Aconteceu
em Manaus, como poderia ter ocorrido em qualquer parte do país, uma das maiores
tragédias do sistema prisional, com a morte de 56 presos, em decorrência de
rebelião entre facções rivais, que também propiciou a fuga de 184 presos, em um
intervalo inferior de 24 hortas.
O
secretário de Segurança Pública do Amazonas disse que "Nós não perdemos o controle do sistema
prisional. O sistema prisional continua sob controle. O que aconteceu,
aconteceu nos primeiros minutos de rebelião, e nós não teríamos, realmente,
como evitar. Quando chegamos lá, as mortes já haviam ocorrido e só restava
negociar".
Os
fatos mostram que a rebelião e a barbárie eram mais do que previsíveis, diante
das facilidades, precariedades e fragilidades imperantes no Complexo Penitenciário
Anísio Jobim (Compaj), à vista da existência de facções organizadas e de armas
em poder de presos, além da falta de sistemas preventivos de sinistros, tudo
contribuindo para a deflagração de tragédia de grande proporção como assim
aconteceu.
Relatório
do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao
Ministério da Justiça, publicado no ano passado, concluiu que a ação da
administração penitenciária é “bastante
limitada e omissa diante da atuação de facções criminosas”, que também
afirma que os presos “basicamente se
autogovernam nas unidades prisionais, afetando a segurança jurídica e, mais
grave, o direito à vida das pessoas”.
Após
vistoria no Compaj, em dezembro de 2015, a ameaça à vida dos presos mantidos
nas celas separadas chamadas de “seguro”
foi uma das principais preocupações dos analistas, que apontaram a “prática sistemática da tortura e de outras
ilegalidades cometidas por agentes públicos e privados nas unidades visitadas
no Amazonas”. A chacina ocorreu exatamente no “seguro” do Compaj que houve o massacre.
Consta
do relatório que “É muito importante
ressaltar a situação dos presos dos chamados ‘seguros'. Caso fiquem em contato com a massa
carcerária, tais pessoas podem ser alvo de fortes represálias, correndo risco
de morte. Nessa linha, várias pessoas isoladas relataram que os presos dos
pavilhões têm ferramentas capazes de quebrar as paredes das unidades que são,
aparentemente, frágeis. Então, mesmo ‘isoladas’, sentem muito receio de estarem
em locais de fácil acesso e, assim, serem torturadas e morrer. Esse temor se
exacerba em situações de motins ou rebeliões”.
O
relatório, além de alertar sobre as ameaças de morte, disse que os presos no
“seguro” estariam “sujeitos a precárias
condições de privação de liberdade, raramente realizavam atividades de estudo,
trabalho e lazer, ficando confinados durante todo o tempo. As condições de insalubridade, alto risco e
segregação podem equiparar-se à prática de tortura dentro de realidade
observada nas unidades visitadas”.
Também
é citado no relatório que as unidades prisionais masculinas são marcadas pelas
ações da Família do Norte (FDN)
e do Primeiro Comando da Capital (PCC),
“Ou seja, os cárceres amazonenses estão
divididos por facções, o que gera um contexto de fortes disputas e
tensionamento entre grupos no sistema penitenciário estadual.”.
Os
peritos que visitaram as unidades do Estado apontaram que os grupos criminosos
“estipulam rígidas regras de convivência
entre os presos”. Pessoas LGBT, por exemplo, “são punidas com espancamentos e
abusos sexuais quando desrespeitam regras impostas pela facção criminosa”.
Também há “celas-cativeiros”, onde há
punições e até morte de quem rompe com as regras impostas.
O
citado documento não deixa dúvida de que, “Em
suma, o direito à vida nos cárceres do Amazonas pareceu fortemente fragilizado”.
À
toda evidência, trata-se do maior massacre da história do sistema prisional do
Amazonas -- e ainda houve mais quatro mortes na Unidade Prisional do
Puraquequara (UPP), na Zona Rural de Manaus, totalizando 60 mortes.
Depois
do massacre, o governo federal correu para o local para oferecer ajuda, o que
significa dizer que, depois de a porta ter sido arrombada, de imediato vem o
socorro, que deveria ter aparecido bem antes, o que teria contribuído para se
preservar a vida de 60 seres humanos, que eram criminosos sim, tinham famílias
e deveriam ter preservadas suas vidas, porque nada justifica a pena capital por
crime que eles não cometeram.
O
governo do Estado do Amazonas constituiu Comitê de Gerenciamento de Crise do
Sistema de Segurança Pública e força-tarefa para apuração das mortes, a par da
instauração de dois inquéritos policiais, um para apurar as mortes no Compaj e
outro a fuga no Ipat.
O
secretário de Segurança disse que, "Com
certeza, nós não vamos ter mortes sem punição. Não teremos isso. Tem que haver
uma consequência para essa barbárie".
Com o devido respeito a quem pensa em
contrário, mas o verdadeiro filho de Deus compreende que a matança nos
presídios não pode ser motivo de comemoração e de augúrios para que outros
desastres possam resultar em mais mortes.
Todos temos a consciência de que o sistema
carcerário se encontra falido e sequer funciona no mínimo das condições
normais, mas nem por isso há motivos para se vangloriar das tragédias como a
que ocorreu em Manaus.
Não se trata de defesa, em absoluto, de presos,
mas sim de ser humano, que, por circunstância da vida, estavam cumprindo pena
na forma da lei, evidentemente em razão da prática de algum crime, que, por si
só, já é pena.
Acontece que o Estado tem obrigação de manter o
mínimo de condições para que os condenados possam pagar pelos crimes cometidos,
mas é simplesmente lamentável que o governo seja omisso na construção de escola
tanto de presídios, que nem precisavam, no caso destes, se a educação fosse de
qualidade, em condições de contribuir para a formação de homens conscientes sobre
a necessidade de civilidade e de boa conduta, mediante a preocupação com os
estudos e o trabalho.
Na verdade, o massacre de Manaus é resultado de
tudo de ruim que existe neste país que falta governo para repensar as
estruturas e conjunturas do Estado e ter vontade política para reformar tudo,
inclusive o sistema prisional, porque nada funcional com eficiência neste país,
com exceção da máquina arrecadadora, que conseguiu se estruturar e se
modernizar tão bem que tem uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo e
os bestas dos contribuintes estão felicíssimos com a precariedade e a ineficiência
dos serviços públicos quando prestados.
Santa
inocência dessa autoridade que afirmou que a tragédia foi inevitável, esquecendo
ela que a cadeia estava superlotada com o triplo da sua capacidade, fato que
propiciava absoluta falta de controle em caso de rebelião.
Além
de o fato ter sido evitável, as autoridades incumbidas de zelar pelo sistema
presidiário são culpadas e responsáveis pelo massacre de seres humanos, não
importando que eles sejam criminosos, porque o Estado tem o dever de manter a
sua integridade.
Acontece
que o sistema prisional se encontra, em todo país, com centena de anos de
atraso, funcionando precariamente e bastante distanciado do mínimo das
condições necessárias para recepcionar os presos, que simplesmente são
amontoados em recintos infectos e contagiosos, absolutamente contrários à
dignidade do ser humano, cujo tratamento desumano apenas contribui para
animalizar todos aqueles que forem trancafiados.
É preciso se torcer no sentido de que o governo
se sensibilize e aprenda importantes lições com as tragédias e resolva estudar e
aprovar urgentes medidas capazes de tirar o país da miséria crônica, que somente
contribui para a ocorrência de "acidente pavoroso", nas palavras do
presidente da República, que demonstra insensibilidade com a verdadeira
tragédia, minimizando-a como mero acidente de percurso, quando mais de meia
centena de vidas humanas morreu por causa da omissão, incompetência e ausência
dos governos e do Estado. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 7 de janeiro de 2017
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