segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A farra aérea

O ministro da Educação, como se não tivesse nada o que fazer na sua pasta, como trabalhar para a aprovação da reforma do ensino médio e cuidar para que os projetos da sua área de incumbência sejam melhorados e ganhem qualidade e efetividade, entendeu de se envolver na eleição da presidência da Câmara de Vereadores de uma cidade do interior de Pernambuco, considerada seu reduto eleitoral.
A sua dedicação ao pleito em tela fez com que ele decidisse, na busca de votos, agradar dois vereadores eleitos na referida cidade, ao levá-los, na sua companhia, de Brasília pelo Brasil afora, a bordo de aeronave oficial, em ambiente de conforto e tranquilidade, como se o avião fosse de propriedade do político, à vista da absoluta despreocupação da comitiva.
Em ambiente de desconcentração e alegria, o ministro embarcou com os vereadores da capital do país para cumprimento de agenda na Paraíba.
Os convidados esbanjavam largos sorrisos, conforme mostra a foto postada em redes sociais, dentro e fora do avião oficial, deixando evidente a naturalidade com que o dinheiro público é torrado, uma vez que o ministro poderia muito bem viajar em voo comercial, sem qualquer privilégio para se deslocar em avião que onera de forma extraordinária o erário e ainda pagar do seu bolso as passagens de seus cabos eleitorais.
Além das crises econômica e política, a crise de moralidade se tornou crônica, por mais que os terríveis exemplos de má conduta se sucedam e afetem a credibilidade do governo, que nada faz para que as trapalhadas de seus principais assessores não mais ocorram.
Na verdade, os fatos mostram que as práticas costumeiras do uso indevido de bens públicos se distanciam cada vez mais do primado da economicidade e do respeito aos ajustes indispensáveis ao controle das contas públicas, a exigir bons exemplos de efetividade de contenção de gastos.
Diante do péssimo exemplo do ministro, fica a impressão de que o Brasil é realmente uma República dos aproveitadores, que usam a máquina pública de forma indiscriminada, sem a menor racionalidade, como se o país pudesse dar-se ao luxo de jogar dinheiro pelo ralo do desperdício, como nesse caso de voo de cortesia, como foi denominado.
Na realidade, os recrimináveis exemplos da farra com recursos públicos continuam vindo do Palácio do Planalto, quando, depois do alarde feito pela imprensa, a Presidência achou por bem cancelar licitação destinada à contratação de alimentos para os serviços de bordo do avião presidencial, tendo por base sedutora relação de produtos de extremo requinte de qualidade e de quantidades, em princípio, exageradas, denotando explícita afronta à dignidade dos brasileiros, à luz da péssima qualidade dos serviços públicos quando prestados à população, além da escassez de recursos que impedem o reequipamento das unidades de saúde e das escolas.
Embora o relato da reportagem demonstre absoluto ar de satisfação dos políticos torrando dinheiro público em pleno espaço aéreo, como se o país estivesse às mil maravilhas, nadando em montanhas de dinheiro, quando a situação é extremamente periclitante, conforme indicam os crônicos déficits das contas públicas, o quadro de recessão econômica, o alarmante desemprego, a péssima qualidade dos serviços públicos prestados à população, a inexistência de recursos para investimentos públicos, entre muitas precariedades que exigem aperto do cinto com relação aos gastos públicos, também no que diz respeito ao transporte de autoridade, que precisa dar exemplo de economicidade.
A situação caótica do país não permite que ninguém fique abusando dos serviços de primeira qualidade prestados pelas aeronaves oficiais, porque isso representa verdadeiro acinte à dignidade dos brasileiros, que passam por sérias privações, no tocante, em particular, aos mínimos serviços de saúde, exatamente por falta de recursos para a aquisição de equipamentos, remédios e materiais básicos hospitalares.
 Ou seja, a pose do ministro e de seus afilhados é mais que a confirmação do desdém à situação de penúria por que passam os brasileiros carentes, como se os políticos estivessem em outro país totalmente alheio à realidade de escassez generalizada.
Nos países sérios e conscientes da responsabilidade pública, qualquer forma de uso indevido de bens públicos, inclusive aviões, por membro do governo, implica a devida reparação dos danos pertinentes, nos termos da lei, além da aplicação das sanções próprias do respeito e do zelo à coisa pública, que prevalece sobre os interesses pessoais.
Urge que os órgãos de controle e fiscalização cumpram seu dever institucional de verificar a regularidade quanto ao uso de aeronaves oficiais por ministros, levando-se em conta que o seu emprego não pode passar da estrita esfera do serviço público, em atendimento ao interesse público, sob pena de responsabilização das autoridades que abusam do poder e da influência em proveito próprio ou político, cabendo medida de indenização contra eles, como forma de se evitar a reincidência de fatos semelhantes. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 2 de janeiro de 2017
(Com este artigo, eu concluo meu 23º livro)

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