sábado, 25 de setembro de 2021

Sem golpe, mesmo?

 

O presidente da República, depois de assimilar o seu isolamento político e a visível baixa nas pesquisas sobre a avaliação de seu governo, fatos que podem comprometer o seu desempenho na disputa da reeleição, disse à revista Veja que “não existe nenhuma chance de tentar um golpe no país.”.   

O presidente do país disse que "Daqui pra lá, a chance de um golpe é zero. De lá pra cá, a gente vê que sempre existe essa possibilidade. De lá pra cá é a oposição, pô. Existem 100 pedidos de impeachment dentro do Congresso. Não tem golpe sem vice e sem povo. O vice é que renegocia a divisão dos ministérios. E o povo que dá a tranquilidade para o político voltar".

Ao se referir às próximas eleições presidenciais, o presidente do país disse que “não irá melar", tendo aproveitado até para elogiar as decisões recentes adotadas pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral.     

Com relação a esse tema, o presidente do país afirmou o seguinte: "Olha só: vai ter eleição, não vou melar, fique tranquilo, vai ter eleição. O que o Barroso está fazendo? Ele tem uma portaria deles, lá, do TSE, onde tem vários setores da sociedade, onde tem as Forças Armadas, que estão participando do processo a partir de agora. As Forças Armadas têm condições de dar um bom assessoramento.".

O presidente concluiu a conversa afirmando: "Com as Forças Armadas participando, você não tem por que duvidar do voto eletrônico. As Forças Armadas vão empenhar seu nome, não tem por que duvidar. Eu até elogio o Barroso, no tocante a essa ideia -- desde que as instituições participem de todas as fases do processo".

A ilação que se pode tirar dessa entrevista é a de que o presidente tinha realmente ideia de golpe em maturação na sua cabeça, que atingiu o ápice com as manifestações de apoio popular, no último dia 7, quando a multidão nas ruas tinha todo ingrediente necessário para a decretação do golpe arquitetado por ele, que contava, para tanto, com o maciço apoio do povo, que compreendeu perfeitamente o apelo presidencial.

Essa absoluta certeza se teve a partir do respaldo do empolgado anúncio da reunião do Conselho da República, que é órgão de aconselhamento de alto nível, com capacidade para a orientação acima de qualquer suspeita, no sentido da palavra final sobre o pensamento de quem realmente pode ditar as regras de soberania nacional.

Ainda bem que essa nefasta ideia golpista tenha sido afastada em boa hora, em face da total falta de apoio político vindo do Congresso Nacional, porque ela teria por propósito interferir nos destinos do Supremo Tribunal Federal, com a promoção de verdadeira reformulação na sua composição ministerial, à vista da declaração do presidente de que não respeitaria mais decisão de um ministro e ainda o chamou de “canalha”, atitudes estas completamente dissonantes com a postura de verdadeiro estadista que honra a dignidade do cargo que ocupa, em nome do povo.

Causa perplexidade o presidente do país se dignar a afirmar que “não irá melar as eleições”, porque isso implica a intuição de que ele tinha intensão de criar tumulto envolvendo o processo eleitoral, questionando severamente e de forma intransigente a legitimidade das urnas eletrônicas, como se elas fossem as mais cavernosas da face da Terra, quando ele não teve a mínima  competência para indicar a incidência de um único caso irregular, de modo a comprometer a lisura das eleições já realizadas, inclusive a de 2018, quando ele foi consagrado vencedor e cujo escrutínio não mereceu nenhum questionamento, em razão de fato irregular.

Essa mudança de mentalidade - e por que não dizer de estratégia política? - somente evidencia multiplicidade de personalidade, quando ele age ao sabor do momento, a depender exclusivamente das suas conveniências, em evidente detrimento dos interesses nacionais e da população, fato este que ajuda a compreender a enorme dificuldade de se acreditar em político de dupla ou muitas mentalidades que estão a serviço apenas dele próprio, sem muito compromisso com a dignidade dos princípios, que precisa imperar nas atividades político-administrativas, por terem por finalidade tão somente a satisfação do bem comum, em forma da plena satisfação do interesse público.

Há motivos mais do que suficientes para não se acreditar nas palavras do presidente do país, ao se avaliar a sua postura de homem público, quando, por exemplo, dias atrás, ele atacou violentamente a honra do ministro que agora o elogia, quando o xingou, em evidente prova de incivilidade e desrespeito, de “filho da p...”, exatamente no auge das discussões sobre o voto impresso, que este defendia posição contrário à do presidente, evidentemente porque ele desejava manter a credibilidade das eleições brasileiras, não aceitando as inconsistentes e injustas acusações e críticas desferidas pelo mandatário brasileiro.

Esse deplorável episódio protagonizado pelo chefe do Executivo permanece sem retratação pública, apenas deixando bem evidente o verdadeiro nível intelectual de quem tem o dever de ser modelo de bons exemplos da diplomacia republicana.

Embora a entrevista em comento tenha sido as últimas declarações do presidente do país, fica bastante temerário se acreditar em quem demonstra falta de firmeza de propósitos, quanto aos seus objetivos políticos, quando ora se mostra extremamente contra o sistema eleitoral e, de repente, muda de ideia, da água para o vinho, inclusive, de certa forma estranha, no sentido de elogiar a firmeza do dirigente do TSE, apenas por entender que a participação das Forças Armadas no processo pertinente cria expectativa segura sobre a sua legitimidade.

A verdade é que, no auge das infrutíferas e desnecessárias agressões ao sistema eleitoral protagonizadas pelo chefe do Executivo, o presidente daquele órgão já garantia a participação não somente das Forças Armadas, mas também da OAB, dos partidos políticos e da sociedade representativa no processo eleitoral, fato este que somente se confirma a diversidade nada confiável das atitudes de quem precisa sempre agir com o extremo da coerência nos seus atos presidenciais.

Enfim, convém que os brasileiros fiquem atentos quanto às atitudes e aos atos demandados pelo presidente da República, de modo que se possa cobrar dele, como lídimo representante do povo, a necessária e inata coerência do verdadeiro estadista, que objetiva apenas exercer o mandato com a obrigação de atender aos interesses da sociedade, com embargo das causas e projetos políticos pessoais ou partidários.

Brasília, em 25 de setembro de 2021

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