalmente, que não é mais candidato, mas sim o verdadeiro presidente do Brasil e, já nessas condições, precisa trabalhar com o propósito de cuidar exclusivamente da defesa dos interesses dos brasileiros.

Pois bem, todos se lembram de que o presidente do país implorou, com veemência, pelo apoio do povo e pediu que isso fosse demonstrado nas ruas, sob a promessa de que ele faria o que o povo quisesse, ou seja, realmente ele disse, ao que parece, da boca para fora: “Eu faço o que o povo quiser”.

Conforme pretendido pelo presidente do país, deu tudo certinho, nos exatos termos da vontade presidencial e o povo ainda teve o cuidado de dizer, muito bem-dito e em bom e claro português, o que realmente queria que ele fizesse.

 A vontade do povo foi precisamente a de que o presidente do país cuidasse, evidentemente aos costumes não constitucionais, da vida de alguns ministros do Supremo, que vinham perturbando alguns “patriotas” seguidores do presidente do país com violentas repressões, inclusive prisões, apenas porque eles agrediam com palavrões, ameaças de morte e outras agressões nada republicanas, com a evidência de ambiente nada civilizado, que tinham os apoio e incentivo do mandatário da nação, que eram indevidos, em se tratando de querelas estranhas ao interesse do Estado.

Pois bem, o recado do povo não poderia ter sido mais cristalino, tendo o presidente o entendido direitinho e, em razão disso, logo anunciou em discurso, de corpo presente em palanque, que iria reunir, no dia seguinte ao Sete de Setembro, o colendo Conselho da República, certamente para tratar e discutir das medidas a serem imediatamente aprovadas por ele, sob o entendimento de que elas seriam realmente relevantes e na forma exata dos anseios do povo, porque se não fossem assim, não se falaria nessa hipótese, por não haver necessidade delas.

Embora com todas as ideias miraculosas já maquinadas na cabeça, acontece que o engenhoso presidente brasileiro se esqueceu de acertar previamente com os "russos" e isso foi o suficiente para levar a vaca literalmente para o brejo, em muito pouco tempo, com consequente e completo esquecimento do tal conselho, porque a reunião dele não contou com o menor apoio político que viria do Congresso, para o que se pretendia fazer sem antes combinar com ninguém.

Além desse forte revés, o presidente do país recebeu, no mesmo dia, severo e claro alerta sobre o seu possível afastamento do cargo, por meio do devido processo legal do impeachment, à vista da truculência com que ele havia se referido ao Supremo e, em especial, a um ministro, que foi chamado, em via pública, de “canalha”, tendo ainda a promessa do mandatário de que não mais cumpriria decisão proferida por ele, fatos estes que simplesmente caracterizariam crime de responsabilidade, diante de tão grave agressão à instituição republicana e a integrante dela.

O certo é que o amor ao cargo presidencial falou muito, muito mais alto do que aquela vontade inicial de atendimento do anseio do povo, que teve a cara de promessa enganosa, que agora precisa servir apenas como aprendizagem da política, como importante lição de que não se pode confiar piamente no que alguns homens públicos dizem e prometem, muito menos em palanque, como visto nesse decepcionante episódio.

Acontece que, como evidenciado no resumo da ópera, o presidente do país, para o próprio bem, decidiu seguir os conselhos de quem tem um pouco mais de juízo ou experiência política e simplesmente deu “banana” para o povo e fez as pazes com os ministros do Supremo, inclusive "beijando" as mãos deles, em sentido implícito de pedido de perdão pelas ofensas, grosserias e agressões colecionadas ao longo do tempo, que nem faziam o menor sentido, porque, em ambiente de pessoas civilizadas e racionais, as demandas são sempre discutidas por meio do diálogo em alto nível de conversa, tudo em harmonia com o ordenamento jurídico, onde se prevalecem os argumentos e a verdade sobre os fatos demandados.

Ou seja, o presidente do país decidiu da melhor maneira que realmente satisfizesse às suas conveniências pessoais e políticas, tendo, ao final, mandado o recado muito claro para aquele povo que foi enganado na sua ingenuidade de ter ido maciçamente para as ruas do país, com  muito sacrifício e ainda sob risco da ameaça da Covid, tendo a certeza final de que, para o real sentimento do presidente tupiniquim: “que o povo se exploda!”.

Resta se lamentar todo ocorrido, ficando a certeza de que o povo precisa avaliar este momento, exatamente diante das circunstâncias, para apenas exigir que o presidente do país seja coerente com as suas promessas, de modo que elas sejam devidamente cumpridas, em ambiente de mútua confiança e credibilidade entre o eleitor e seu representante político, tendo em vista que a quebra da palavra, no caso de que “eu faço o que o povo quiser”, termina ficando muito feio para quem não a concretiza, à vista de que promessa é dívida.  

Enfim, parece que seja importante que os brasileiros somente devam reivindicar o que realmente seja factível, sem que isso não interfira nos interesses e nas conveniências políticos do mandatário brasileiro, porque já ficou muito claro que eles prevalecem sobre os demais assuntos, inclusive nacionais e isso é da maior gravidade para a vida de um povo.

Brasília, em 26 de setembro de 2021

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