quinta-feira, 31 de março de 2016

E o juramento do "Pai da Medicina"?


Segundo notícia publicada na mídia, uma médica pediatra de Porto Alegre (RS) se recusou a atender criança de um ano e meio de idade, pelo simples fato de, pasmem, ser filha de pai militante do Partido dos Trabalhadores.
A mãe da criança relatou essa triste e absurda, mas dura e real, situação em que a política agora interfere nas relações que deveriam se restringir tão somente no âmbito do atendimento médico-paciente, estritamente no que diz respeito aos princípios fundamentais de civilidade e humanidade, como forma de contribuir para os seus aprimoramento e aperfeiçoamento, com o emprego dos ensinamentos dos importantes recursos da medicina.
Segundo a mãe da criança, “Na semana passada, no auge dos ataques contra o presidente Lula (após nomeação para ministro da Casa Civil e divulgação dos grampos) fui surpreendida por uma mensagem da pediatra do meu filho a dizer que estava declinando de maneira irrevogável de atender o Francisco por eu ser petista”. Ela acrescentou que a médica era pediatra de seu filho “desde que ele nasceu”. 
A mensagem enviada pela médica à mãe da criança foi vazada nestes termos: “Bom dia Ariane. Estou neste instante declinando em caráter irrevogável da condição de pediatra de Francisco. Tu e teu esposo fazem parte do Partido dos Trabalhadores (ele do PSOL) e depois de todos os acontecimentos da semana e culminando com o de ontem, onde houve escárnio e deboche do Lula ao vivo e a cores, para todos verem (representante maior do teu partido), eu estou sem a mínima condição de ser pediatra do teu filho. Poderia inventar desculpas, te atender de mau humor, mas prefiro a HONESTIDADE que sempre pautou minha vida particular e pessoal.  Se quiser posso fazer um breve relatório do prontuário dele para tu levar a outro pediatra. Gostaria que não insistisse em marcar consultas mais. Estou profundamente abalada, decepcionada e não posso de forma nenhuma passar por cima dos meus princípios. Porto Alegre tem muitos pediatras bons. Estarás bem acompanhada. Espero que compreendas”.
No entendimento do presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul, manifestado em entrevista ao site Pragmatismo Político, a conduta da médica foi “absolutamente ética”, porque a pediatra não tem que se arrepender de sua atitude, mas sim de “se orgulhar, porque agiu de maneira ética e honesta”.  
Diante dos fatos que causaram enorme polêmica, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul decidiu que vai abrir sindicância, na forma do seu Estatuto, para investigar a denúncia em apreço.
Em princípio, o presidente do sindicado em apreço faltou com a ética profissional, por se antecipar à conclusão da sindicância, ao dizer que se trata de atitude ética da médica, que até pode ser sob o ponto de vista dele, em lamentável defesa explícita do corporativismo, que também é censurável, mas, certamente, não será da opinião das pessoas sensatas e de bom senso, que não podem concordar que, em pleno século XXI, um profissional da mais relevante área de utilidade pública possa recusar a prática do seu mister, sob o desprezível e inominável argumento de que antipatiza o sentimento ideológico dos país do paciente.  
É lamentável que a médica tenha confundido os sentimentos políticos com o puro dever profissional de cuidar da saúde do ser humano, fato que demonstra absoluto desprezo ao seu precioso juramento de médico, segundo o qual nada pode interferir no seu ofício que possa causar, de forma injustificável, a ruptura da sua obrigação de cuidar da saúde das pessoas, sob pena da quebra do compromisso de partilhar seus conhecimentos médicos em prol da preservação e da construção da vida.
A propósito, convém que seja transcrito o juramento que tem sua autoria atribuída ao “Pai da Medicina”, nestes termos: “Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higia e Panacea e por todos os deuses e deusas, a quem conclamo como minhas testemunhas, juro cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.”. Hipócrates
A ética médica tem se pautada, há séculos, pelo célebre “Juramento de Hipócrates”, que estabelece, com bastante sabedoria, as bases e os princípios essenciais às atividades da profissão da medicina, onde não se vislumbra a menor possibilidade de seus seguidores recusarem pacientes, ainda que sejam ultrarrelevantes os motivos alegados, sob pena de se contribuir para a completa invalidade dos princípios de extremo sentimento humanitário.
Os brasileiros precisam se conscientizar, com vistas à consolidação da melhor construção da sua sensibilidade humanitária, de que a saúde e a vida do ser humano estão acima de quaisquer sentimentos ideológicos, porquanto o dever profissional é indiscutivelmente apartidário e não deve se confundir ou ser comparado, por qualquer motivo, com mera preferência ou simpatia pessoal, sob pena de se negar o milenário compromisso hipocrático, que tem sido a viga mestra seguida historicamente pelos profissionais da medicina. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
        Brasília, em 31 de março de 2016

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