segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Qual o interesse das críticas?

 

Em discurso durante o CPAC Brasil 2021, o presidente da República criticou severamente um ministro do Supremo Tribunal Federal, tendo mandado recado para ele, da seguinte forma: “Falar em fraude agora virou fake news. Ou eu falo o que os cara querem ou abrem inquérito contra mim. Estão achando que vão me broxar. Estão achando que vou recuar. Eu sei que está do lado deles é muito, muito fácil, mas não fugirei da verdade e nem do compromisso que fiz para com vocês”.

O presidente do país considerou que o referido ministro estar abusando do cargo e, segundo ele, “contaminando a democracia”.

O presidente do país disse que, “No STF, quando ministros estão saindo pela tangente, saindo da curva, o que acontece com eles? Não estou aqui criticando instituições, Câmara, Senado ou Supremo. (…) Temos um ministro no Supremo que está dando um tom completamente errado. Lá, todos devem zelar pela Constituição”.

Em conclusão, o mandatário brasileiro disse que “Não vou dar conselho pra ninguém do Supremo, todos são maiores de 35 anos de idade, são pessoas responsáveis. Com toda certeza temos bons ministros lá, agora este um está contaminando a nossa democracia. Este um está ignorando vários incisos do artigo 5º da Constituição. Está ignorando vários dispositivos da nossa Constituição que falam da liberdade de expressão”.

Nem precisa ter o mínimo de inteligência nem de experiência política, para se perceber a enorme e até expressiva contribuição que o mencionado ministro vem oferecendo ao presidente da República, que vem explorando em todos seus discursos as possíveis malvadezas protagonizadas pelo magistrado, evidentemente na livre opinião de pensar do mandatário tupiniquim, que enxerga erros em todas as decisões do ministro.

O presidente do país não se dá ao luxo de mudar absolutamente nada da fita que vem usando, por repetir em todos os encontros e discursos, sempre enfatizando o quanto o ministro é perverso e incompetente, que não tem, segundo o chefe do Executivo, observado os ditames constitucionais, quando ele deveria apenas zelar pelo cumprimento da Lei Maior, ao desempenhar as funções em estrita obediência à letra da Constituição.

O certo é que não fica bem para o mandatário da nação estar a todo instante acusando e criticando o trabalho das outras autoridades da República, porque isso tem o condão de mostrar, com muita clareza, que ele deixa de se preocupar com as próprias atribuições, que são da maior relevância, diante das ingentes crises que vêm sufocando o seu governo, que patina na falta de iniciativas com relação às questões econômicas e sociais, com destaque para à grave crise da pandemia do coronavírus.

Se realmente o presidente do país quisesse mostrar serviço, sem ficar se preocupando com o que faz ou deixa de fazer os ministros do Supremo, ele poderia se debruçar somente sobre os gravíssimos problemas econômicos que afetam o seu governo, diante, em especial, da falta de emprego, que certamente não teria mais tempo para ver o que se passa ao seu redor, porque eles representam gigantescos cuidados da incumbência constitucional do governo federal.

É muito estranho que o governo se envolva em questão paroquiana, que não diz nada com o interesse propriamente da gestão dele, de vez que, ao que se sabe, as decisões prolatadas pelo aludido ministro dizem respeito exclusivamente a apoiadores do presidente ou a ele diretamente e não ao Estado, cujas implicações precisam ser cuidadas diretamente pelas pessoas arroladas, não cabendo, nesse caso, qualquer interferência do mandatário do país, que perde seu precioso tempo em se meter indevidamente em causa estranha ao Estado.

Além disso, o presidente do país ainda pode incorrer em crime de responsabilidade, por desvio de finalidade pública, quando usa seu precioso tempo para acusar e criticar, sem plausibilidade, autoridades da República, não importando, nesse caso, se as decisões adotadas por elas estão sendo abusivas ou não, por que sem interferência no interesse público, porque, se assim fosse, caberia apenas recursos legais e não inadequadas críticas.

Agora, é preciso ficar bastante cristalino que não assiste a mínima razão ao presidente do pais, em ele ficar reiterada e ridiculamente criticando a atuação do ministro do Supremo, sem se entrar no mérito se elas ferem ou não dispositivos da Carta Magna, porque isso apenas tem o condão de evidenciar o potencial nível de incompetência e despreparo da principal autoridade da República, uma vez que as decisões adotadas nos tribunais e, em especial quando elas têm natureza monocrática, o remédio não passa por críticas públicas, em demonstração ainda de perda do precioso tempo, mas sim por meio de competentes recursos ao plenário do Supremo, no âmbito dos consagrados princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, como são religiosa e normalmente feitos nas nações sérias e evoluídas, em termos político-democráticos.

Nos recursos pertinentes, as partes afetadas ou prejudicadas precisam apenas mostrar a inconsistência da decisão proferida pelo ministro, com a precisa indicação dos dispositivos constitucionais que ele tenha atropelado na sua sentença, de modo a ficar bastante evidenciado que o erro de que se trata precisa ser urgentemente reparado, não havendo, nesse caso, que ninguém, muito menos o mandatário do país fique criticando e acusando, em evidente perda do seu valioso tempo, que poderia ser aproveitado em trabalho que resulte em benefício para a população, como é da essencialidade da função presidencial.

Com o detalhe ainda da maior importância a ser observado, que diz que os recursos pertinentes precisam ser feitos exclusivamente pelas partes afetadas, cabendo, nesse caso, ao presidente do país, para o exato cumprimento do seu dever constitucional, apenas se distanciar dessas questões e procurar se emprenhar na intensificação, ainda mais, sobre os seus deveres e cuidados institucionais, que estão exigindo a sua redobrada atenção.

Enfim, é preciso ficar bem claro que as funções presidenciais não estão sendo desempenhadas a contento pelo chefe do Executivo, em especial quando ele se desvia do seu trabalho normal para se preocupar com o controle das decisões de ministro do Supremo, fazendo indevida avaliação sobre a eficácia delas, uma vez que ele é absolutamente incompetente para esse mister.

O pior e mais ridículo de tudo isso é que o presidente da República, se achando coberto de razão, diante do que é exatamente o contrário, ainda manda recado, para dizer que “Estão achando que vão me broxar. Estão achando que vou recuar.”, quando, à luz dos princípios da inteligência, do bom senso e da racionalidade, ele jamais deveria ter entrado em assunto onde a sua presença é absolutamente desnecessária e inoportuna, diante da visível falta de motivação pública, ficando evidenciado que a sua participação nesse caso somente confirma a sua ingenuidade político-administrativa, em total desprestígio da real importância do exercício do cargo presidencial, que ele deveria assumi-lo na plenitude.

Enfim, a propósito das críticas presidenciais, sob o prisma desta explanação, é bem provável que o ministro do Supremo esteja “dando um tom completamente errado.”, no dizer do mandatário brasileiro, mas certamente este senta nos próprios erros, visto que não é permitido a ele cuidar de interesses senão do Estado e apenas por meio da comunicação oficial e por via dos protocolos de praxe, onde não se prevê, absolutamente, forma de crítica nem de acusação, diante da relevância do mandato delegado a ele pelo povo, que exige posturas de elegância, dignidade, sensatez e respeito em todas as formas de tratamento oficial.

É evidente que nada do que consta aqui analisado diz com a defesa senão da dignidade que precisa prevalecer no cargo presidencial, que não pode descer ao nível de se permitir de botequim em cada encontro do seu titular com o povo, porque isso somente contribui para a inferiorização da sua relevância.  

Convém que o presidente da República se conscientize, o mais rapidamente possível, de que as funções institucionais do verdadeiro estadista é o de cuidar exclusivamente das questões de incumbência ao Executivo, para as quais ele foi eleito, de modo a se respeitar, na forma da autonomia e da independência constitucionais inerentes aos poderes da República, as decisões proferidas pelas autoridades públicas, lembrando que o único caminho para contrapô-las, com a devida competência técnico-jurídica, à vista dos princípios da racionalidade e da legalidade, é somente pela via de recursos apropriados e somente quando o seu teor comprometa ou prejudique diretamente os interesses do Estado.               

          Brasília, em 6 de setembro de 2021

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