Enquanto
o presidente da República falava em “combater
a recessão” em evento no Nordeste, houve o anúncio pelo Palácio do
Planalto de licitação destinada à compra de alimentos para viagens aéreas
dele e de sua comitiva.
O
orçamento referente à contratação estabeleceu o valor total de R$ 1,748 milhão,
compreendendo diversos itens listados, mas alguns chamaram a atenção para
os preços e as quantidades, a exemplo de 500 unidades de “sorvete tipo premium” Häagen-Dazs, 120 potes de creme de avelã
Nutella e 500 quilos de gelo seco, entre outros igualmente impressionantes.
O
pregão em apreço causou péssima e imediata repercussão no seio da sociedade, o
que levou o governo se apressar a cancelar o questionado certame, antes mesmo que
os comentários negativos agravassem ainda mais os estragos causados à sua
imagem.
Em
seguida, o Palácio do Planalto informou que “O presidente Michel Temer, ao embarcar de volta de viagem de trabalho a
Maceió, tomou conhecimento da notícia sobre licitação para comissária de bordo
para o avião presidencial e determinou seu imediato cancelamento. A
determinação presidencial é de que também este serviço tenha seu preço reduzido
em relação ao que vinha sendo praticado anteriormente. A mesma instrução vale
para todas as aeronaves que servem ao Governo Federal”.
Chega
a ser assombrosa a relação dos alimentos indicados no edital cancelado, que previa,
pasmem, a aquisição de 200 unidades de café da manhã para
o presidente, o “breakfast PR”, no valor de R$ 96,43; a opção de 200
unidades de “breakfast quente”, por R$
59,00 cada; 500 unidades de “breakfast vip”, por R$ 70,37; 500 potes de
sorvetes (Häagen-Dazs); 250 sorvetes de outras marcas; 300 picolés sem lactose
de amora e morango; 5 mil cápsulas de café “com
referência ristretto (ou produto
similar com as mesmas dimensões)”, por R$ 18,3 mil; 120 potes de Nutella, por R$ 34,00 cada um; gelo, por R$ 42 mil; entre
outros.
O bom senso
sinalizou que a licitação continha realmente algo absurdo e destoante com a
realidade do país, que precisava de urgente correção de rumos com relação ao
que já era praxe no governo anterior, conforme foi explicado, cuja gestão deixa
rastro de exagero nos gastos públicos, à vista de seu reflexo nos rombos causados
às contas públicas.
É normal
que o presidente do país precise ser muito bem tratado e servido, desde que
isso seja feito de forma racional e civilizada, sem abuso nem exagero quanto às
quantidades e aos valores dos materiais especificados, por não se coadunarem
com a realidade brasileira de crise econômica, em se tratando do mandatário da
nação que tem dever cívico e patriótico de ser o primeiro a dar exemplos de
austeridade e economicidade, gastando com modicidade e parcimônia, sem prejuízo
do eficiente desempenho do nobilitante cargo que ocupa.
Causa
estranheza o encarregado de tamanha façanha sequer se roborizar com a aquisição
de café da manhã, com o pomposo nome em inglês de “breakfast”, pela “bagatela”
de R$ 96,43, em verdadeiro acinte a muitos brasileiros que não dispõem de menos
de R$ 1,00 para comprar um pãozinho francês, dando a entender que a farra com o
dinheiro público é apenas pequeno detalhe da velha e desgastada República.
Enquanto
a seca arrasa a dignidade dos nordestinos, a Presidência da República esbanja
dinheiro público para o abastecimento do avião presidencial, com alimentos
adquiridos por preços supostamente superfaturados e produtos de primeiríssima
qualidade, sem comparação nem mesmo com o primeiro mundo, onde a despesa
pública é tratada com seriedade e respeito à realidade do país, mesmo não tendo
lá recessão, desemprego nem rombos nas contas públicas, ou seja, crise
econômica.
Na
realidade, o desprezo à realidade socioeconômica somente acontece nas
republiquetas, onde os governantes imaginam que o patrimônio nacional pertence
a eles, diante da liberalidade de poder gastar com a aquisição do bom e do
melhor para satisfazer os caprichos próprios do poder e da onipotência, que são
inerentes a quem não tem a menor preocupação nem zelo para com a coisa pública,
principalmente porque eles sabem que o povo não passa de ingênuo, em razão de
permitir que os maus políticos permaneçam impolutos nos cargos para os quais tenham
sido colocados exatamente pelos bestas dos brasileiros.
Certamente
que nem nos países desenvolvidos e com a economia superavitária, alguém ousaria
extrapolar o bom senso e a racionalidade, ao adquirir alimentação para
abastecer o avião presidencial com tamanha sofisticação e gosto apurado.
Por
certo, nem os deuses astronautas mereceriam tratamento tão refinado, com
produtos que fazem inveja aos mais requintados paladares da face da terra.
A
falta de prudência representada na questionada licitação pode ser uma face dos
desmedidos gastos palacianos, que passam a distância do crivo do princípio da
economicidade, que jamais deveria deixar de ser observado pelos agentes
incumbidos do abastecimento não somente do avião presidencial, mas de tudo que
diz respeito às mordomias palacianas, que certamente não passam por rigoroso controle
quanto ao princípio da austeridade, à vista das precariedades dos serviços
públicos prestados pelo Estado.
Trata-se
de afronta à dignidade dos brasileiros, que são obrigados a apertar o cinto,
literalmente, enquanto o governo esbanja nas suas mordomias, desprezando o
contexto de penúria da nação, onde os orçamentos públicos são deficitários e
exigem ajustes de toda ordem, inclusive por parte dos palácios governamentais,
que devem ser os primeiros no corte de suas despesas, como forma de exemplo a
ser seguido pelo resto da administração do país.
Os
brasileiros repudiam, com veemência, o desprezo do Palácio do Planalto à situação
deficitária dos orçamentos públicos, que são abastecidos com dinheiro dos
contribuintes, mesmo sendo obrigados a passar privações pela péssima qualidade
dos serviços públicos prestados pelo Estado, mas o nível das mordomias supera o
primeiro mundo, que não teria a petulância de ousar licitar produtos de extremo
requinte, totalmente incompatíveis com os serviços de bordo das aeronaves
presidenciais, que não precisam do acurado bom gosto nem do exagero custeado
com o sacrificado dinheiro do contribuinte.
O
presidente do país precisa saber a verdadeira situação de penúria,
precariedade, sucateamento da saúde, educação, segurança pública etc., diante
da falta de recursos material, humano e financeiro, desde remédios até merenda
escolar, em contraste com a fartura do abastecimento dos serviços de bordo do
avião presidencial.
Os
brasileiros entendem que os serviços de bordo em causa podem existir
normalmente, desde que haja estrito respeito ao salutar princípio da
economicidade e sejam evitados abusos com recursos públicos, apenas adquirindo
o devidamente necessário, em respeito à realidade socioeconômica, que exige
modicidade na aquisição dos produtos a serem servidos a bordo.
À toda
evidência, o cancelamento da compra em apreço significa o cristalino reconhecimento
do abuso com recursos públicos, que seria protagonizado pelo governo, que agora
precisa aprender importante lição com o episódio, com vistas à promoção de urgente
pente-fino em todos os contratos firmados pela administração pública, de modo a
se verificar a sua regularidade, sobretudo quanto à compatibilização de seus objetos,
valores, quantidades e demais componentes contratados com as realidades orçamentária
e econômica brasileiras, em especial com a finalidade de se corrigir distorções
de interpretação e agressões aos princípios da transparência, economicidade e
legalidade, entre outros. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 1º de janeiro de 2017
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