sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Nasce o estadista?

          O presidente da República divulgou, ontem, texto intitulado "Declaração à Nação" no qual ele afirma que nunca teve "intenção de agredir quaisquer dos poderes", sob a alegação de que "as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia".   

Trata-se de substancial mudança de comportamento do presidente do pais, que, em ato político em São Paulo, no Dia da Independência, ele havia afirmado que não mais cumpriria decisões de um ministro do Supremo, em termos afrontosos e de desprezo à autoridade e à Constituição, bem assim: "Dizer a vocês que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais".

O presidente do país declarou ao público de apoiadores, sob a forma de clara ameaça, que "Ou o chefe desse poder enquadra o seu (ministro) ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos".

Ao que se sabe, a divulgação da "Declaração à Nação" foi por conta de conselho ao presidente brasileiro por seu antecessor, que foi especialmente buscado em São Paulo para importante conversa sobre a crise institucional, tendo resultado na divulgação de "manifesto de pacificação", diante do que se pode denominar da explosão da crise criada dentro do Palácio do Planalto, que poderia se estender por longo tempo, causando sérios problemas, em especial, para a economia nacional e a vida dos brasileiros.

No texto, o presidente do país credita a crise institucional a "discordâncias" em relação a decisões de um ministro do Supremo e afirma que as questões "devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art. 5º da Constituição Federal".

O presidente do país afirmou que "Quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum".

O curioso é que, nesse proveitoso encontro, o ex-presidente da República promoveu importante contato telefônico entre o presidente brasileiro e o ministro considerado inimigo dele, cuja conversa foi classificada como amena e teve caráter institucional, segundo a afirmação de jornalista.

O presidente do país pediu arrego ao seu antecessor, que conseguiu que ele falasse com o ministro do Supremo, na tentativa da celebração da paz entre ambos, que se trata de atitude bastante louvável e de valorização do estadista, embora isso não limpa o seu filme perante a opinião pública, pelo tanto que ele disse contra a honra e a dignidade do magistrado e isso não se apaga tão facilmente, por meio de simples contato telefônico, mas sim com as reais atitudes presidenciais, de agora em diante, que precisam ser de muita de muito sinceridade e respeito princípios constitucional e democrático.

Ao que tudo indica, com a mentalidade mais focada para os interesses nacionais, deixando de lado a defesa de seus ambiciosos projetos políticos, que estavam sendo prioritariamente cuidados por ele, nos últimos tempos, o presidente do país reconhece que tenha feito ataques ao Supremo, mas ele afirma no texto à nação que sempre esteve "disposto a manter diálogo" com os demais poderes da República, em que pese os fatos mostrarem o contrário.

Por fim, o presidente do país disse que "Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles", declaração esta que distorce completamente da verdade, se for levado em consideração que ele nunca se dispôs a conversar de forma civilizada para a busca do entendimento, a exemplo do projeto do voto auditável, que poderia ter tido final feliz se ele tivesse se dignado a dialogar educadamente com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ao invés de ter partido para agressões e muitas críticas, cujo resultado foi o malogro das pretensões nesse sentido.

Antes dessa declaração à nação, até então por falta de manifestação do presidente do país, eu já havia começado a escrever no sentido de que, diante do estrondoso é inquestionável apoio popular mostrado ao mundo e ainda tendo em vista a disposição dele de reunir o Conselho da República (que não aconteceu), para possível decretação do Estado de Sítio, só restava se imaginar que o mandatário brasileiro poderia adotar, imediatamente, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, que era o desejo manifestado por seus apoiadores, no último movimento das ruas, de modo a se promover a imprescindível limpeza “democrática”, tão ansiada pelos bravos seguidores dele.

Ou seja, tendo por base o respaldo do povo, o presidente do pais poderia sim ter adotado medidas drásticas, para a implantação das reformas estruturais do Estado e a modernização do sistema eleitoral, com o enxugamento da máquina pública, ou então, se nada disso acontecesse, somente restaria a ele renunciar ao cargo, porque não têm o menor cabimento que o mandatário do país tenha recebido a chave de ouro dos brasileiros, para a deliberação de importantes medidas, e simplesmente nada fizesse e ainda tivesse a indelicadeza de permanecer no cargo, apenas no exercício da pura e recreativa vaselinagem.

Vejam-se que o movimento das ruas, em apoio ao presidente do país, contou com a presença das pessoas mais esclarecidas sobre as questões nacionais, que levaram a ele maciço apoio de suma importância, como forma de decidir, que é algo simplesmente extraordinário e de muito peso político que a inteligência do verdadeiro estadista não teria a menor dúvida para pôr em prática a revolução que se fizesse necessária, tendo a cobertura do povo e das Forças Armadas, que são os principais ingredientes para o governo agir, em termos golpistas, porque à margem da Constituição.

Não obstante, o presidente do país brinda a nação com mudança da estratégia inócua de agressões e críticas a ministros e ao Supremo, que vinha adotando de forma atabalhoada e em dissonância com os princípios da salutar administração, sob o pálio da modernidade, da civilidade e da responsabilidade.  

Sobre a nota tela, ao dizer que nunca teve “intenção de agredir quaisquer dos poderes”, o presidente brasileiro estar assumindo que é o maior mentiroso da história republicana, porque os fatos mostram, com a maior clareza, que ele levou a vida toda no governo agredindo, dia após dia, em verdadeiro massacre, ministros e o próprio Supremo, com palavras duras e desconcertantes, de modo a atingir a honra e a dignidade deles.

Se o presidente do país quisesse fazer as pazes de verdade com os integrantes do Supremo, ele precisaria assumir seus gravíssimos erros, dizendo que tinha errado, sem pôr culpa em nada, e pedir desculpas, a par de retirar todas as palavras sebosas e desrespeitosas que foram proferidas por ele contra a honra de ministros daquela corte.

Por seu turno, não é verdade que o presidente brasileiro, na prática e efetivamente, sempre esteve “disposto a manter diálogo” com ninguém, pois ele se colocou como sendo o suprassumo em tudo, como autoridade soberana que  somente tivesse poder de mando o Executivo.

Do mesmo modo, o presidente do país sempre aproveitou as decisões do Supremo, absurdas ou não, para se vangloriar que não pode governar o país porque vem sendo impedido por elas, quando a verdade diz que ele fazia questão de sequer recorrer do conteúdo delas, exatamente para se passar de vítima e perseguido pela corte, mas agora ele, reconhecendo o seu gravíssimo erro, declara que as questões "devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art. 5º da Constituição Federal.”.

A referida decisão presidencial é da maior importância para a administração pública, porque as sentenças proferidas pelo Supremo normalmente são causadas por atos possivelmente suspeitos de irregularidades e estes podem ser devidamente justificados e esclarecidos por meio dos recursos, na forma do direito constitucional da ampla defesa e do contraditório, com a vantagem de mostrar, se for o caso, a inconsistência das decisões, que eram aceitas, em muitos casos, para o aproveitamento da prática da vitimização usada indevidamente pelo Palácio do Planalto.    

Enfim, é sempre muito bom que venha um dia após o anterior, a possibilitar que o “leão” que rugiu para pregar o desrespeito à Constituição, às decisões do Supremo e chamar um ministro de “canalha”, dando a entender que era o começo do tenebroso golpe, com a intenção de reunir Conselho da República, para a decretação do Estado de Sítio, percebesse que, diante do risco que corria do impeachment do seu mandado, em razão do vislumbrar do retrocesso constitucional à vista, com a ruptura institucional, o poderoso animalzinho que estava sozinho no barco, porque ele contava apenas com o apoio de seus seguidores, o que era insuficiente para a permanência no poder.

Essa terrível situação mostrava que o presidente tinha saído bem mais fraco depois do apoio do povo, diante da possibilidade da decretação de atos antidemocráticos, que não agradavam à classe política dominante, dando a certeza para ele de que foi o contrário o resultado da convocação, não tendo valido de nada o seu esforço, porque ele queria ter sido fortalecido no jogo de braço, para a garantia do seu golpe, que tornou verdadeiro fracasso e a consagração de político derrotado por suas atitudes impensadas e desastrosas, ante o reconhecimento por seu autor.

O presidente poderia ter reconhecido, com grandeza, a sua fragorosa derrota, mas não teve condições de fazê-lo com a própria capacidade, tendo socorrido de texto escrito por seu antecessor no cargo, um pacificador que ele contou para recuar, diga-se, de passagem, em boa hora, das suas reais e maléficas intenções golpistas.

Não obstante, o presidente tem a dignidade de reconhecer seus erros e pedir desculpas aos brasileiros e, o mais importante, ao ministro do Supremo, o seu maior desafeto político, em especial, em face do questionamento de decisões adotadas por ele.

Ao contrário de seus idólatras seguidores, o presidente do país reconhece que vinha prejudicando a vida dos brasileiros com as suas atitudes estabanadas, agressivas e inconsequentes, que estavam também levando o Brasil ao abismo, exatamente porque elas se distanciavam dos salutares princípios da sensatez, da tolerância, da competência e da responsabilidade públicas.

No geral, o presidente brasileiro aproveita o ensejo para juntar, na mesma mensagem, que sequer foi feita por seu governo, mas sim por ex-mandatário brasileiro, um conjunto de mentiras que revela a verdadeira personalidade de quem poderia e deve ser sincero, pelo menos agora, para ter contado para os brasileiros a realidade do que realmente aconteceu e quais as intenções consistentes nas bravatas insistentemente produzidas em forma de críticas e agressões que somente geraram discordâncias e prejuízos aos interesses dos brasileiros, uma vez que as suas palavras, segundo ele, “decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum", quando elas resultaram sim da vontade apenas de mostrar autoridade e poder.

É preciso sim que o mandatário brasileiro tenha a dignidade de assumir, como faz agora, perante a nação, com coragem e despojamento, seus gravíssimos erros na vida pública, embora somente depois do reconhecimento dos fracasso e insucesso das suas perigosas e abusivas investidas contra a honra e a dignidade de autoridades públicas, porque elas não condiziam com a conduta normal do verdadeiro estadista, à vista da provocação do distanciamento de correligionários e do apoio político ao governo, em que pese ainda sentir as graças de brasileiros, como ficou provado com as manifestações de 7 de setembro, mas isso era insuficiente para a sustentabilidade do governo, que se definhava a passos largos, no embalo da derrocada da economia, em que tudo se encaminhava para a vala comum da melancolia.

          Conviria sim que o presidente do país se conscientizasse em assumir, com a maior transparência possível, que as suas atitudes não eram normais, sem necessidade de se colocar culpa em absolutamente nada, como se o calor do momento tivesse o condão de influenciar os arroubos de quem discursava com o propósito de somente mostrar o poder presidencial, sem nenhum sentimento de humildade e apreço por seus adversários, como normalmente fazem as pessoas sensatas, que pensam e ponderam antes das suas atitudes, decisões e manifestações.

Os brasileiros esperam que o presidente da República cumpra fielmente o que escreveu na sua carta à nação, em especial no sentido de respeitar e observar os princípios constitucionais pertinentes às suas funções e à liturgia do verdadeiro estadista, que precisa sobretudo zelar pelo bem comum dos brasileiros.

          Brasília, em 10 de setembro de 2021

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