segunda-feira, 11 de junho de 2018

O poder da população


Um juiz da Califórnia, Estados Unidos da América, foi censurado e criticado pela população de uma localidade, em razão de ter proferido sentença branda a um ex-aluno da Universidade de Stanford, condenado por estupro, tendo sido punido com o seu afastamento do cargo, por votação nas urnas.
Os moradores do condado de Santa Clara votaram para retirar do cargo um juiz do Tribunal Superior, durante o processo de primárias no estado.
O magistrado, que ocupara o posto por 15 anos, é o primeiro juiz afastado do cargo desde 1932.
A forma como ele conduziu o julgamento de um estuprador causou indignação por parte da população, depois de tê-lo condenado, em 2016, a seis anos de prisão por estuprar uma mulher inconsciente no campus, mas o criminoso foi libertado três meses depois.
O criminoso, que na época do delito tinha 19 anos, havia sido preso em janeiro de 2015, depois que dois estudantes o viram praticando o crime contra uma mulher, embora ele tenha negado se tratar de crime, sob o argumento de que a relação havia sido consensual, após uma festa em uma fraternidade acadêmica, na qual tinham bebido muito.
Não obstante, o júri do condado o considerou culpado de três crimes.
A população, inconformada com a sentença do juiz, apresentou a quem de direito petição apoiada por mais de um milhão de assinaturas, pedindo a demissão do magistrado.
Na ocasião, o juiz ainda apresentou justificativa, por temer que pena mais longa o “afetasse severamente”.
O caso pôs em foco a atenção pública sobre estupros nas universidades americanas, onde, de acordo com estudo, mais de uma em cada seis mulheres são violentadas durante o primeiro ano, enquanto estão sob o efeito de álcool ou drogas.
Como os juízes são eleitos na Califórnia, o episódio em causa suscitou a abertura de debate sobre a independência do Poder Judiciário, naquele estado, tendo uma ex-juíza do referido condado se manifestado nos seguintes termos: “É um dia triste para o judiciário da Califórnia”, naturalmente por defender a independência do Judiciário.
A ex-juíza disse, em mensagem aos juízes, que “se você não decidir de acordo com a opinião pública pode perder o seu emprego”.
Já uma professora de Legislação acredita que “a mensagem é mais voltada contra a impunidade. Estamos vivendo um momento histórico, no qual mulheres de todos os setores da sociedade se levantam para dizer ‘basta'”.
Trata-se, como se vê, de afastamento de servidor que é pago pelos contribuintes dos Estados Unidos da América, mais especificamente da Califórnia, onde o espírito democrático prevalece soberanamente em prol do povo, que tem voz e vez, como mostrado nesse caso, com muita clareza, em que o magistrado teve censurada e punida a sua decisão, que não satisfez à vontade da população, ao discordar, de forma peremptória, da suavidade da pena aplicada por ele a um estuprador, que realmente não pode merecer complacência, muito menos por parte da Justiça.
É preciso que se avalie a importância e o peso da opinião pública norte-americana, que foi capaz de mostrar a sua força e deixar muito claro que a competência do Judiciário não pode contrariar o poder cívico da sociedade, que tem como parâmetro não permitir que a impunidade possa beneficiar a criminalidade, como visto nesse caso.
Essa importantíssima decisão acontece exatamente no momento em que alguns magistrados tupiniquins colocaram na suas cabeças que eles são as mentes mais brilhantes e poderosas do país, com a suprema capacidade para imaginar que os demais juízes estão errados, trabalhando na contramão do comportamento do trabalhismo jurídico e decidindo em dissonância com os princípios jurídicos, enquanto eles podem tudo, impunemente, inclusive escancarar as portas das cadeias para bandidos assaltantes dos cofres públicos, em completa desmoralização do sistema penal do país, que não encontra paralelo nem mesmo nas piores republiquetas, onde se imagina que os magistrados primam pela dignidade de seus relevantes cargos como integrantes do relevante Poder Judiciário.
Não há a menor dúvida de que o poder popular de peitar a força de membro do Judiciário, lá nos EUA, é fruto da conscientização dos eleitores, que o conquistaram, por certo, com base no usufruto do pleno exercício dos direitos democráticos e no seu amadurecimento político, que possibilitaram o entendimento segundo o qual nenhum juiz e, de resto, nenhum servidor público tem direito de achar que pode decidir ou agir em dissonância com o interesse público, porque a remuneração deles, lá como aqui, é paga pelo sacrifício da sociedade, que é obrigada a pagar escorchante carga tributária, sem a devida contraprestação, em termos de serviços públicos da incumbência do Estado.
Essa histórica decisão norte-americana pode muito bem servir de magnífico exemplo para os brasileiros, no sentido de se conscientizar quanto à necessidade de urgente mobilização com vistas à realização de recall dos servidores públicos em geral, i.e., englobando os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, sempre que eles deixarem de agir ou atuar no exercício de seus cargos em desarmonia com os interesses da sociedade, que enfim é patroa deles, que precisam prestar contas sobre seus atos na vida pública.
É evidente que esse procedimento de censura precisa ser precedido de regulamentada consulta pública, a exemplo do que fizeram os americanos do condado de Santa Clara, Califórnia, na forma das normas estabelecidas para cada caso, como a necessidade da indispensável observância de determinada quantidade de assinaturas para a deflagração do procedimento de afastamento ou perda do cargo público, conforme o sentido da regra aprovada pelos eleitores.
Medida nesse sentido se coaduna com o salutar e moderno princípio democrático, prevalente nos países com melhor nível de evolução política e de civilidade, segundo o qual o poder emana do povo e em seu nome será exercitado, o que vale dizer que a sociedade com maior nível de conscientização político-democrática tem reais poderes de decidir em seu próprio benefício, inclusive exigindo que os juízes e demais servidores públicos exerçam suas funções institucionais em harmonia com a vontade soberana da população. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 11 de junho de 2018

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