quarta-feira, 16 de março de 2016

A abdicação do poder


O Palácio do Planalto anunciou a nomeação do ex-presidente da República petista para o cargo de ministro da Casa Civil, sob o argumento de que essa medida objetiva a integração do líder partidário ao núcleo político do governo para ajudar a presidente da República a recompor a base política no Congresso Nacional e tentar barrar o processo de impeachment.
Não obstante, o principal motivo da ida do petista para o Palácio do Planalto é conseguir, na verdade, a sua blindagem contra as garras do juiz que comanda a Operação Lava-Jato, na primeira instância, que não tem competência constitucional e legal para julgar ministro de estado, que goza do absurdo e inadmissível foro privilegiado, que contraria o fundamental princípio constitucional que estabelece que os brasileiros são iguais perante a lei, sem qualquer exceção, em direitos e obrigações.
Com base nessa aberração jurídica, os ministros de estado gozam do direito do foro privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal, que assumirá, no caso específico, o comando das investigações sobre o petista, talvez imagine poder ser beneficiado nessa nova configuração, pelo fato de ele ter nomeado parcela expressiva dos ministros daquela Corte, fato que não passa de verdadeira aberração, pela presunção de que a elevação do grau de jurisdição possa contribuir para a obtenção de vantagens pessoais, quando os magistrados também têm redobradas as suas responsabilidades perante a sociedade, que é quem banca as suas remunerações ou subsídios.
O ato em apreço traz em seu bojo um mar de questionamentos, uma vez que a nomeação do ex-presidente para ocupar cargo importante do governo se dá em meio às investigações conduzidas pela Justiça Federal, com a finalidade de esclarecer vários atos com suspeitas de irregularidades, cujo autoria vem sendo atribuída a ele, principalmente em razão do possível recebimento de vantagens indevidas do esquema de corrupção que atuava na Petrobras e conseguiu destruí-la, por meio do aparelhamento comando diretamente pelo Palácio do Planalto.
Embora o ex-presidente tenha negado, de forma peremptória, não ter nada com os fatos investigados, por ele ter, supostamente, omitido das autoridades ser o dono de um apartamento tríplex e de um sítio, onde foram realizadas suntuosas e luxuosas reformas com recursos de empreiteiras e empresas de amigos dele, que estão sendo objeto de investigação pela Operação Lava-Jato.
Por enquanto, em razão dos fatos já levantados e a convicção sobre a materialização de irregularidades, o Ministério Público de São Paulo pediu a prisão preventiva do ex-presidente, cujo processo deverá passar para alçada da Excelsa Corte de Justiça, fato que, por si só, já seria capaz de impedir a nomeação de pessoa investigada para o exercício de cargo público da maior relevância de ministro, tendo em vista a necessidade do preenchimento, entre outros, do requisito de conduta ilibada, sem qualquer mácula que possa assegurar o primado da probidade administrativa.
Não há a menor dúvida de que estão completamente corretas as afirmações de um lado, do governo, que garante que a nomeação em comento é medida indispensável à contenção da grave crise política, e do outro, da oposição, que assegura, de forma insofismável, que se trata de pura blindagem do ex-presidente contra as implacáveis investigações da Operação Lava-Jato e do Ministério Público de São Paulo, que até já pediu a prisão dele, o que, em ambos os casos, não se vislumbra qualquer contribuição para o aperfeiçoamento da administração pública.
Ao confirmar que o petista terá o principal papel de ajudar a combater as crises política, econômica e administrativa, o governo simplesmente confirma o que todo mundo já sabe quanto à incompetência da presidente, que delega a ele os poderes presidenciais, em cristalina evidência de que, doravante, a petista pode descansar em paz, diante da abdicação do poder para quem nunca deixou de comandar de fato a nação.
Agora ele passa a fazê-lo diretamente do Palácio do Planalto, fato que constitui assombroso escândalo republicano, porque o país será dirigido por pessoa que não foi eleita para tanto, em verdadeira demonstração de desprezo aos princípios da legalidade, transparência e, em especial, à dignidade dos brasileiros que deixam de ser comandados por pessoa eleita com o sufrágio universal, cujo processo é agora totalmente ignorado, constituindo péssima notícia para os brasileiros, que não mereciam descomunal bofetada na cara.
É evidente que isso só demonstra o total enfraquecimento da administração do país, que contribuiu para o descrédito da presidente, que não teve a dignidade de renunciar ao cargo, para o bem do país e dos brasileiros, pela reiterada comprovação de incompetência, à vista do fracasso do seu governo na execução das políticas públicas, em especial da econômica, muito bem representada pelo terrível retrocesso, que é materializado na forma de desemprego, infração alta, taxas de juros nas alturas, redução de salários, desindustrialização, crescimento das dívidas públicas, redução de arrecadação, inexistência de investimentos em obras indispensáveis ao desenvolvimento nacional, entre outras precariedades que estão contribuindo para dificultar a retomada do crescimento socioeconômico.
Trata-se de verdadeira fuga ao enfrentamento da Justiça, em todas as suas instâncias, cuja questionada nomeação certamente não teria acontecido outras circunstâncias, eis que a precariedade da administração do país vem se degenerando de longa data e o nomeando somente agora aceita ser o salvador da pátria, como é o deseja da mandatária do país.
Resta saber se o ex-presidente terá tempo suficiente para ajudar a tirar o país das profundas crises, à vista do seu envolvimento em vários escândalos que estarreceram e causavam perplexidade aos brasileiros, não parecendo que seja justo que seja adotada medida com viés afrontoso à dignidade da população, pela precipitada nomeação agora, quando as investigações sobre o ex-presidente apontam irregularidades que, queira ou não, precisam antes ser julgadas pelo Poder Judiciário, que caberá dizer se elas procedem ou não, para que depois haja legitimidade no ato presidencial, uma vez que os fatos de suspeição de irregularidades existem e não podem ser ignorados, apenas pelo simples fato da presunção da inocência.
Nunca na história deste país um homem público foi capaz de fugir do julgamento de juiz federal que já demonstrou sua inflexibilidade diante de atos irregulares de corrupção, cujo acusado prefere o escudo do não menos afrontoso foro privilegiado, que o próprio nome não combina com a dignidade da verdadeira cidadania, porque privilégio é sentimento de reprovação entre os brasileiros, que estão todos sujeitos ao regramento jurídico do princípio isonômicos de direitos e obrigações.
A transformação do petista em ministro demonstra que o homem que se diz ser o mais honesto do planeta aceita a proteção da saia presidencial, para ser blindado contra as garras do comandante da Operação Lava-Jato, cuja competência evidenciada como antídoto do acovardamento de muitos homens públicos, que não conseguem enfrentar por seus próprios meios e recursos contestatórios as acusações sobre a possível prática de atos irregulares.
Os brasileiros precisam se conscientizar de que a nomeação em causa representa ato de extremo egoísmo, em detrimento dos interesse nacionais, porque a presidente do país deixa transparecer que a ida do petista para a Casa Civil tem por exclusivo objetivo a salvação do seu governo, para possibilitar a permanência dela no cargo de presidente da República, que se encontra em vacância há bastante tempo, à vista da degeneração das estruturas das instituições públicas, que não conseguem executar absolutamente nada com a indispensável competência e eficiência. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 16 de março de 2016

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