sábado, 29 de outubro de 2016

Sem amparo de ninguém...

A maior entidade de especialidades médicas do Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), resolveu, tempo atrás, dar sua opinião contra a proposta de redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, cuja Proposta de Emenda à Constituição que trata do tema encontra-se presa nos escaninhos do Congresso Nacional, quando deveria ser objeto de discussão pelos parlamentares, por se tratar de matéria que diz respeito direto aos interesses da sociedade, ante a crescente participação de adolescentes em crimes contra a paz social.
A SBP congrega mais de vinte mil pediatras no país e exerce o direito de defender sua posição, opinando no sentido de que "medidas realmente eficazes sejam adotadas para o real cuidado e proteção da criança e do adolescente desde sua concepção, pelos direitos que lhes são inerentes como cidadãos, como a melhor e mais eficiente forma de prevenir a formação de indivíduos violentos".
A aludida entidade externou seu pensamento por meio de documento contendo três eixos principais de argumentação, a saber: a desproteção do Estado às necessidades do adolescente, dados estatísticos envolvendo criminalidade de menores de 16 anos e ações necessárias para a boa formação do adolescente.
Os pediatras enfatizam que, antes da passagem para a vida adulta, o indivíduo precisa atravessar uma fase de formação que passa por desenvolvimento físico e psíquico, que é assim explicada: "Como nessa fase (adolescência) a condição de sobrevivência está na dependência do mundo adulto, seguramente não será no sistema penal que esses jovens irão encontrar os referenciais positivos que necessitam para um desenvolvimento sadio".
A entidade defende ainda a eficácia e o rigor das penalidades já existentes, para os menores de 16 anos, descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente e cita que 54 países que adotaram a diminuição da maioridade penal não conseguiram "bons resultados na reincidência de crimes", não tendo indicado os países e elementos comparativos.
À toda evidência, a referida entidade procura, como parece ser do seu papel, defender o lado do menor infrator, quanto aos aspectos físico e psicológico, inclusive com relação às consequências naturais resultantes das penalidades aplicadas a ele, mas ela comete grave falha, quando ignora a outra parte prejudicada nessa história de criminalidade, que é a sociedade agredida no seu dia a dia, conquanto a SBP não teve e possivelmente não terá a menor preocupação com os danos sofridos pela sociedade, o que vale dizer que esse problema deve ser cuidado por outro departamento.
Os pediatras precisam entender que os menores infratores não podem ter o mesmo tratamento de seus semelhantes que procuram levar a vida sob as condições de civilidade e de acatamento aos saudáveis princípios aplicáveis aos seres humanos, no que diz respeito à convivência harmoniosa e de união entre os semelhantes.
Na verdade, a redução da maioridade penal se destina aos adolescentes que se destoam da normalidade e da paz social, ou seja, contra aqueles que levam a vida cometendo atrocidades e, o mais que puderem, aterrorizando e destruindo a tranquilidade dos cidadãos de bem e dos trabalhadores que pegam tributos também para a manutenção da segurança e da ordem públicas, que são, entre outras, incumbências constitucionais do Estado.
Como, ao que tudo indica, a entidade tem a cátedra doutoral sobre o comportamento infanto-juvenil, a sociedade brasileira esperava que ela não fosse simplesmente contrária à redução da maioridade penal, porque isso, diante de tamanha capacidade e de especialização na área, parece apenas ridículo como contribuição à causa em discussão, quando se esperava que ela, à vista da notória experiência, tivesse a obrigação de apresentar sugestões dignas e apropriadas à causa, como instrumento capaz de contribuir para a efetiva redução da criminalidade pelos adolescentes.
Isso era o mínimo que ela poderia oferecer como importante e positiva contribuição à redução da delinquência atribuída ao menor, porque ser contra determinada medida significa apenas não ter se manifestado sobre o assunto, mas a sua responsabilidade não pode se restringir tão somente em dizer que é contra, porque a sociedade exige a indicação de medidas efetivas para a solução do problema, que é grave e exige a participação de todos para se encontrar o melhor caminho que possa atender os interesses sociais.
Pode até ser normal que alguns se coloquem contra a redução da maioridade penal, mas também é justo que a sociedade seja predominantemente favorável a essa medida, porque é exatamente ela que tem sido alvo dos infratores menores, que precisam ser tratados não como coitadinhos perante a lei, mas sim com a severidade que se impõe, como forma de frear a banalidade da impunidade, que não permite que  menor de dezoito anos seja condenado com pena compatível com a gravidade da atrocidade cometida contra a sociedade por ele, como se o dano causado por um crime pudesse ser sopesado apenas pelo grau de responsabilidade atribuído ao fator idade.
Agora, não pode ser normal que a sociedade continue tendo a sua vida sacrificada somente porque há entidades e organismos contrários à adoção de medidas tendentes a minorar a incidência da criminalidade, como se somente eles fossem os entendidos na matéria em discussão e sofressem, exclusivamente as consequências da violência, quando, na verdade, o cerne da questão se prende à sociedade, que é atingida diretamente pelos infratores, inclusive os menores.
Causa enorme estranheza que as vítimas não são socorridas prontamente por quem se coloca contrariamente à redução da maioridade penal, a exemplo de muitos juristas, sociólogos, psicólogos, pediatras, criminologistas, entidades e organizações sociais, entre tantos outros entes que ficam a distância e alheios no momento quando os fatos são consumados, enquanto, nessa fase, as vítimas somente têm o direito de se lamentar e não encontrar o amparo de ninguém.
É verdade que a aprovação da redução da maioridade penal implica a necessidade da completa revolução do sistema penitenciário, que deverá passar por reformulações estruturais e conjunturais, para adaptação e compreensão acerca do tratamento a ser dispensado entre as faixas etárias, quanto aos critérios de socialização, em especial em relação aos menores infratores, com atenção para aqueles considerados de alta periculosidade, que devem exigir cuidados em regime especial e diferenciado.
A questão do menor infrator trata-se de problema diferenciado que precisa ser enfrentado igualmente de forma a tender às peculiaridades, em relação aos adultos, que também precisam ser tratados como seres humanos e não na maneira absolutamente desumana como eles cumprem suas condenações, em recintos comparáveis às masmorras medievais, que apenas contribuem para a brutalização e animalização dos presos, em clara demonstração do desprezo do Estado, que precisa ser responsabilizado pelo caos crônico do sistema prisional, como forma de se exigir os devidos cuidados com algo que envolve vidas humanas, mas elas são tratadas como se fossem verdadeiros animais, conforme mostram os presídios superlotados, em condições precárias, degradantes e desumanas.
É preciso que os governantes se conscientizam de que o Estado tem primordial dever de oferecer estudos, ensino e educação de qualidade às crianças, de modo a propiciá-las a devida proteção contra a terrível sanha da delinquência, que se alastra, de forma bastante prematura, em tenra idade, exatamente em razão da ausência dos poderosos programas educacional e social oficiais, que precisam ser priorizados, como fazem as nações sérias, civilizadas e evoluídas econômica e democraticamente.
Convém que os governantes adotem urgentes políticas de priorização à melhoria da educação, em todos os níveis de ensino, a fim de atrair a atenção dos adolescentes, que precisam de maior apoio exatamente na faixa especial de aprendizado, de modo que os estudos possam contribuir para o imperioso afastamento dos menores do seio da criminalidade, tendo em vista que a educação é caminho seguro para a conscientização sobre a necessidade do respeito aos princípios humanitários, que levam o homem à valorização da paz e da harmonia entre seu semelhante. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 29 de outubro de 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário