Segundo notícia publicada na mídia, uma médica pediatra
de Porto Alegre (RS) se recusou a atender criança de um ano e meio de idade,
pelo simples fato de, pasmem, ser filha de pai militante do Partido dos
Trabalhadores.
A mãe da criança relatou essa triste e absurda, mas
dura e real, situação em que a política agora interfere nas relações que
deveriam se restringir tão somente no âmbito do atendimento médico-paciente,
estritamente no que diz respeito aos princípios fundamentais de civilidade e
humanidade, como forma de contribuir para os seus aprimoramento e
aperfeiçoamento, com o emprego dos ensinamentos dos importantes recursos da
medicina.
Segundo a mãe da criança, “Na semana passada, no auge dos ataques contra o presidente Lula (após
nomeação para ministro da Casa Civil e divulgação dos grampos) fui surpreendida por uma mensagem da
pediatra do meu filho a dizer que estava declinando de maneira irrevogável de
atender o Francisco por eu ser petista”. Ela acrescentou que a médica era
pediatra de seu filho “desde que ele
nasceu”.
A mensagem enviada pela médica à mãe da criança foi
vazada nestes termos: “Bom dia Ariane. Estou neste instante declinando em
caráter irrevogável da condição de pediatra de Francisco. Tu e teu esposo fazem
parte do Partido dos Trabalhadores (ele do PSOL) e depois de todos os
acontecimentos da semana e culminando com o de ontem, onde houve escárnio e
deboche do Lula ao vivo e a cores, para todos verem (representante maior do teu
partido), eu estou sem a mínima condição de ser pediatra do teu filho. Poderia
inventar desculpas, te atender de mau humor, mas prefiro a HONESTIDADE que
sempre pautou minha vida particular e pessoal.
Se quiser posso fazer um breve relatório do prontuário dele para tu
levar a outro pediatra. Gostaria que não insistisse em marcar consultas mais. Estou
profundamente abalada, decepcionada e não posso de forma nenhuma passar por
cima dos meus princípios. Porto Alegre tem muitos pediatras bons. Estarás bem
acompanhada. Espero que compreendas”.
No entendimento do presidente do Sindicato dos
Médicos do Rio Grande do Sul, manifestado em entrevista ao site Pragmatismo
Político, a conduta da médica foi “absolutamente
ética”, porque a pediatra não tem que se arrepender de sua atitude, mas sim
de “se orgulhar, porque agiu de maneira
ética e honesta”.
Diante dos fatos que causaram enorme polêmica, o
Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul decidiu que vai abrir
sindicância, na forma do seu Estatuto, para investigar a denúncia em apreço.
Em princípio, o presidente do sindicado em apreço
faltou com a ética profissional, por se antecipar à conclusão da sindicância,
ao dizer que se trata de atitude ética da médica, que até pode ser sob o ponto
de vista dele, em lamentável defesa explícita do corporativismo, que também é
censurável, mas, certamente, não será da opinião das pessoas sensatas e de bom
senso, que não podem concordar que, em pleno século XXI, um profissional da
mais relevante área de utilidade pública possa recusar a prática do seu mister,
sob o desprezível e inominável argumento de que antipatiza o sentimento
ideológico dos país do paciente.
É lamentável que a
médica tenha confundido os sentimentos políticos com o puro dever profissional
de cuidar da saúde do ser humano, fato que demonstra absoluto desprezo ao seu
precioso juramento de médico, segundo o qual nada pode interferir no seu ofício
que possa causar, de forma injustificável, a ruptura da sua obrigação de cuidar
da saúde das pessoas, sob pena da quebra do compromisso de partilhar seus
conhecimentos médicos em prol da preservação e da construção da vida.
A
propósito, convém que seja transcrito o juramento que tem sua autoria atribuída
ao “Pai da Medicina”, nestes termos: “Eu
juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higia e Panacea e por todos os deuses e
deusas, a quem conclamo como minhas testemunhas, juro cumprir, segundo meu
poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus
pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for,
com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos;
ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem
remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das
lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os
discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei
os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para
causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal
nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher
uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não
praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação
aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos
doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução
sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres
ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no
convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar,
eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com
fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão,
honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o
contrário aconteça.”. Hipócrates
A ética médica tem se pautada, há séculos, pelo célebre “Juramento
de Hipócrates”, que estabelece, com bastante sabedoria, as bases e os
princípios essenciais às atividades da profissão da medicina, onde não se vislumbra
a menor possibilidade de seus seguidores recusarem pacientes, ainda que sejam
ultrarrelevantes os motivos alegados, sob pena de se contribuir para a completa
invalidade dos princípios de extremo sentimento humanitário.
Os brasileiros precisam
se conscientizar, com vistas à consolidação da melhor construção da sua sensibilidade
humanitária, de que a saúde e a vida do ser humano estão acima de quaisquer sentimentos
ideológicos, porquanto o dever profissional é indiscutivelmente apartidário e não
deve se confundir ou ser comparado, por qualquer motivo, com mera preferência ou
simpatia pessoal, sob pena de se negar o milenário compromisso hipocrático, que
tem sido a viga mestra seguida historicamente pelos profissionais da medicina. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 31 de março de 2016
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