domingo, 2 de junho de 2013

Odiável privilégio

Como se não bastasse a injustificável parcialidade, pela denominada Comissão da Verdade, das apurações dos crimes do regime militar, a Comissão de Mortos e Desaparecidos decidiu excluir, da política de indenizações por mortes e torturas cometidas nos anos de chumbo, os participantes da resistência sem vínculos, tanto no passado como no presente, a partidos políticos e centrais sindicais. A Secretaria de Direitos Humanos constatou que somente vítimas ou famílias de mortos que, a partir da redemocratização, migraram de organizações clandestinas para sindicatos ou novas legendas de esquerda obtiveram êxito nos seus pleitos de reparação do Estado. Levantamentos realizados em 51 pedidos de famílias de camponeses assassinados mostram que apenas 29 indenizações, que provaram a "militância político-partidária" do parente, foram deferidas pela Comissão de Mortos e Desaparecidos. O restante dos pedidos, no total de 22, foi recusado por se referir a casos de pessoas sem vinculação partidária ou sindical. Segundo o coordenador desta comissão: "Quem participou de movimentos políticos organizados ou se lançou na política depois teve mais facilidade de acesso aos benefícios das Leis dos Mortos e Desaparecidos e da Anistia". Trata-se de exclusão absolutamente polêmica e injusta, porque o objetivo da política de reparação de vítimas não se destina ao reconhecimento de direitos humanos somente para determinadas pessoas, no caso, aquelas vinculadas a partidos ou sindicatos, porquanto a lei de regência desse direito, como não poderia ser, jamais faria distinção quanto à situação de esquerda ou direita dos beneficiários. No Estado Democrático de Direito, não há justificativa para se conceder preferência à determinada facção, por mais privilégio que ela mereça, conquanto é imperioso que haja tratamento isonômico para as pessoas que realmente foram vitimadas pelo regime militar e que seja abolida, por ser injusta e indigna, a exclusão de camponeses e de pessoas consideradas sem vínculos partidários ou sindicais do direito às indenizações em causa. Como a finalidade da lei de anistia é reparar danos sociais, não pode comissão fazer distinção, discriminação ou estabelecer critério de indenização que não conste da norma legal. A vontade do legislador se destina a fazer justiça para com aqueles que realmente foram prejudicados nos seus direitos humanos, não importando se os envolvidos sejam ou não militantes de partido, porque isso não se coaduna com a finalidade pretendida de reparação. Não há dúvida de que a Comissão de Mortos e Desaparecidos merece censura, por direcionar a finalidade da Lei de Anistia, nesse particular, para o atendimento de interesses preferenciais e partidários, em contraposição aos princípios da igualdade constitucional. Compete aos órgãos responsáveis pelo zelo e pela fiscalização da correta aplicação das normas legais impedir que o objetivo primacial da citada lei seja violado, desvirtuado, como ficou patente no caso em comento. A sociedade repudia com ardor o critério de vinculação a partidos de esquerda ou sindicatos para indenização das vítimas do regime militar e exige que os objetivos das Leis dos Mortos e Desaparecidos e da Anistia, consistentes no pagamento de indenizações, sejam efetivamente alcançados com a observância aos princípios constitucionais da isonomia, com embargo dos escusos interesses não previstos na vontade legal. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 1º de junho de 2013

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