segunda-feira, 25 de junho de 2018

A tia como complicador


A arquiteta que elaborou o projeto da reforma da cozinha do sítio de Santa Bárbara, em Atibaia (SP), que o Ministério Público Federal garante que pertence ao principal político brasileiro, afirmou, em depoimento ao juiz da Operação Lava-Jato, tê-lo apresentado à ex-primeira-dama.
Arrolada como testemunha de defesa do proprietário do imóvel, a arquiteta disse que o projeto não foi executado porque a ex-primeira-dama não teria gostado dele.
A arquiteta afirmou ter sido paga pelo proprietário do imóvel para a elaboração do projeto.
De acordo com a mencionada profissional, o proprietário do imóvel e a esposa dele a chamaram, em 2013, porque havia “um problema na fossa” que estaria causando “mau cheiro”, na casa do sítio e concluiu dizendo que “Eu fui lá dar uma olhada nisso”.
Em seguida, ela disse ter recebido outra solicitação do casal, que “Queria ampliar a cozinha, fazer uma mais moderna, fechada, dentro da casa. Uma cozinha mais moderna para a sala de jantar. Fiz um estudo para isso, mas o projeto não deu seguimento”.
Para o estudo da cozinha, a arquiteta afirmou que o casal proprietário do imóvel queria “mais pessoas dando palpite no projeto. Ele pediu para ter uma reunião com a tia dele para ela também dar palpite”.
A arquiteta disse que “Quando eu cheguei lá e encontrei com ele, ele ia apresentar e falou: Fernanda, vou te avisar que minha tia era a dona Marisa. Eu falei: ah, não sabia disso”.
Ela concluiu o depoimento, dizendo que “Apresentei, ela (ex-primeira-dama) entendeu o que eu tava falando. Na verdade, ia ficar o projeto não exatamente como ela gostaria porque ia ter um pilar no meio da sala, ia ficar uma coisa meio estranha que ela não gostou muito. E eu falei pra ela: para ficar bom, a gente teria que reformar o telhado da casa”.
O caso a que se refere o aludido sítio representa a terceira denúncia contra o político, no âmbito da Operação Lava-Jato e se encontra na fase de depoimentos.
Conforme a denúncia, a Odebrecht, a OAS e a empreiteira Schahin, com o pecuarista amigo do político, gastaram o valor de R$ 1,02 milhão em obras de construção, reformas e melhorias no referido sítio, em troca, segundo o Ministério Público Federal, de contratos com a Petrobras.
O imóvel foi comprado no final de 2010, quando o político estava prestes a deixar a Presidência da República, mas o sítio está registrado em nome de dois sócios dos filhos do ex-presidente, conquanto os procuradores da Operação da força-tarefa da Lava-Jato sustentem, com base nas investigações empreendidas, que o imóvel é de propriedade do político, o que caracteriza a ocultação de patrimônio, como forma de disfarçar o dinheiro proveniente da propina, conforme consta de delações premiadas.
A defesa do político disse que “A testemunha informou que Fernando Bittar pediu e pagou pelo trabalho da arquiteta, deixando evidente, uma vez mais, que ele é o proprietário do sítio, como consta no Cartório de Registro de Imóveis”.
          Como o sítio estava sendo utilizado pela família do político, conforme comprova a presença da ex-primeira-dama, cognominada por “tia” do suposto dono do imóvel, pouca importância tem se ele está ou não no nome do político, porque as testemunhas são fortes em afirmar que quem cuidava dos negócios pertinentes às reformas implementadas na propriedade era a “tia”, conforme entregou de bandeja a arquiteta testemunha, não deixando a menor dúvida quando à real propriedade do imóvel.
Em termos de razoabilidade, o que poderia fazer sentido a presença da ex-primeira-dama no sítio, para tratar de projeto da reforma da cozinha, se ela nem era proprietária do imóvel e, por via de consequência, qual interesse ela teria na questionada reforma, quanto mais que as obras alvo do projeto sequer foram em frente, justamente porque ela não gostou dele e também não o aprovou, diante da necessidade da colocação de pilar no centro da cozinha?
Trata-se de ideia visivelmente contraditória e incoerente, que alguém apenas convidada, na opinião da defesa, para dar palpite, tenha o poder de inviabilizar o projeto, que não foi aprovado exatamente porque ela não gostou dele, fato que, para bom entendedor, demonstra tão somente que ela era a principal interessada na reforma em causa, não podendo ter outra interpretação para a presença dela nesse encontro. 
Na verdade, a arquiteta, mesmo na qualidade de testemunha da defesa, terminou prestando importantíssima contribuição à elucidação desse imbróglio, tendo se tornada a pessoa que mais ajudou a complicar do que aliviar a parte da defesa, porquanto ela levou aos autos informação preciosíssima, mostrando valioso elemento nesse quebra-cabeça que dificilmente será possível o político provar que as reformas no sítio não teriam sido feitas exclusivamente sob a orientação da sua ex-esposa e as graças da sua influência e do seu prestígio político, sob às expensas de empreiteiras e amigos, ou seja, com recursos oriundos de propina.
Indubitavelmente, o importante e decisivo testemunho da arquiteta tem a força probante que contribui para esclarecer fatos e fortalecer a verdade sobre eles, de modo que ela ajudou a enfraquecer os argumentos da própria defesa, que, por certo, não imaginava que poderosa alegação sua pudesse mais atrapalhar os planos da defesa do que esclarecer os fatos em benefício dela, ou seja, a verdade se revela por si só e pode aparecer até mesmo por meio de quem jamais se esperava, no caso, os sitos proprietários do imóvel.
À toda evidência, essa triste e indiscutível realidade não tem mais como disfarçar, porque os fatos, por mais que tentem acobertar e distorcer, a qualquer custo, somente complicam em desfavor dos envolvidos, diante da teia mal tecida, onde em cada ponta há sempre situação conflitante com a verdade dos acontecimentos, deixando a imagem do político cada vez mais em situação delicadíssima, diante das fortes evidências.
Para o bem da verdade, que precisa ser revelada o quanto antes, o certo é que as testemunhas, imbuídas de espírito público, estão contribuindo para a transparência dos fatos, a exemplo dessa triste e lamentável invenção de tia, que foi forma perversa de distorcer a realidade sobre a propriedade do imóvel, que nada mais era que a verdadeira interessada na reforma da cozinha, porque ela era a dona do sítio, embora ele esteja registrado em nome de laranjas, que poderão, ao final do julgamento, ser penalizados justamente por terem contribuído para assumir o crime de coautoria da ocultação de patrimônio, que cada vez mais isso fica ainda mais claro e incontestável, à vista da materialidade das provas sobre a autoria dos crimes denunciados à Justiça. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 25 de junho de 2018

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