sexta-feira, 24 de setembro de 2021

No palco da ONU

            O presidente da República brasileiro discursou na abertura da 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, Estados Unidos da América.

O presidente brasileiro início o discurso com a firmeza habitual de atacar, em especial, a imprensa nacional e internacional, de modo a firmar a sua clara vocação de inimigo da liberdade de opinião, a dizer ao mundo que se sente incomodado com as críticas dirigidas ao seu governo e a ele, mesmo que elas façam apenas parte do necessário diálogo interno, em que compete a ele, se discordar delas, mostrar a verdade sobre os fatos que o incomodam, procurando agir em contestação, por meio de argumentos e diálogos válidos e esclarecedores, como fazem os verdadeiros estadistas que privilegiam a dignidade do cargo que ocupam.

A propósito, um site de notícias comparou as principais declarações do presidente do Brasil com fatos considerados verdadeiros e verificou distorções nas suas afirmações, conforme mostram as anotações a seguir.

Estamos há dois anos e oito meses sem qualquer caso de corrupção”: É evidente que essa afirmação pende de respaldo, porque foi ignorado o fato a que se refere às investigações, em especial, relacionadas à compra de vacinas contra a Covid-19, que são objeto dos trabalhos a cargo da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, para apurar se houve negligência quanto às medidas de combate à pandemia do coronavírus.

Ou seja, a CPI apura denúncias de corrupção envolvendo a compra de vacinas contra a Covid-19 pelo governo, que até pode resultar em nada, mas, ao que já foi apurado, é possível que possa haver revelação da prática de atos irregulares, o que se recomendaria prudência enquanto não se tenha o resultado das investigações.

A propósito disso, há outro caso que diz respeito à aquisição de doses da vacina Covaxin, por meio de contrato com a empresa Precisa Medicamentos, com possível superfaturamento e tráfico de influência na negociação.

Existe ainda suspeita de irregularidade referente ao pedido de propina, por agente público, de US$ 1 por dose, em troca de assinatura de contrato de venda de vacinas da AstraZeneca com o Ministério da Saúde.

Por seu turno, não existe nada de verdade que o presidente do país seja tão honesto como apregoado por ele próprio, senão ele jamais teria resolvido se juntar em ilícita parceria com o mais do que famigerado Centrão, e ainda de forma vexaminosa e humilhante, para os padrões da ética e da moralidade, na administração pública, por ele propalada na campanha eleitoral, porque esse espúrio acordo envolve a distribuição de cargos e emendas parlamentares, no contexto imundo e fedorento, em termos de promiscuidade, que foi capaz de contaminar, de forma indelével, a gestão dele.

Essa forma inadmissível de procedimento é pura corrupção, que não aquela clássica de se meter a mão na botija, mas se trata sim do desvio da finalidade pública, com o envolvimento de recursos públicos, para a compra de apoio político no Congresso Nacional, no sentido de se evitar a abertura de processo de impeachment do presidente do país, somente, sem qualquer vinculação com o interesse público, que jamais poderia se efetivar, os quais necessariamente se vinculam os atos na gestão pública, em especial no que diz às funções constitucionais da incumbência do presidente da República.

Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa quanto a nossa”: No que se tem conhecimento, o atual governo federal, na prática, incentivou o desmonte da legislação ambiental e enfraqueceu os órgãos de controle, por meio de políticas ambientais facilitadoras do agronegócio, fato este que tem sido objeto de inquérito de iniciativa do Ministério Público Federal.

O referido órgão alega que houve a desestruturação de áreas de controle em quatro frentes, sendo que uma delas aconteceu com a fragilização normativa, tendo a liderança do Ministério do Meio Ambiente, que teria contribuído para enfraquecer o arcabouço da legislação ambiental, para facilitar a vida de grandes agricultores e isso o governo não tem como negar, à vista do seu fomento à agricultura, devidamente comprovado com excelentes colheitas.

Os procuradores citam, por exemplo, a mudança de normas de proteção da Mata Atlântica, por meio de mera portaria do Ministério do Meio Ambiente, deixando de ser observada a legislação específica para o bioma, para cujo controle exige a aplicação do Código Florestal, fato este que os procuradores definem como “decréscimo de proteção”.

"Somente nos primeiros 7 meses desse ano, criamos aproximadamente 1 milhão e 800 mil novos empregos": Embora essa informação esteja em conformidade com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério da Economia, importa se destacar que o governo, em janeiro de 2020, alterou a metodologia desse cadastro e passou a levar em consideração as informações do eSocial.

Diante disso, houve a inclusão de mais profissionais na base de análise, como os temporários e os bolsistas, por exemplo, o que diferencia da metodologia usada até dezembro de 2019, cujo artifício contribuiu para alterar, de forma positiva, os números de criação de empregos.

"No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história": A afirmação tem sido contestada, porque o ato com pautas antidemocráticas, exatamente por defenderem, em especial, a extinção do Supremo Tribunal Federal, não teria sido a maior manifestação da história do país, por haver registro de que o maior movimento de protesto política teria ocorrido na cidade de São Paulo, em atos favoráveis ao afastamento da então presidente da República, em 2016.

Esse fato tem sim o peso de mostrar o apoio ao presente do país, porque o movimento populacional socorreu apelo feito pelo mandatário, que alimentava o desejo de decretar atos golpistas, que foram abortados em boa hora, principalmente por falta de apoio político, exatamente pelo afastamento das principais lideranças do Congresso Nacional, que negaram apoio aos possíveis atos de exceção.

Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina”: Na verdade, o governo adotou postura anticiência durante a pandemia e recomendou o chamado “tratamento precoce” com a adoção de medicamentos declarados de nenhuma eficácia contra a Covid-19, também não sendo correta a afirmação de que ela se tratava de diretriz adotada pelo Conselho Federal de Medicina, porque o referido conselho dá autonomia para os médicos receitarem remédios fora das orientações de bula, que é o chamado uso “off label”, o que é diferente de recomendação especifica do tratamento com determinado remédio.

Consta, no site do CFM, a seguinte observação: “Deve ser lembrado que a autonomia do médico e do paciente são garantias constitucionais, invioláveis, que não podem ser desrespeitadas no caso de doença sem tratamento farmacológico reconhecido —como é o caso da covid-19—, tendo respaldo na Declaração Universal dos Direitos do Homem, além do reconhecimento pelas competências legais do CFM, que permite o uso de medicações “off label”.

Por sua vez, é preciso se ressaltar que o medicamento somente é considerado eficaz após passar por estudos clínicos e metodológicos que atestem seus benefícios e riscos, porquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou estudo, em março do corrente ano, sobre medicamentos preventivos, no qual “faz uma recomendação forte contra o uso de hidroxicloroquina”, tendo citada a análise de seis estudos/pesquisas pertinentes.

Em termos científicos, até o momento, não há estudos suficientes que comprovem o benefício da ivermectina na prevenção ou tratamento em qualquer estágio da doença, razão por que a OMS ter declarado que “não temos evidências persuasivas de um mecanismo de ação da ivermectina na Covid-19” e, com base nisso, ela recomenda que o medicamento não seja usado, exceto no contexto de um ensaio clínico.

É evidente que, na prática, tem-se conhecimento que muitos doentes foram curados ou não pioraram em razão do uso desse medicamento, mas isso não seria capaz de o presidente do Brasil se mostrar afrontoso às autoridades que cuidam da saúde mundial, sendo de melhor tom que ele até reconhecesse as qualidades do remédio, mas isso, por cautela, como nem médico é, que ficasse apenas com ele, à vista de que a posição do principal órgão da saúde tem por base estudos científicos e isso é fato, não competindo a mais ninguém tentar contestar ou mostrar o contrário, quanto mais sem se dispor de nada para comprovar em contrário, salvo os casos de cura colacionados, que são irrelevantes perante a ciência, que se baseia em estudos precisamente com pessoas.  

O presidente brasileiro demonstrou insensibilidade e desprezo às vacinas, chegando a dizer que era contra a obrigatoriedade da vacinação, em dissonância com os demais os governos mundiais, que fizeram o máximo possível para a proteção de seus povos contra a Covid-19.

Em termos de discussão política, não é muito provável que não tenha pertinência a afirmação do presidente do país de que o Brasil corria o risco de virar um país socialista ou comunista, precisamente por falta de parâmetros, em forma de fatos concretos ou até mesmo de indícios, eis que nunca, em especial nos últimos tempos, até mesmo quando ele foi governado por partido socialista, houve esse risco.

A verdade é que o Brasil sempre esteve sob a égide da normalidade democrática, com os auspícios da Constituição Federal, promulgada no final de 1988, quando, a partir de então, o país tem as suas instituições constituídas legalmente funcionando normalmente e sem nunca ter passado por qualquer abalo ou ameaça nesse sentido, em que pese o atual presidente ter tentado, sem sucesso, decretar, recentemente, medidas golpistas, com o apoio do povo, que foi às ruas movimento de protestos, no último dia 7 de setembro, que foram abortadas por falta de respaldo político, quando os principais congressistas o deixaram sozinho no barco que estava prestes a afundar com ele sozinho dentro.

Também inexiste consistência a afirmação do presidente brasileiro de que o governo dele teria recuperado a credibilidade internacional do Brasil, quando os fatos mostram que o isolamento do país tem muito a ver com a política ambiental que contribuiu para a destruição das florestas brasileiras e isso motivou o isolamento do país das grandes nações, cujos líderes, salvo um deles, não quiseram encontro com o brasileiro, ou seja, no momento a credibilidade internacional do país é a pior possível, conforme mostram os fatos, diante das brigas protagonizadas pelo presidente tupiniquim, em passado recente, em face das questões ambientais mundiais.

Esse fato se evidencia em especial porque ninguém no mundo tem interesse em contatá-lo nem o ouve mais, possivelmente em razão da sua postura isolacionista e negacionista, além de sua deliberada posição de privilegiar políticas voltadas para a destruição das nossas florestas, com destaque para a região amazônica, com a finalidade da implantação de injustificáveis projetos referentes à ocupação da região, com a exploração da agricultura rudimentar.

A vergonha do Brasil é acentuada quando o presidente diz que preserva a floresta amazônica, quando é sabido que o Inpe registra, mês após mês, a devastação ambiental na região, a despeito de não haver medidas à altura para combatê-la.

O presidente também disse que as demandas indígenas estão sendo protegidas, quando a maioria dos silvícolas está sendo incomodada com a invasão e a exploração de suas terras, quando é sabido que a luta deles é pela demarcação de suas propriedades, que estão sendo invadidas e tomadas, na marra, por latifundiários, mineradores e exploradores de suas riquezas.

Por fim, o presidente brasileiro chegou a afirmar que as manifestações de Sete de Setembro tiveram como objetivo defender a democracia, quando o seu propósito não era exatamente com essa finalidade, porque a defesa da democracia não deveria inserir a advocacia do fechamento do Supremo Tribunal Federal, inclusive ele aproveitou o ensejo para chamar um ministro da corte de canalha, tendo afirmado que não cumpriria mais as decisões adotadas por ele, em clara aversão ao compromisso de posse, quando jurou cumprir a Constituição e as leis do país, abrangendo também as decisões judiciais, conquanto deixar de cumprir decisão do Supremo implica pisar sobre juramento de posse.

Para que não fiquem dúvidas sobre o comportamento golpista do presidente do país, no discurso do dia 7 de setembro ele anunciou que pretendia reunir o Conselho da República no dia seguinte, naturalmente para tratar de possível decretação de medidas fora das quatro linhas, ou seja, ao arrepio da Constituição, porque, se as medidas pertinentes estivessem em conformidade com o ordenamento jurídico do país, não precisaria do aconselhamento do mencionado órgão especial.

O certo mesmo é que o presidente, não tendo apoio para a decretação das medidas golpistas, preferiu acolher sugestão para a assinatura de “Declaração à Nação”, onde ficava ali evidenciada a sua transformação de leão em gatinho, que jurava se comportar em estrito respeito à liturgia do cargo presidencial, exatamente por ter sido obrigado a perceber que ele tinha ido longe de mais com suas injustificáveis e inúteis agressões a ministros e à própria corte, que, por pouco, não penalizada com os arroubos do presidente sempre descontrolado e impulsivo.

O presidente do país prometia fazer o que o povo quisesse, mas terminou mudando de ideia, evidentemente para o bem do Brasil, embora tivesse ocorrido que ele não teve coragem nem dignidade para explicar, que é do seu dever como homem público, para quem lhe deu carta branca para agir, os reais motivos da sua surpreendente mansuetude, tendo ficando muito feio para ele, que seria mais elegante se ele tivesse dito que foi obrigado a mudar o seu comportamento porque poderia perder o cargo e ainda correr o risco de ficar preso.

A ideia que ficou e todos imaginavam assim era a de que a referida singela declaração era realmente para valer, que fosse contribuir para mudar o comportamento do mandatário brasileiro, mas uma vez mais vem ele aparecer no principal palco da ONU, para demonstrar que não é da sua índole mudança radical, à vista do seu sentimento negacionista, que tem dificuldade de encarar a real cátedra de estadista, com a sensibilidade de tratar os assuntos sob a ótica somente do interesse público, em plano da verdade, sem necessidade de agredir nem criticar ninguém, exatamente porque isso não faz parte das suas funções presidenciais.

O presidente brasileiro se comportou como verdadeiro candidato a cargo político, ao afirmar, no principal palco político do mundo, o seu desejo de apresentar o Brasil diferente somente dele e de seus seguidores, como se existisse outro Brasil de seus adversários que somente pode existir em campanha eleitoral, quando há declarados oponentes ao mesmo cargo, o que não é o caso, em se tratando de pessoa que representa o país em evento especial de abertura de trabalho, onde se exige o mais alto nível de seriedade no tratamento dos assuntos, com embargo dos ressentimentos políticos, porque isso só mostra o nível do mandatário, que não se incomoda de mostrar as mazelas internas para o mundo.

Afinal, o presidente brasileiro se apresentou ao plenário da ONU não como o verdadeiro estadista, aquele que tem apenas o compromisso de mostrar a verdadeira grandeza do Brasil, com os seus valores representativos do seu povo, que vem se esforçando para contribuir para o seu progresso, sem nada que sequer patenteasse uma nação esgarçada por ferrenha disputa política e brigas com a imprensa, conforme ele achou de suma importância que a roupa suja fosse mostrada no palco da ONU.

Ficou ali a evidência do nível da principal autoridade do país, que, diante da relevância dos ouvintes do discurso, certamente que mereciam, no mínimo, ser poupados de tamanho vexame, principalmente porque é sabido que, em todas as nações há igualmente sujeira, mas ela e lavada no próprio país, sem necessidade da sua disseminação pelo mundo, como fez o mandatário brasileiro, por certo, por achar que isso pega bem para autoridade do seu quilate, cujo ato pode ser definido como vergonha internacional.

Por último é de se lamentar profundamente que apaixonados apoiadores do presidente da República tenham se vangloriado exatamente porque ele se apresentou no mais importante cenário mundial da ONU para mandar recados duros, grosseiros, desaforados e até mesmo verdadeiros e necessários, mas o uso dessa tribuna ganha relevo justamente para a produção de efeitos contrários àqueles, no qual o estadista competente e inteligente aproveita o ensejo para a elevação e a relevância dos salutares princípios diplomáticos, onde, muitas vezes, ele é aplaudido de pé e demoradamente, em razão de ter discursado em alto nível, na devida elegância à altura da importância que precisa ser atribuída ao evento da maior expressividade mundial.

          Brasília, em 24 de setembro de 2021

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