domingo, 30 de outubro de 2016

Urge o fim da boca livre

Uma famosa cantora baiana teve rejeitada a sua prestação de contas referente ao projeto de shows pelo Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que contou com a captação de recursos previstos na Lei Rouanet, sendo condenada a devolver o valor de R$ 1,2 milhão aos cofres públicos.
A mencionada cantora pretendia captar o valor de R$ 6,5 milhões, para a realização de 12 shows, no ano de 2013, mas foi autorizada a receber o aval para o valor de R$ 5,88 milhões de reais, dos quais captou o valor agora cobrado, mas o Ministério da Cultura determinou a devolução do valor de R$ 1,27 milhão, a ser recolhido ao Fundo Nacional da Cultura.
A assessoria de imprensa da cantora nega que a prestação de contas em causa esteja insatisfatória, por considerar que “TODOS os eventos do projeto foram realizados e devidamente comprovados ao Ministério da Cultura (Minc). Estamos averiguando os motivos da reprovação da prestação de contas junto ao MinC e informamos ainda que entraremos com recurso, pois a Ciel está apta a comprovar a realização dos eventos, bem como a distribuição dos ingressos”.
Além da obrigação de devolver o valor supracitado, a cantora ainda poderá ser impedida de pleitear novas captações, com base na Lei Rouanet.
O caso em comento deveria ensejar ampla, geral e irrestrita apuração de todos aqueles que se beneficiaram das graças e benevolência da citada lei, de modo que as abrangentes investigações possam contribuir para se verificar a regularidade sobre os incentivos a projetos culturais com dinheiro público, que por certo tem servido para verdadeira e vergonhosa farra entre artistas inescrupulosos, encabeçados por atores, dirigentes, cantores e muitas celebridades famosas, que não passam de verdadeiros aproveitadores de recursos públicos que poderiam certamente ser melhores aplicados diretamente em programas sociais do governo.
Não há a menor dúvida de que, se fizerem varredura nas captações de recursos com base na Lei Rouanet, poucos serão aqueles que tenham cumprido rigorosamente os ditames da norma legal, sobretudo porque a farra se processava em razão da falta dos devidos controle e fiscalização sobre a efetividade dos fins previstos na norma legal, que são exigidos quando há o envolvimento de dinheiro do contribuinte. 
Notícia recente dá conta de que o governo deflagrou a Operação Boca Livre, que objetiva a apuração dos desvios de recursos públicos por empresas patrocinadoras de projetos culturais beneficiados pela Lei Rouanet, que foi criada para se permitir a captação de recursos para os citados projetos, por meio de incentivos fiscais para empresas e pessoas físicas, o que, significa, na prática, que empresa privada possa destinar parte de dinheiro de impostos para financiar projetos aprovados pelo Ministério da Cultura.
A aludida operação já apurou a existência de esquemas de fraudes como superfaturamento, serviços fictícios, projetos duplicados, utilização de terceiros para proposição de projetos e prestação de contrapartida ilícita às instituições, entre outras irregularidades que eram subsidiadas com os incentivos fiscais, constituindo patrocínios indevidos de shows, exposições, espetáculos teatrais, publicação de livros e outras falcatruas com recursos públicos, avaliados em mais de R$ 28 milhões.
Que país é este que deixa de arrecadar, como no caso da cantora baiana, quase seis milhões de reais para repassar para as contas de pessoa famosa, que, à toda evidência, não precisa disso?
Certamente que nos países sérios e civilizados e evoluídos modernamente o governo seja totalmente incapaz de permitir tamanhas irracionalidade, loucura e irresponsabilidade contra os interesses do país.
O incentivo à cultura, de que trata a Lei Rouanet, deveria se destinar a projetos estritamente culturais de cunho comprovadamente popular, que pudessem efetivamente contribuir para o apoio de causas que realmente justificassem a sua identidade com as classes pobres e carentes e jamais na forma como vem sendo concedidos os já escassos recursos públicos.  
Certamente que os shows da mencionada baiana não se enquadram nesse padrão de povão, porquanto somente quem os assiste deve saber muito aquilatar o nível das pessoas presentes, que não condizem em nada com a finalidade institucionalizada pela referida lei.
A Lei Rouanet precisa ser urgentemente atualizada, para que os seus reais conceito e objetivo de incentivo à cultura sejam reformulados, respeitados e observados, como forma de se evitar o desmascaramento dos projetos que são bancados indevida e irregularmente pelos bestas dos brasileiros, que consentem que artistas consagrados possam se beneficiar de incentivos totalmente em dissonância com o incentivo pretendido.
Chega a ser risível que os fatos se repitam a todo instante, mostrando que artistas consagrados se beneficiam de forma indevida da lei de incentivo à cultura, mas o governo se faz de mouco e prefere não ouvir os clamores da sociedade dizendo em alto e bom som que não concorda com essa aberração de incentivar quem, ao contrário, diante da sua capacidade artística, deveria contribuir para incentivar os projetos culturais do governo, por iniciativa própria.
A sociedade precisa repudiar, com veemência, esses projetos que concedem incentivos a quem não merece e exigir que as leis sejam reformuladas com o exclusivo propósito de se corrigir anomalias e distorções que estão sendo visivelmente prejudiciais aos interesses dos brasileiros, principalmente aqueles que deixam de ser assistidos pelo Estado exatamente devido à carência de recursos, porque eles foram ou estão sendo desviados para as contas de artistas loucos de ricos, que nem estão preocupados com incentivos a coisa alguma, muito menos à cultura popular. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 30 de outubro de 2016

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