domingo, 29 de janeiro de 2017

Embaraço às investigações?

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, que se foi com a queda de avião, vai deixar lacuna impreenchível no mundo jurídico, contribuindo para diminuir a qualidade do trabalho desempenhado por essa Corte, em razão, principalmente, da destemida, segura e altiva postura de magistrado com suas peculiaridades de discrição, competência e coragem.
Certa feita, ele decidiu negar pedido formulado pelo político mais importante do país, com base em argumentos da maior solidez e firmeza, ao declarar que o recurso apresentado pelo ex-presidente é "mais uma das diversas tentativas da defesa de embaraçar as apurações" da Operação Lava-Jato.
O ex-ministro decidiu rejeitar ação que questionava a atuação do juiz de Curitiba, responsável pela citada operação, que pedia que três inquéritos que estavam sob a análise daquele magistrado fossem suspensos e enviados à Excelsa Corte.
Na decisão, o ex-ministro indica outra ação interposta pela defesa contra a atuação do juiz de Curitiba, sob o argumento de que ele teria mantido sob seu controle interceptações telefônicas de autoridades com foro privilegiado, tendo o ministro dito que se trata de "insistência do reclamante”, em dar "contornos de ilegalidade, como se isso fosse a regra" aos atos do juiz de primeira instância.
Na ocasião, o ex-ministro frisou que o Supremo tem "amplo conhecimento" sobre os processos que tramitam na Lava-Jato e as fraudes na Petrobras, tendo acrescentado que, "Apesar de esses argumentos serem objeto de análise naqueles autos, tal quadro revela a insistência do reclamante em dar aos procedimentos investigatórios contornos de ilegalidade, como se isso fosse a regra. Nesse contexto, é importante destacar que esta Corte possui amplo conhecimento dos processos (inquéritos e ações penais) que buscam investigar supostos crimes praticados no âmbito da Petrobras, com seus contornos e suas limitações, de modo que os argumentos agora trazidos nesta reclamação constituem mais uma das diversas tentativas da defesa de embaraçar as apurações".
A defesa rebateu o posicionamento do ex-ministro, afirmando que o próprio Supremo, em outras oportunidades, já havia reconhecido erros na atuação da primeira instância e que todo cidadão tem o direito de entrar com recursos na Justiça para contestar "procedimentos investigatórios que ostentam clara perseguição pessoal e política. O STF, por meio de decisões do Ministro Teori Zavascki, já reconheceu ilegalidades praticadas pelo juiz Sergio Moro na condução da Operação Lava Jato, inclusive em relação ao ex-Presidente Lula. Isso ocorreu, por exemplo, no tocante à autorização dada por Moro para a divulgação de conversas interceptadas envolvendo Lula e, ainda, no tocante ao monitoramento dos advogados do ex-presidente".
Posteriormente, a defesa criticou o comentário feito pelo relator da Lava-Jato no despacho, ao afirmar que é "profundamente preocupante" que o exercício do direito de defesa possa ser interpretado pela Suprema Corte como "entrave" às investigações.
A defesa do político foi bastante enfática, ao afirmar que "É profundamente preocupante que o exercício do direito constitucional de defesa, com combatividade e determinação, possa ser encarado na mais alta Corte de Justiça do País como fator de entrave às investigações ou ao processo. A Constituição quer defesa efetiva e ampla e não meramente formal ou retórica. Negar tal garantia representa inominável agressão ao direito de defesa".
A defesa insiste com reclamação junto ao Supremo, alegando que o ex-presidente é alvo de apurações sobre os mesmos fatos no Supremo e na Lava-Jato, uma vez que ele é tratado, no Paraná, como "arquiteto" do esquema criminoso que atuava na Petrobras, enquanto consta no inquérito em tramitação no Supremo que seja feita investigação para se saber se existiu organização criminosa na Petrobras, tendo a defesa afirmado que o procurador-geral disse que o esquema "jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse".
Os advogados de defesa negaram as suspeitas do envolvimento do ex-presidente e asseguraram que as apurações tratam de "fatos idênticos", sendo proibido pelo princípio do "bis in idem", que garante que ninguém pode ser duplamente punido ou processado com base no mesmo ato.
Na avaliação do ex-ministro, não assiste razão à defesa, porque o próprio juiz da Lava-Jato havia dito que não houve ultrapassagem dos limites de sua atuação, haja vista que ainda não há em nenhuma das apurações a delimitação dos fatos, o que só ocorre quando há denúncia oferecida, fato que ainda não teria acontecido.
O ex-ministro sublinhou que "Não prospera a insurgência. Na decisão ora questionada, o magistrado de primeiro grau não admitiu as exceções de incompetência opostas pelo reclamante, sob o fundamento de que, 'antes do oferecimento da denúncia, não se tem o objeto da imputação que é exatamente o que definirá a competência do juízo'. (...) Como se vê, aquela autoridade não emitiu qualquer juízo acerca da tipificação penal das condutas que seguem em investigação nos procedimentos objeto desta reclamação, não sendo suficiente, para justificar a viabilidade da ação constitucional".
Em conclusão, o ex-ministro disse que, "De fato, em análise do ato reclamado, conclui-se que, apesar de os fatos investigados no Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Inq 3.989, possuírem correlação com aqueles que são objeto de investigação perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, não houve demonstração da usurpação, pela autoridade reclamada, da competência desta Corte, tendo em vista que agiu conforme expressamente autorizado".
Posteriormente, o ex-ministro achou por bem excluir dos autos a sua declaração de que o ex-presidente insistia com recursos para travar o desempenho da Lava-Jato.
O certo é que, à luz dos fatos, dificilmente outro magistrado possa demonstrar tanto pulso forte para rebater as insistentes argumentações apresentadas pela defesa do político-mor, que luta com unhas e dentes para se desvencilhar das “garras” do magistrado da Lava-Jato, que tem sido preciso e firme nos golpes desferidos contra os envolvidos no esquema criminoso que fraudou contratos da Petrobras, para desviar fortuna de seus cofres.
As manifestações do ex-ministro não poderiam ter sido mais claras e objetivas, mostrando a insistência com que o ex-presidente tenta, de forma reiterada, encerrar as apurações ou retirá-las da jurisdição de Curitiba, sem que elas tenham sido concluídas, à vista das argumentações jurídicas do magistrado, que se insurgia contra a onipotência explícita de quem não aceita ter seus atos investigados, em que pesem as inúmeras denúncias de irregularidades, que precisam ser devidamente esclarecidas, como primada da indispensável busca da verdade real, em harmonia com os salutares princípios da transparência e da legalidade, à luz dos melhores conceitos de civilidade e democracia. Acorda, Brasil! 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 29 de janeiro de 2017

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