A presidente da República nomeou uma advogada filha
de um ministro do Supremo Tribunal Federal para o cargo de desembargador do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange o Rio de Janeiro e o
Espírito Santo.
A advogada é especialista em Direitos Tributário e
Administrativo e foi a mais votada em lista tríplice enviada pelo TRF-2 à
presidente do país, após disputa pelo cargo entre outros dois advogados considerados
com maior experiência do que a dela. No meio jurídico, ela tem a reputação de advogada
promissora, mas que dificilmente chegaria tão cedo à lista tríplice se o pai
não estivesse na Excelsa Corte de Justiça.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, no ano passado, o pai da advogada a defendeu,
tendo alegado, na ocasião, que “Se ser
novo apresenta algum defeito, o tempo corrige”.
O ministro manteve contato com desembargadores para
tratar da indicação da filha, mas negou que teria pedido qualquer coisa, tendo
argumentado que “Jamais pedi voto, só
telefonei depois que ela os visitou para agradecer a atenção a ela”. Ou
seja, fica muito claro que, com os assumidos contatos com magistrados, houve
sim criminoso tráfico de influência nesse questionável episódio, pelo simples
fato de que os contatos não teriam sido realizados por simples cortesia, caso
não houvesse o interesse dele na nomeação da filha. Tanto isso é verdade, que,
por certo, ele não deve ter mantido contato com outros desembargadores alheios
ao processo de nomeação da sua filha.
Tudo isso não passa de jogo de cena, na tentativa
de justificar o injustificável, quanto mais em se tratando do meio jurídico,
onde jamais deveria haver questionamento quanto aos procedimentos dos
magistrados, que deveriam se comportar com conduta ilibada e acima de qualquer
suspeita, mas, na realidade, sempre há o tráfico de influência e o jeitinho
brasileiro das vergonhosas formas de se “levar vantagem” em tudo e da velha e
sebosa “pistolagem” nas indicações para cargos no Judiciário.
A situação referente à nomeação em causa é tão
ridícula que, em 2013, outro ministro do Supremo, originário do Rio de Janeiro,
enviou carta a desembargadores do TRF da 2ª Região exaltando, pasmem, as
qualidades excepcionais da filha do seu futuro colega de trabalho, eis que os
elogios foram promovidos em fase anterior ao ingresso dele na corte, cuja retribuição
pela carta foi feita tempos depois, por meio do comparecimento dela à posse de
seu padrinho missivista. Ou seja, não adianta negar a realidade dos
acontecimentos, porque os fatos falam por si sós.
Logo em seguida à nomeação em referência, a imprensa
nacional registrou o feito com títulos espirituosos, entre os quais os de “Sobrenomes Famosos” e “A Filha da Corte”, naturalmente em
deboche à indicação visivelmente arranjada e esdrúxula, para os padrões de
moralidade e seriedade que devem imperar nos Tribunais Superiores.
Um famoso jornalista do site da Veja analisou a matéria tela, dizendo
que “Já concordei muito com o ministro
Marco Aurélio Mello e também já discordei muito dele. O mesmo vale para Luiz
Fux. Acredito que as respectivas filhas sejam competentíssimas. Até por isso,
dispensam, então, esse amor paternal que extrapola o ambiente doméstico e se
estende à vida pública. Com a devida vênia, ministro, um telefonema de
agradecimento de um Marco Aurélio Mello tem peso distinto do de outro, feito por
J. Pinto Fernandes. Quem é este? Aquela personagem de um poema de Drummond ‘que
não tinha entrado na história, um
qualquer. Se há Poder que tem de ser
e de parecer mais republicano do que os outros, esse é o Judiciário. Até porque
é uma espécie de Poder dos Poderes, né? É um “megapoder”, que disciplina a si
mesmo e aos outros. Dilma é obrigada a nomear a primeira da lista? Não! Só o
faz se quiser. Fica tudo meio incômodo. Restam duas suspeitas: a de que pesou a
influência do pai e a de que a presidente decidiu fazer uma deferência a um
ministro do STF. O conjunto da obra não é bom”.
À
toda evidência, a questionada indicação jamais seria emplacada se a advogada fosse
filha de ministro do Supremo Tribunal Federal com tendência contrária ao
governo ou se ela fosse apenas filha de J. Pinto Fernandes, aquele da história
acima, mesmo que ela seja suprassumo no domínio de matérias jurídicas, mas
precisa, nesses casos, que a pessoa tenha QI (quem indica) altíssimo.
A
aprovação em apreço reflete exatamente as condições de precariedade e de
promiscuidade como são preenchidos, na atualidade, os cargos nos Tribunais Superiores,
que têm como critério, entre outros não apropriados, o esdrúxulo poder do “QI”,
em prejuízo do sistema do mérito e das qualidades técnico-profissionais
intrínsecas dos magistrados, em se tratando do preenchimento de cargo público.
Essa
forma bastante questionável de preenchimento de cargos contraria disposto
constitucional que obriga o ingresso no serviço público por meio de concurso
público, mediante provas e provas e títulos, e ainda privilegia a
desqualificação da estrutura da administração pública, diante da fragilização
da independência e da autonomia dos poderes, tendo em vista a influência que o
Executivo, aquele que indica, passa a ter sobre o indicado, que fica obrigado,
via de regra, a não decidir em contrariedade aos interesses de seus
apadrinhados.
Certamente
que, nem nas piores republiquetas, ainda se admitem procedimentos tão
perniciosos ao interesse público como esse de se nomear com base no DNA do
candidato, sem se atentarem, na essência, para as suas qualidades
técnico-especializadas e profissionais, tendo em conta possíveis futuras
recompensas na condução de processo da administração, como forma de eterna gratidão.
A
sociedade, a par de repudiar, com veemência, essa espúria forma de
preenchimento de cargo público, por envolver interesse social e a moralidade da
administração pública, precisa amadurecer e se conscientizar, com urgência,
sobre a pobreza de critério prevalente na administração do país, à vista do
caso em comento, na forma como ocorrido, para exigir que as nomeações para tribunais
sejam feitas rigorosamente sob o critério do sistema de mérito e
preferencialmente por concurso público, conforme estabelece, de modo exemplar,
dispositivo da Carta Magna, como forma de assegurar plena legitimidade do
processo respectivo, com embargo das espúrias, indevidas e injustificáveis
indicações por meio de meras listas tríplices, normalmente preparadas com o
peso do apadrinhamento e da pistolagem, absolutamente condenáveis, por
representarem a cara do coronelismo e do retrocesso da civilidade. Acorda,
Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 31 de dezembro de 2015