sábado, 7 de janeiro de 2017

Os efeitos das masmorras...

Aconteceu em Manaus, como poderia ter ocorrido em qualquer parte do país, uma das maiores tragédias do sistema prisional, com a morte de 56 presos, em decorrência de rebelião entre facções rivais, que também propiciou a fuga de 184 presos, em um intervalo inferior de 24 hortas.
          O secretário de Segurança Pública do Amazonas disse que "Nós não perdemos o controle do sistema prisional. O sistema prisional continua sob controle. O que aconteceu, aconteceu nos primeiros minutos de rebelião, e nós não teríamos, realmente, como evitar. Quando chegamos lá, as mortes já haviam ocorrido e só restava negociar".
Os fatos mostram que a rebelião e a barbárie eram mais do que previsíveis, diante das facilidades, precariedades e fragilidades imperantes no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), à vista da existência de facções organizadas e de armas em poder de presos, além da falta de sistemas preventivos de sinistros, tudo contribuindo para a deflagração de tragédia de grande proporção como assim aconteceu.
Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao Ministério da Justiça, publicado no ano passado, concluiu que a ação da administração penitenciária é “bastante limitada e omissa diante da atuação de facções criminosas”, que também afirma que os presos “basicamente se autogovernam nas unidades prisionais, afetando a segurança jurídica e, mais grave, o direito à vida das pessoas”.
Após vistoria no Compaj, em dezembro de 2015, a ameaça à vida dos presos mantidos nas celas separadas chamadas de “seguro” foi uma das principais preocupações dos analistas, que apontaram a “prática sistemática da tortura e de outras ilegalidades cometidas por agentes públicos e privados nas unidades visitadas no Amazonas”. A chacina ocorreu exatamente no “seguro” do Compaj que houve o massacre.
Consta do relatório que “É muito importante ressaltar a situação dos presos dos chamados ‘seguros'. Caso fiquem em contato com a massa carcerária, tais pessoas podem ser alvo de fortes represálias, correndo risco de morte. Nessa linha, várias pessoas isoladas relataram que os presos dos pavilhões têm ferramentas capazes de quebrar as paredes das unidades que são, aparentemente, frágeis. Então, mesmo ‘isoladas’, sentem muito receio de estarem em locais de fácil acesso e, assim, serem torturadas e morrer. Esse temor se exacerba em situações de motins ou rebeliões”.
O relatório, além de alertar sobre as ameaças de morte, disse que os presos no “seguro” estariam “sujeitos a precárias condições de privação de liberdade, raramente realizavam atividades de estudo, trabalho e lazer, ficando confinados durante todo o tempo. As condições de insalubridade, alto risco e segregação podem equiparar-se à prática de tortura dentro de realidade observada nas unidades visitadas”.
Também é citado no relatório que as unidades prisionais masculinas são marcadas pelas ações da Família do Norte (FDN) e do Primeiro Comando da Capital (PCC), “Ou seja, os cárceres amazonenses estão divididos por facções, o que gera um contexto de fortes disputas e tensionamento entre grupos no sistema penitenciário estadual.”.
Os peritos que visitaram as unidades do Estado apontaram que os grupos criminosos “estipulam rígidas regras de convivência entre os presos”. Pessoas LGBT, por exemplo, “são punidas com espancamentos e abusos sexuais quando desrespeitam regras impostas pela facção criminosa”. Também há “celas-cativeiros”, onde há punições e até morte de quem rompe com as regras impostas.
          O citado documento não deixa dúvida de que, “Em suma, o direito à vida nos cárceres do Amazonas pareceu fortemente fragilizado”.
À toda evidência, trata-se do maior massacre da história do sistema prisional do Amazonas -- e ainda houve mais quatro mortes na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), na Zona Rural de Manaus, totalizando 60 mortes.
Depois do massacre, o governo federal correu para o local para oferecer ajuda, o que significa dizer que, depois de a porta ter sido arrombada, de imediato vem o socorro, que deveria ter aparecido bem antes, o que teria contribuído para se preservar a vida de 60 seres humanos, que eram criminosos sim, tinham famílias e deveriam ter preservadas suas vidas, porque nada justifica a pena capital por crime que eles não cometeram.
O governo do Estado do Amazonas constituiu Comitê de Gerenciamento de Crise do Sistema de Segurança Pública e força-tarefa para apuração das mortes, a par da instauração de dois inquéritos policiais, um para apurar as mortes no Compaj e outro a fuga no Ipat.
O secretário de Segurança disse que, "Com certeza, nós não vamos ter mortes sem punição. Não teremos isso. Tem que haver uma consequência para essa barbárie".
Com o devido respeito a quem pensa em contrário, mas o verdadeiro filho de Deus compreende que a matança nos presídios não pode ser motivo de comemoração e de augúrios para que outros desastres possam resultar em mais mortes.
Todos temos a consciência de que o sistema carcerário se encontra falido e sequer funciona no mínimo das condições normais, mas nem por isso há motivos para se vangloriar das tragédias como a que ocorreu em Manaus.
Não se trata de defesa, em absoluto, de presos, mas sim de ser humano, que, por circunstância da vida, estavam cumprindo pena na forma da lei, evidentemente em razão da prática de algum crime, que, por si só, já é pena.
Acontece que o Estado tem obrigação de manter o mínimo de condições para que os condenados possam pagar pelos crimes cometidos, mas é simplesmente lamentável que o governo seja omisso na construção de escola tanto de presídios, que nem precisavam, no caso destes, se a educação fosse de qualidade, em condições de contribuir para a formação de homens conscientes sobre a necessidade de civilidade e de boa conduta, mediante a preocupação com os estudos e o trabalho.
Na verdade, o massacre de Manaus é resultado de tudo de ruim que existe neste país que falta governo para repensar as estruturas e conjunturas do Estado e ter vontade política para reformar tudo, inclusive o sistema prisional, porque nada funcional com eficiência neste país, com exceção da máquina arrecadadora, que conseguiu se estruturar e se modernizar tão bem que tem uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo e os bestas dos contribuintes estão felicíssimos com a precariedade e a ineficiência dos serviços públicos quando prestados.
Santa inocência dessa autoridade que afirmou que a tragédia foi inevitável, esquecendo ela que a cadeia estava superlotada com o triplo da sua capacidade, fato que propiciava absoluta falta de controle em caso de rebelião.
Além de o fato ter sido evitável, as autoridades incumbidas de zelar pelo sistema presidiário são culpadas e responsáveis pelo massacre de seres humanos, não importando que eles sejam criminosos, porque o Estado tem o dever de manter a sua integridade.
Acontece que o sistema prisional se encontra, em todo país, com centena de anos de atraso, funcionando precariamente e bastante distanciado do mínimo das condições necessárias para recepcionar os presos, que simplesmente são amontoados em recintos infectos e contagiosos, absolutamente contrários à dignidade do ser humano, cujo tratamento desumano apenas contribui para animalizar todos aqueles que forem trancafiados.
É preciso se torcer no sentido de que o governo se sensibilize e aprenda importantes lições com as tragédias e resolva estudar e aprovar urgentes medidas capazes de tirar o país da miséria crônica, que somente contribui para a ocorrência de "acidente pavoroso", nas palavras do presidente da República, que demonstra insensibilidade com a verdadeira tragédia, minimizando-a como mero acidente de percurso, quando mais de meia centena de vidas humanas morreu por causa da omissão, incompetência e ausência dos governos e do Estado. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 7 de janeiro de 2017

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