A
maior entidade de especialidades médicas do Brasil, a Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP), resolveu, tempo atrás, dar sua opinião contra a proposta de
redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, cuja Proposta de Emenda à
Constituição que trata do tema encontra-se presa nos escaninhos do Congresso
Nacional, quando deveria ser objeto de discussão pelos parlamentares, por se
tratar de matéria que diz respeito direto aos interesses da sociedade, ante a
crescente participação de adolescentes em crimes contra a paz social.
A
SBP congrega mais de vinte mil pediatras no país e exerce o direito de defender
sua posição, opinando no sentido de que "medidas realmente eficazes sejam adotadas para o real cuidado e
proteção da criança e do adolescente desde sua concepção, pelos direitos que
lhes são inerentes como cidadãos, como a melhor e mais eficiente forma de
prevenir a formação de indivíduos violentos".
A
aludida entidade externou seu pensamento por meio de documento contendo três
eixos principais de argumentação, a saber: a desproteção do Estado às
necessidades do adolescente, dados estatísticos envolvendo criminalidade de
menores de 16 anos e ações necessárias para a boa formação do adolescente.
Os
pediatras enfatizam que, antes da passagem para a vida adulta, o indivíduo
precisa atravessar uma fase de formação que passa por desenvolvimento físico e
psíquico, que é assim explicada: "Como
nessa fase (adolescência) a condição
de sobrevivência está na dependência do mundo adulto, seguramente não será no
sistema penal que esses jovens irão encontrar os referenciais positivos que
necessitam para um desenvolvimento sadio".
A
entidade defende ainda a eficácia e o rigor das penalidades já existentes, para
os menores de 16 anos, descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente e cita
que 54 países que adotaram a diminuição da maioridade penal não conseguiram
"bons resultados na reincidência de
crimes", não tendo indicado os países e elementos comparativos.
À
toda evidência, a referida entidade procura, como parece ser do seu papel,
defender o lado do menor infrator, quanto aos aspectos físico e psicológico,
inclusive com relação às consequências naturais resultantes das penalidades
aplicadas a ele, mas ela comete grave falha, quando ignora a outra parte
prejudicada nessa história de criminalidade, que é a sociedade agredida no seu
dia a dia, conquanto a SBP não teve e possivelmente não terá a menor
preocupação com os danos sofridos pela sociedade, o que vale dizer que esse
problema deve ser cuidado por outro departamento.
Os
pediatras precisam entender que os menores infratores não podem ter o mesmo
tratamento de seus semelhantes que procuram levar a vida sob as condições de
civilidade e de acatamento aos saudáveis princípios aplicáveis aos seres
humanos, no que diz respeito à convivência harmoniosa e de união entre os
semelhantes.
Na
verdade, a redução da maioridade penal se destina aos adolescentes que se
destoam da normalidade e da paz social, ou seja, contra aqueles que levam a
vida cometendo atrocidades e, o mais que puderem, aterrorizando e destruindo a
tranquilidade dos cidadãos de bem e dos trabalhadores que pegam tributos também
para a manutenção da segurança e da ordem públicas, que são, entre outras, incumbências
constitucionais do Estado.
Como, ao
que tudo indica, a entidade tem a cátedra doutoral sobre o comportamento
infanto-juvenil, a sociedade brasileira esperava que ela não fosse simplesmente
contrária à redução da maioridade penal, porque isso, diante de tamanha
capacidade e de especialização na área, parece apenas ridículo como
contribuição à causa em discussão, quando se esperava que ela, à vista da notória
experiência, tivesse a obrigação de apresentar sugestões dignas e apropriadas à
causa, como instrumento capaz de contribuir para a efetiva redução da criminalidade
pelos adolescentes.
Isso era
o mínimo que ela poderia oferecer como importante e positiva contribuição à
redução da delinquência atribuída ao menor, porque ser contra determinada
medida significa apenas não ter se manifestado sobre o assunto, mas a sua
responsabilidade não pode se restringir tão somente em dizer que é contra,
porque a sociedade exige a indicação de medidas efetivas para a solução do
problema, que é grave e exige a participação de todos para se encontrar o
melhor caminho que possa atender os interesses sociais.
Pode até
ser normal que alguns se coloquem contra a redução da maioridade penal, mas
também é justo que a sociedade seja predominantemente favorável a essa medida,
porque é exatamente ela que tem sido alvo dos infratores menores, que precisam
ser tratados não como coitadinhos perante a lei, mas sim com a severidade que
se impõe, como forma de frear a banalidade da impunidade, que não permite
que menor de dezoito anos seja condenado
com pena compatível com a gravidade da atrocidade cometida contra a sociedade
por ele, como se o dano causado por um crime pudesse ser sopesado apenas pelo
grau de responsabilidade atribuído ao fator idade.
Agora,
não pode ser normal que a sociedade continue tendo a sua vida sacrificada somente
porque há entidades e organismos contrários à adoção de medidas tendentes a
minorar a incidência da criminalidade, como se somente eles fossem os
entendidos na matéria em discussão e sofressem, exclusivamente as consequências
da violência, quando, na verdade, o cerne da questão se prende à sociedade, que
é atingida diretamente pelos infratores, inclusive os menores.
Causa
enorme estranheza que as vítimas não são socorridas prontamente por quem se
coloca contrariamente à redução da maioridade penal, a exemplo de muitos juristas,
sociólogos, psicólogos, pediatras, criminologistas, entidades e organizações
sociais, entre tantos outros entes que ficam a distância e alheios no momento quando
os fatos são consumados, enquanto, nessa fase, as vítimas somente têm o direito
de se lamentar e não encontrar o amparo de ninguém.
É verdade
que a aprovação da redução da maioridade penal implica a necessidade da completa
revolução do sistema penitenciário, que deverá passar por reformulações
estruturais e conjunturais, para adaptação e compreensão acerca do tratamento a
ser dispensado entre as faixas etárias, quanto aos critérios de socialização, em
especial em relação aos menores infratores, com atenção para aqueles
considerados de alta periculosidade, que devem exigir cuidados em regime
especial e diferenciado.
A questão
do menor infrator trata-se de problema diferenciado que precisa ser enfrentado igualmente
de forma a tender às peculiaridades, em relação aos adultos, que também
precisam ser tratados como seres humanos e não na maneira absolutamente desumana
como eles cumprem suas condenações, em recintos comparáveis às masmorras
medievais, que apenas contribuem para a brutalização e animalização dos presos,
em clara demonstração do desprezo do Estado, que precisa ser responsabilizado
pelo caos crônico do sistema prisional, como forma de se exigir os devidos
cuidados com algo que envolve vidas humanas, mas elas são tratadas como se
fossem verdadeiros animais, conforme mostram os presídios superlotados, em
condições precárias, degradantes e desumanas.
É preciso
que os governantes se conscientizam de que o Estado tem primordial dever de oferecer
estudos, ensino e educação de qualidade às crianças, de modo a propiciá-las a
devida proteção contra a terrível sanha da delinquência, que se alastra, de
forma bastante prematura, em tenra idade, exatamente em razão da ausência dos
poderosos programas educacional e social oficiais, que precisam ser
priorizados, como fazem as nações sérias, civilizadas e evoluídas econômica e
democraticamente.
Convém
que os governantes adotem urgentes políticas de priorização à melhoria da
educação, em todos os níveis de ensino, a fim de atrair a atenção dos
adolescentes, que precisam de maior apoio exatamente na faixa especial de
aprendizado, de modo que os estudos possam contribuir para o imperioso afastamento
dos menores do seio da criminalidade, tendo em vista que a educação é caminho
seguro para a conscientização sobre a necessidade do respeito aos princípios
humanitários, que levam o homem à valorização da paz e da harmonia entre seu
semelhante. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 29 de outubro de 2016
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