domingo, 16 de outubro de 2016

A falta de caráter

O gol anulado, validado e novamente anulado do Fluminense causou bastante polêmica no seio do noticiário esportivo, ante a suspeita de que a celeuma somente aconteceu devido à interferência externa, ou seja, alguém pode ter informado ao árbitro da partida daquele time com o Flamengo que o questionado gol foi feito por jogador em situação de impedimento, o que não poderia ter sido validado.
Acontece que a interferência externa ainda não foi oficializada no futebol, em que pese isso já ser objeto de velha e intensa discussão, à vista de haver o generalizado reconhecimento de que o auxílio tecnológico somente proporciona benefício para a futebol, por garantir segurança nos casos de lances polêmicos.
À toda evidência, pode-se afirmar que o erro foi corrigido pelo árbitro, que fez a coisa certa e a justiça aconteceu normalmente, como era de se esperar, mas os tricolores cariocas ficaram indignados com ele, por entenderem que o auxílio externo não pode servir de parâmetro para decisão tão importante.
A verdade é que, caso ele validasse o gol, teria cometido gravíssimo erro, diante do claro impedimento da jogada que o ocasionou, fato que mudaria o placar do jogo, o que também poderia causar prejuízo para um time ou benefício para outro.
Na maior cara de pau, o presidente do Fluminense saiu-se com essa “pérola”: “Sou o maior defensor do uso de vídeo, mas ele ainda é irregular e a regra tem de ser igual para todos. Esse jogo tem de ser anulado”, enquanto o presidente do Flamengo não perdeu tempo e disse: “Eu até estou achando que os dirigentes do Fluminense vão pensar bem e não vão querer se beneficiar de um lance que foi claramente ilegal”, embora a interferência externa também seja ilegal e, nesse ponto, tanto um como outro dirigente podem até ter suas razões, mas o bom senso indica que gol de impedimento nunca deve ser computado como válido, por se tratar de algo irregular.
A discussão que se descamba para o campo filosófico, em que o árbitro deveria ter feito o “mais justo”, como fez, anulando o gol inexistente, ou o que “disciplina a norma do futebol”, com a validade do gol, tendo prevalecido a justiça dentro da ilegalidade, contrariando os planos do Fluminense, que briga por vaga na Libertadores, e o Palmeiras, que lidera o campeonato e se acha com direito de reclamar, embora não faça parte direto do affaire.
Encontra-se em aberto para discussão o enorme desafio para se definir o que seja efetivamente “interferência externa” no futebol e exatamente quando acontece, ante a nebulosidade que ainda permeia o seu conceito, porque a sua discussão passa necessariamente pelo enquadramento jurídico, que não condiz com as práticas do futebol.
Um diretor do Fluminense disse que que o juiz teria mudado de opinião depois da interferência externa, tendo sido taxativo ao garantir que “Uma interferência externa deu um prejuízo muito grande ao Fluminense...”.
Ele também disse que “Espero que ele (o juiz do jogo) fale a verdade. Ele deu gol do Henrique, foi avisado pela interferência externa e voltou atrás. Ainda teve a questão dos acréscimos. O jogo ficou parado por muito tempo com atendimentos. A arbitragem se perdeu completamente no final. É com muita indignação que estamos aqui”.
Chega a ser o cúmulo do ridículo alguém estranhar que gol feito de forma irregular, o que significa inexistente, seja validado pelo árbitro, esquecendo que o bandeirinha havia assinalado o impedimento do autor da jogada, que depois foi validada e, em seguida, invalidada, causando a celeuma e a polêmica que não deveriam ter existido, uma vez que não houve gol algum, por falta de respaldo legal.
É preciso que o fato seja considerado desde a origem, com o reconhecimento de que, havendo impedimento, o gol não pode ser validado, mesmo porque a intervenção externa ainda não é legitimada na prática do futebol, porém, em casos que tais, esse procedimento tem o benefício de não se permitir que algo inexistente possa ser considerado como válido e legítimo, o que constitui verdadeiro absurdo e não pode ser concebido como normal, sob o prisma dos princípios da dignidade e da honestidade, que devem prevalecer nas relações humanas, inclusive nas práticas esportivas, como forma de contribuição salutar para o aprimoramento da conduta ideal da humanidade.
Na verdade, não se trata de prejudicar ou beneficiar A ou B, mas sim da melhor compreensão de que o ato em si, sendo irregular, como assinalado originariamente pelo bandeirinha, jamais poderia criar expectativa de direito e qualquer tentativa em contrário constitui o absurdo do ridículo e da falta de honradez, que não podem ser desprezados pelo Homo sapiens, considerando que a sua evolução exige permanente aperfeiçoamento dos sentimentos de nobreza, correção e dignidade.
É chocante a indignação do dirigente do Fluminense pelo simples fato de o juiz não ter validado o gol irregular, evidentemente a favor de seu time, inclusive ameaçando o árbitro por ter prejudicado o tricolor.
É risível, para não dizer ridículo, que um dirigente venha a público para mostrar indignação somente porque um gol de impedimento do jogador de seu clube não foi computado como válido, dando a entender que vale tudo para se ganhar pontos na classificação do campeonato, não sopesando os fins escusos empregados para o atingimento de seus objetivos.
O certo é que a atitude do dirigente tricolor presta desserviço à moralização das práticas desportivas, que precisam ser valorizadas como forma possível de disseminação de integridade de caráter e honradez do ser humano, que, à toda evidência, não pode agir por emoção na tentativa de defender a validade de algo que está indiscutivelmente irregular e, por isso, não tem como gerar direito algum.
Se o Brasil fosse um país sério, esse diretor deveria ser sumariamente afastado do seu cargo, sob a alegação de péssimo exemplo, pela falta de caráter, justamente por exigir, de forma insensata, a validade de algo ilícito, ilegítimo e, enfim, inexistente de fato e de direito.
          O Brasil precisa evoluir muito, em termos de civilidade, para que as pessoas se conscientizem sobre a realidade dos fatos e tenham sensibilidade suficiente para entender que a falta de caráter e sensatez apenas contribui para fortalecer os princípios maléficos da degeneração humana. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 16 de outubro de 2016

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