terça-feira, 24 de janeiro de 2017

A avidez pela impunidade

Na forma da lei, o povo elege o parlamentar para representá-lo, tendo por meta a aprovação de leis e medidas voltadas para o atendimento de seus anseios e interesses, como princípio elementar que se vincula aos primórdios das civilizações, segundo as saudáveis condutas democráticas.
O verdadeiro significado desse entendimento foi materializado na forma do projeto de lei enviado ao Congresso Nacional, por iniciativa popular versando sobre as famosas dez medidas de combate à corrupção.
Pretendia-se com o referido projeto que o Brasil tivesse o arcabouço legal destinado a coibir a costumeira prática de crimes contra o patrimônio dos brasileiros, mas alguns deputados cuidaram de mostrar a sua verdadeira índole de exclusiva preocupação com a defesa de seus interesses e de suas conveniências e conseguiram reverter a real finalidade das duras, porém necessárias normas moralizadoras insculpidas no projeto popular em medidas de salvaguarda da continuidade da corrupção, em total inversão dos objetivos ali preconizados, principalmente com a inclusão de ameaças explícitas aos responsáveis pelas investigações, mediante punições a juízes e promotores pelo que foi denominado por eles de abuso de poder.
Incontinente, houve recurso contra a derrubada do projeto das dez medidas anticorrupção junto ao Supremo Tribunal Federal, cujo ministro relator do caso declarou sem efeito a votação do pacote de que se trata.
Como não poderia ser diferente, logo vieram as reações e retaliações por parte dos congressistas, entendendo que “Essa medida é indefensável, porque ela interfere no processo legislativo”, no entendimento do presidente do Senado Federal, que foi acompanhado pelo presidente da Câmara dos Deputados, ao afirmar que “Trata-se de uma intromissão do Judiciário”.
O ministro relator teve a lucidez de refutar as acusações de parlamentares, ao afirmar que “O Judiciário pode interferir a pedido de um parlamentar toda vez que ele promova uma ação demonstrando que o processo legislativo não está correto”, deixando claro, de forma implícita, que ninguém está acima da lei, nem mesmo os legisladores.
O aludido ministro disse que “Há afronta aos preceitos democráticos quando o Parlamento desvirtua o conteúdo de projeto cunhado (…) em proposta de iniciativa popular. O projeto de iniciativa popular (deve ser) debatido na sua essência, interditando-se emendas e substitutivos que desfigurem a proposta original para simular apoio público a um texto essencialmente distinto do subscrito por milhões de eleitores.”.
Em que pese o Congresso se indignar com a decisão do ministro do Supremo, ela está em perfeita harmonia com as demandas ansiadas pelas multidões que encheram as ruas indignadas em protesto à corrupção e à roubalheira que infestaram, de forma vergonhosa, a administração do país.
Na iminência de o Senado votar as medidas retalhadas enviadas pela Câmara, o ministro do Supremo determinou a devolução da proposta à origem, ou seja, à Câmara, para que os deputados a apreciem novamente, por ele ter entendido que “Há apenas simulacro de participação popular quando as assinaturas de parcela significativa do eleitorado nacional são substituídas pela de alguns parlamentares. Bem assim quando o texto gestado no consciente popular é emendado com matéria estranha ou fulminado antes mesmo de ser debatido, atropelado pelas propostas mais interessantes à classe política detentora das cadeiras no Parlamento nacional.”.
A propósito, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato fez o seguinte comentário: “A decisão de Fux devolve a esperança a milhões de brasileiros”.
 Essa esperança pode sim ser ressuscitada com a aprovação das normas moralizadoras de projeto que teve vida curtíssima, somente enquanto não havia passado pelo crivo dos parlamentares ávidos pela perpetuidade da corrupção e da impunidade, conforme ficou claro na sua votação.  
Não há a menor dúvida de que a decisão preliminar do ministro do Supremo Tribunal Federal, determinando o reexame do projeto referente às necessárias dez medidas anticorrupção, demonstra que os deputados que as alteraram substancialmente contribuíram, de forma efetiva, para robustecer a legislação em prol da continuidade da corrupção exacerbada na administração pública, diante do desprezo às regras de cunho estritamente moralizador, frustrando, mais uma vez, a vontade dos brasileiros, que são exatamente os responsáveis pela existência se seus algozes, no Congresso Nacional. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 24 de janeiro de 2017

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