quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A mediocridade da saúde pública


No começo do século XX, diante da gravidade da epidemia da febre amarela, o Serviço de Profilaxia foi criado para agir com a maior intensidade e eficiência, à procura, em todos os lugares, do invasor mortífero. Tudo era revirado, até encontrar o Aedes aegypti, cuja missão teria por objetivo o seu extermínio, por meio de processo rigorosamente planejado e estruturado para matar o mal pela raiz.
Foi o sanitarista e médico Oswaldo Cruz o responsável pela criação do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, criado para combater, de forma implacável, a epidemia da febre amarela, que era também transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, que se expandia em larga escala no país.
As conhecidas brigadas de mata-mosquitos eram conhecidas por sua ação muitas vezes de forma truculenta, em nome da assepsia que precisava ser executada com inseticidas capazes de eliminar focos de insetos, por meio de modelo de ação inspirada nos quarteis militares.
As medidas foram tão bem executadas, apesar das severas e injustas críticas, que surtiram efeito em pouco tempo e, em março de 1907, a febre amarela foi considerada erradicada no Rio de Janeiro e nas áreas urbanas, segundo afirmam os registros oficiais.
Àquela época, não existindo métodos eficazes para combate à febre amarela, como vacina e outros sistemas alternativos, houve então a feliz iniciativa da criação das brigadas para exterminar o Aedes aegypti, que foi caçado sob lupa, cujo método foi reconhecido valioso, por sua comprovada eficácia.
Segundo os registros, os agentes percorriam as ruas e entravam nas casas, lavavam caixas de água, jogavam remédio em ralos e bueiros, limpavam telhados e calhas, instalavam redes de proteção, removiam qualquer local passível de desova de mosquitos, num trabalho exaustivo de combate à doença.
Era comum a invasão de casas pelas brigadas, mesmo quando elas não eram bem-vindas, por parte de pessoas que não entendiam direito a grave situação de epidemia.
Diante do incômodo da situação, parte da população chegava a conseguir habeas corpus para impedir a invasão sanitária, mas o então sanitarista colocava suas brigadas para trabalhar de madrugada, pegando de surpresa os moradores.
Quando eram encontrados doentes em casas, os agentes desinfetavam o local e providenciavam o isolamento domiciliar do paciente ou o transferiam para hospital de isolamento.
Em que pese o exemplo magnífico desse baluarte sanitarista, o Aedes aegypti voltou com força no fim dos anos 80 e, desde 1990, os brasileiros foram obrigados a conviver com permanentes e crônicas epidemias sazonais de dengue no verão, cujas consequências são centenas de mortes, que nada representam para autoridades públicas, que deixam de adotar as providências com a finalidade de exterminar, por todos os meios e formas, o temível mosquito da dengue.
Para agravar ainda mais a terrível situação, neste ano, surgiram duas novas epidemias, ambas transmitidas pelo mosquito, ganharam destaque negativo: a chikungunya e a zika, sendo que esta última vem causando grave problema, de efeito alarmante, por ser bem maior do que o imaginado originalmente e com um impacto social devastador, conhecido pelo caso de zika, o que já é mais do justificável a caça ao mosquito com implacáveis métodos militares, como forma de eliminar sem trégua e sem folga essa praga, que aterroriza a população desprezada pela completa omissão do Estado, que somente promove reuniões aqui e ali, diante da gravidade da situação, mas sem qualquer medida efetiva e definitiva, como foi feito em tempos remotos, quando não existiam os meios e os recursos tecnológicos da atualidade, o que facilitariam a eliminação desse mosquito que jamais deveriam infernizar, no século XXI, a população.
Um epidemiologista do Departamento de Clínica Médica da UERJ afirma que "De fato, até o fim dos anos 80, a questão era dada por resolvida. Mas as coisas mudaram muito. Naquela época não havia a mobilidade de hoje, com o fluxo constante de pessoas para todo lado".
E evidente que há dificuldades para lidar com o problema, principalmente quando inexistem prioridade e mobilização por parte das autoridades incumbidas das questões de saúde pública, que deveriam se empenhar de maneira redobrada e revolucionária, sob pena de, em pleno século XXI, o homem moderno ficar refém do mosquito Aedes aegypti, em vergonhosa e vexatória façanha que deixaria o mais famoso sanitarista brasileiro achando que o homem passa por processo de involução, quando deveria ser o contrário.
As evidências naturais indicam que, sob o prisma da operacionalidade, não há fórmula fácil para se caçar e combater o mosquito, na atualidade, que ainda tem o complicador das mudanças climáticas no país continente, mas nem por isso, a população pode se acomodar diante de desculpas esfarrapadas nesse sentido, porque o que contam mesmo são o esforço e o emprenho das autoridades públicas, que não podem alegar dificuldades para trucidar o mosquito, não importando as adversidades, porque a vida humana exige priorização de políticas públicas específicas para o saneamento da questão.
A prevenção é importante forma de combate às doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, porque é por meio dela que se pode evitar, por exemplo, o acúmulo de água parada em recipientes que podem servir de criadouros. O fato em si não é suficiente para o saneamento do problema, porque o governo precisa conscientizar e educar a população, com informações permanentes, de modo que ela seja convocada para participar e contribuir para a efetividade e a eficiência dos programas governamentais, que devem ser executados de forma prioritária e com a agressividade que não permita a mínima chance à proliferação do mosquito.
É muito triste e desesperador que o país tupiniquim, em pleno século XXI, com todos os avanços científicos e tecnológicos, demostre que ainda existe imaginável desprezo à saúde pública, ao permitir que desprezível mosquito seja causador de centenas de mortes e de sofrimento de milhares de brasileiros e ainda continue atormentando os brasileiros, tudo por culpa de governantes despreparados e irresponsáveis que somente priorizam a manutenção no poder, mas se omite em relação à eficiência das políticas públicas, em especial da saúde pública e da valorização da vida humana.
Trata-se de mais um descaso que não justifica a adoção de medidas tardias, quando a tragédia já causou enormes estragos.
Diante dos prejuízos já causados às vidas humanas, as autoridades incumbidas da saúde pública precisam ser responsabilizadas por sua omissão, como forma de se exigir penalização por suas omissões e culpas por terem permitido que a situação chegasse à tamanha e injustificável precariedade.
É evidente que a responsabilidade pelo combate às epidemias e pela eliminação das causas delas é primariamente das autoridades públicas incumbidas legalmente da saúde pública, em consonância com as políticas previstas e estabelecidas constitucional e legalmente, na forma das programações orçamentárias aprovadas com essa finalidade, a exemplo do que é feito rigorosamente nos países civilizados, onde ninguém morre em razão da injustificável omissão dos governantes, que são conscientizados sobre a sua responsabilidade de proteger a população contra toda espécie de doenças, que não medem esforços para proteger a população. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 16 de dezembro de 2015

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